Era uma manhã bem fria, o céu estava se apresentando bem nublado. Como se não bastasse as ruas estavam cobertas pela neblina que dificultava a visão de todo mundo e que fazia alguns desastrados como eu tropeçarem em qualquer obstáculo ao longo do caminho. Apesar de tudo era um dia para se manter animado pois depois de um extenso recesso as aulas finalmente voltaram. E acredite, eu gosto do ambiente escolar, ele consegue me tirar da monotonia que é ficar em casa sem ter nada para fazer. Além disso é o meu primeiro ano nesse colégio novo, vou ter a oportunidade de conhecer pessoas novas e quem sabe pelo menos dessa vez fazer alguns amigos.
Normalmente eu ia de carro, mas já não era tão essencial porque uma caminhada de quinze minutos era o que distanciava minha casa do colégio, ou seja, não tinha mais desculpas para chegar atrasado como no colégio anterior no qual eu tinha que permanecer no carro por quarenta minutos, o que é para mim era uma tortura.
Cheguei junto com minha mãe, particularmente cedo, me despedi com um abraço caloroso e sentei-me em um dos bancos de madeira do pátio enorme aguardando assim a liberação das salas de aula. Não dava para deixar de notar o quanto aquilo era enorme. A estrutura era bem simples, um imenso quadrado, onde no centro ficava o pátio e nos seus arredores os corredores que davam nas salas de aula que iam do primeiro até o terceiro andar.
Os estudantes não paravam de chegar, a maioria parecia bem feliz por estar reencontrando seus amigos e conhecidos, isso me fez lembrar que eu não conhecia uma pessoa sequer ali. Enquanto estava sozinho parei meus olhos em uma garota que me chamou atenção com seus cabelos longos e pretos. A garota estava sozinha e mesmo que eu tenha virado o rosto para disfarçar meu olhar ela percebeu e sem pensar duas vezes veio até mim.
“Oi, eu sou a Yumi” disse ela com um sorriso largo em seu rosto.
“Oi, meu nome é Akiko, prazer em te conhecer”
“Você é novato aqui, certo?! Se precisar de alguma ajuda pode me procurar, eu sou da sala 104-A”
“Que coincidência... parece que somos da mesma turma”
“Ótimo! Vamos estudar juntos” falou ela sem esconder sua animação ao mesmo tempo que o sino anunciando que as aulas estavam prestes a começar soava. “Quantos anos você tem?”
“Tenho nove mas faço dez no mês de setembro, e você?” disse levantando do banco e iniciando uma caminhada em direção às escadas junto com Yumi.
“Completei dez no começo do ano, em janeiro. O que você achou do colégio?”
“Grande”
Ela riu. Subimos até o primeiro andar e continuei seguindo seus passos. Era um corredor comprido, ao longo dele, do lado direito, era possível encontrar alguns bebedouros, do esquerdo as altas janelas nos deixavam a visão da imensidão do pátio onde, no momento, muitos corriam de um lado para o outro.
“Com o tempo você acostuma” disse ela em frente a enorme porta que dava para uma das salas do corredor. “Bom, é aqui. Bem-vindo a 104-A”
“Ah, obrigado, Yumi.”
A sala grande não era totalmente preenchida pelos assentos, era aconchegante e as paredes, além de possuírem algumas janelas tinham as cores azul e branco. Me acomodei atrás de Yumi, mas não antes dela me apresentar todos que passavam pela porta. Já tinha dados tantos apertos de mão que sentia a minha desgrudando do braço prestes a cair.
Após um certo tempo, com exceção de uma, todas as cadeiras estavam ocupadas, os alunos permaneciam em seus devidos lugares e pelo horário não iria demorar para começar a aula propriamente dita. Baixei a cabeça, esfreguei meus olhos e voltei minha atenção até a porta que mostrava dessa vez um outro garoto que ainda não tinha visto, ele tinha cabelos claros e um par de olhos azuis que combinava com a gravata do uniforme quase da mesma cor. Ele simplesmente entrou, meus olhos acompanharam cada movimento feito por ele, e por fim sentou na última cadeira vaga que estava ao meu lado sem falar nada.
“Oi, meu nome é Akiko”, falei estendendo-lhe a mão e dando um grande sorriso em seguida – “Você também é novato aqui?”
“Ah, oi” respondeu o garoto após um certo tempo me encarando com seus olhos azuis enormes – “Sim, me chamo Harumi”.
“Prazer, Harumi. Essa na minha frente é a Yumi, ela é muito legal” Yumi lhe mandou um ‘Olá’ quase que inaudível.
“Que seja.”
Foi aí que nosso professor entrou em sala. Daí por diante Harumi não disse mais nada. Ficou em pleno silêncio durante todas as aulas que antecederam nosso intervalo.
Não demorou muito para que o sinal soasse novamente indicando que já estava na hora da pausa. Acompanhei Yumi que me levou ao refeitório. Todos alunos fizeram o mesmo, todos, menos Harumi. Não faço ideia de onde ele foi para, mas me parece que ele não gosta muito de pessoas.
Comemos e partimos até o pátio onde existia um grande alvoroço, dava para escutar gritos, choros e risos ao mesmo tempo. Não me impressionaria se naquele instante ocorresse uma explosão. Me juntei aos outros alunos e aproveitamos o pouco tempo que nos restava para nos conhecermos melhor.
Quando voltamos à sala, assim que foi determinado, completamos as aulas do dia e rapidamente fomos liberados. Minha mãe já estava de prontidão aguardando na portaria meu retorno. Nos dirigimos até o carro e pegamos a estrada. Quando estávamos próximos de casa, durante nossa conversa sobre como foi meu primeiro dia de aula, o garoto que não gosta nada de conversa simplesmente apareceu andando pela calçada carregando sua mochila nas costas. Era incrível como até com seus simples gestos ele parecia sério e insensível, mas também, ao mesmo tempo, tão confiante e radiante.
“Harumi”
“Harumi?”
“Sim, é meu amigo da escola” apontei para o menino um pouco a nossa frente.
“Então quer dizer que você já tem uma amizade?” me perguntou dando um breve sorriso e parando o carro logo após.
“Harumi! Você está indo pra casa? Está sozinho? Eu e minha mãe podemos te levar” de início ele pareceu assustado mas logo respondeu exprimindo calma.
“Tá tudo bem. Eu moro no condomínio no final da rua”
“Também moro lá, sobe aí. Não vai ser problema te levar”.
Embora Harumi ainda hesitasse um pouco, terminou entrando no carro. Minha mãe o deu boas vindas e o agradeceu por ser meu amigo. Ele não falou muito, mas no final de tudo agradeceu a carona e foi para casa.
“Até amanhã, Harumi” gritei quando ele caminhava, recebendo um aceno como resposta.
Depois de almoçar subi até meu quarto e fiquei na cama imaginando como seria os dias seguintes. Hoje com certeza superou todas minhas expectativas, não imaginei que conheceria tantas pessoas de uma hora para outra, mas apesar disso, ainda me incomodava o fato de não ter conversado o suficiente com Harumi. Desta forma, como agora sabia onde ele morava, pensei em chama-lo para andar e conversar um pouco ao final do dia, e assim fiz.
Quando terminei tudo que tinha para fazer, após o jantar, caminhei lentamente através da rua iluminada pelos refletores até a casa de Harumi, ao chegar fiquei em pé com a mão presa a campainha, sem pressioná-la, estava simplesmente paralisado em frente a porta branca, não sabia se seria um incomodo a minha visita.
“Ainda não somos amigos, certo? Ou somos?” pensei comigo mesmo.
Durante meu momentâneo passeio por meus pensamentos a porta que havia à minha frente abriu.
“Ah, é você”
“E-Eu ia te chamar pra sair um pouco”
“Minha mãe pediu pra jogar o lixo” falou ele andando com o saco preto em sua mão direita ao mesmo tempo que aparentava ignorar minha presença.
“Posso te acompanhar se você quiser” disse o seguindo
“Não precisa”
Claramente não dei ouvidos, fomos até a lixeira mais próxima e então, depois de muito insistir ele aceitou meu convite para andar pelo parque.
“Quantos anos você tem?”
“Onze”
“Nossa, você é um ano mais velho, isso é tão legal!”
“Qual diferença isso faz?”
“Bom... você já pode voltar sozinho pra casa” respondi no tempo em que ele permanecia com as mãos no bolso da bermuda e chutava as pedras que apareciam no caminho “Você não fala muito não é? Se quiser pode ir lá em casa qualquer dia, a gente poderia jogar vídeo game”
“Você tem vídeo game?” falou ele voltando toda sua atenção para mim.
“Então existe algo que você gosta?”
Ele simplesmente sorriu como resposta. Que sorriso... Era muito bonito.
Conversamos um pouco mais e quando o clima ameaçou mudar drasticamente para uma chuva fomos cada um para sua respectiva casa. Corri pelas escadas em direção ao meu quarto e quando me coloquei deitado na cama me senti feliz. Harumi definitivamente deixou meu dia mais feliz.
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