O balanço da trirreme era constante, um vai e vem que parecia sintonizado com o ritmo dos gemidos da madeira sob pressão. Cadmo apertou os olhos, tentando ignorar o cheiro salgado do mar que invadia suas narinas, misturado ao odor de peixe podre e salmoura que impregnava o porão. A cabine era pequena, claustrofóbica, e o som das ondas batendo contra o casco ecoava como um tambor distante, martelando seus ouvidos. Ele tentou se concentrar no barulho dos passos pesados dos soldados no convés acima, mas o enjoo persistia, uma náusea que subia da garganta e se instalava como um punho fechado no estômago.
Cadmo se virou de lado no catre estreito, sentindo o suor frio escorrer pelas têmporas. As mãos tremiam levemente, e ele as enterrou sob a manta áspera, como se pudesse esconder a fraqueza de si mesmo. Fora, o vento uivava, trazendo consigo o sussurro de vozes que ele não conseguia distinguir. Demóstenes devia estar lá, dando ordens com aquela voz firme e calma que parecia desafiar o caos. Cadmo tentou se agarrar àquele pensamento, mas o mar não permitia. O mar nunca permitia.
Quando finalmente adormeceu, foi para um lugar pior.
Estava de volta àquela fatídica noite da cripteia, onde a lua cortava o céu como uma foice. A floresta era úmida, o ar pesado com o cheiro de terra molhada e folhas apodrecidas. O som distante das ondas batendo nas rochas. Ele corria, mas seus pés afundavam na lama, cada passo um esforço hercúleo.
Os gritos ecoavam atrás dele — não eram palavras, apenas sons guturais, desesperados. Ele sabia o que vinha a seguir. Sempre vinha. "Não quero fazer isso", tentou dizer, mas as palavras morreram na garganta. Cadmo tentou fechar os olhos, mas suas mãos estavam ocupadas, segurando algo pesado e quente como sangue fresco. As figuras indistintas ganharam forma, com olhares acusadores, e o peso da lâmina em sua mão se tornou, pouco a pouco, insuportável. Alguém gritou — era sua própria voz? — e então a terra se encharcou enquanto cadáveres surgiam ao redor. Tudo se dissolveu num instante em um redemoinho de sombras.
Acordou engasgado, o suor escorrendo pelo pescoço como água de riacho. O coração batendo como um tambor de guerra. A cabine estava escura, mas o balanço do navio confirmou que ainda estava preso naquele inferno flutuante. Respirou fundo, tentando afastar o gosto amargo do pesadelo. Tremia, as mãos agarradas à manta úmida, e levou um minuto para perceber que os gritos vinham de seus próprios lábios. Eram as mãos de um guerreiro, marcadas por cicatrizes e calos, mas naquele momento pareciam frágeis, quase estranhas.
O som de passos se aproximou, e a porta se abriu lentamente. Demóstenes entrou na cabine sem bater, trazendo consigo o cheiro de vinho e óleo de oliva. Seus passos eram firmes, mesmo no convés instável. A lamparina em sua mão projetava sombras dançantes nas paredes de madeira e seu rosto estava cansado, mas os olhos brilhavam com uma determinação que Cadmo admirava, mesmo sem admitir.
— A tempestade nos atrasou, mas parece que os deuses ainda não terminaram conosco. Salamina está próxima — disse, jogando um pedaço de pão seco no colo de Cadmo. — Coma. Você parece um cadáver.
Cadmo encarou a comida, a garganta contraindo-se. O pão tinha a cor do barro, e o pensamento de mastigá-lo fez seu estômago revirar. Demóstenes riu, baixo, como sempre fazia quando a situação era ruim demais para ser levada a sério.
— Venha ver. O Templo de Poseidon está lá em cima, brilhando como um farol. Quase valeu o naufrágio.
Cadmo assentiu, mas não se moveu imediatamente. Ainda sentia o peso do pesadelo, como se ele tivesse deixado marcas invisíveis em sua pele. Demóstenes esperou um momento, como se soubesse que ele precisava de tempo, e então saiu, fechando a porta com cuidado.
Olhou fixo para as frestas de luz que escapavam da porta, tentando esquecer que, abaixo deles, as águas escuras engoliam tudo — até memórias.
Ele se levantou devagar, sentindo o chão frio e instável sob seus pés descalços. O enjoo ainda estava lá, mas agora era uma presença familiar, quase reconfortante. No canto, o elmo do pai brilhava fracamente. Dois soquinhos. Clang. Clang. O som metálico ecoou na cabine, um ritual que o mantinha preso a algo sólido, mesmo quando tudo ao seu redor parecia desmoronar.
Ao subir para o convés, o vento gelado o atingiu como um soco. Ele cerrou os punhos, sentindo a brisa salgada grudar em sua pele. Segurou o corrimão, os nós dos dedos brancos, e então viu: o mar se estendia à frente, infinito e implacável, e no horizonte, o Cabo Sunião erguia-se imponente. No alto do penhasco, as colunas de mármore do Templo de Poseidon se erguiam contra o céu cinza, tão perfeitas que doíam. Cadmo olhou para ele, sentindo um frio na espinha que não tinha nada a ver com o vento.
Os soldados atenienses riam de algo, suas vozes desbotadas contra o rugido das ondas. Demóstenes estava à proa, imóvel, como se desafiasse o deus a vir buscá-lo. Cadmo se aproximou, mas não disse nada. Em vez disso, ficou ali, sentindo o balanço do navio e o peso do mar sob seus pés. Demóstenes aproximou-se, oferecendo um odre de água.
— Bonito, não? — murmurou, seguindo o olhar de Cadmo.
Ele não respondeu. O Templo de Poseidon parecia observá-lo, silencioso e julgador. Pegou uma castanha do bolso, mastigando-a até virar pasta. O gosto amargo era melhor que o medo.
A visão do templo permaneceu gravada em sua mente mesmo depois que desceu do convés. O vento trouxe o cheiro de maresia misturado à expectativa inquieta da tripulação. Quando, enfim, a neblina começou a engolir o horizonte, soube que estavam perto de Salamina. O riso dos soldados cessou, substituído pelo silêncio pesado que precede as batalhas — ou os funerais.
A névoa era pesada e cobria o mar como um véu sujo, escondendo o contorno de Atenas ao longe. A trirreme arrastou-se até a enseada de Salamina, as velas desinfladas batendo contra o mastro como asas quebradas. Cadmo encostou-se no corrimão, os dedos cravados na madeira úmida, enquanto observava o Porto de Pireu à distância. Uma corrente grossa cruzava a entrada, e as torres de vigia estavam vazias — nenhum ruído, nenhum movimento. Apenas sombras. Do interior das muralhas, finas colunas de fumaça subiam do chão aos céus, misturando-se às nuvens.
A tripulação desembarcou com passos arrastados. Um soldado mais jovem cuspiu no chão, o cuspe misturando-se à lama salgada.
— Três meses — resmungou, esfregando a barba encaracolada. — Três meses lutando e nem um banho quente nos espera.
Ninguém riu. Os homens se espalharam pela praia, desenrolando mantos puídos e acendendo fogueiras com gravetos úmidos. O fumo acre fez Cadmo tossir, e ele se afastou, mastigando uma castanha tão dura que parecia pedra.
Demóstenes apareceu ao seu lado, silencioso como sempre. Segurava um pergaminho, mas os selos estavam quebrados, e o papel amassado.
— Mandaram-nos para cá como cães escorraçados — disse, mais para si mesmo. — Algo está errado em Atenas.
Cadmo olhou para o horizonte. No porto fechado, gaivotas rasgavam o céu em círculos, gritando como crianças perdidas. Sempre as gaivotas, pensou. Sempre o mar.
À noite, os sussurros começaram.
— Dizem que a peste voltou — murmurou um remador, encolhendo-se perto do fogo.
— Não é peste — cortou outro, afiando uma faca contra a bota. — É traição. Os espartanos infiltraram espiões.
Uma risada seca ecoou:
— Espiões? Acham que Esparta precisa de espiões? Olhem para nós! Somos farrapos com espadas.
Cadmo afastou-se do círculo de luz, escondendo-se na sombra de um rochedo. A areia fria penetrava suas sandálias, e o cheiro de peixe estragado vinha das redes abandonadas na praia. Demóstenes o encontrou ali, oferecendo-lhe um odre de vinho aguado.
— Beba — ordenou, sem gentileza. — Antes que a sede nos mate mais rápido que a guerra.
Cadmo engoliu um gole, o líquido azedo queimando-lhe a garganta. Perguntou-se quantos corpos aquelas águas já tinham carregado.
Na manhã seguinte, um mercador de olhos esquivos chegou à ilha em um barco a remos. Trazia notícias — e figos secos, que os soldados devoraram como animais.
— O porto está fechado enquanto a assembleia debate o "risco de contaminação" — disse, evitando os olhares. — Mas há quem diga que é o povo se virando contra os magistrados. Fome faz até ratos morderem seus donos.
Demóstenes ouviu em silêncio, os dedos tamborilando no punho da espada. Cadmo observou um grupo de crianças correndo na praia, seus pés descalços deixando marcas na areia. Uma delas carregava um boneco de trapos sem cabeça.
Ao entardecer, Cadmo subiu até um dos morros. De lá, via Atenas como uma mancha pálida no horizonte, envolta em névoa. O vento trazia sons distantes: martelos em ferro, talvez, ou o lamento de alguém. Abaixo, na baía, um barco pesqueiro navegava em círculos, como se procurasse algo que nunca encontraria.
Quando voltou ao acampamento, um soldado estava discutindo com Demóstenes, o rosto vermelho de raiva e vinho.
— Não vamos ficar aqui apodrecendo! — berrou, erguendo uma lança enferrujada. — Se Atenas não nos quer, que queimem com seus políticos podres!
Demóstenes não recuou.
— Você morrerá de velhice antes que eu permita um motim — respondeu, calmo, a mão repousando no gládio.
Cadmo afastou-se novamente. Encontrou um figo esquecido no chão, meio comido por formigas, e mastigou-o devagar. O doce azedo lembrou-lhe algo que não conseguia nomear — talvez um tempo em que a fome era só uma palavra, não uma companheira.
Ao longe, o Templo de Poseidon ainda vigiava silenciosamente, uma lembrança constante dos deuses que observam e, talvez, julgam. Atenas, a cidade que já foi o centro do mundo grego, agora se encontrava à beira de algo incerto e potencialmente devastador.
Acima, as gaivotas ainda gritavam.
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