O sol se despedia, tingindo a cidade com tons dourados e alaranjados.

Ele, o vendedor de gelados, ajustava seu carrinho pela última vez naquele dia.

Mais um turno encerrado. Mais um dia simples, mas digno.

O cheiro de asfalto quente misturava-se à brisa suave.

Crianças corriam pelas ruas. Risos. Vida. Paz.

Enquanto contava as últimas moedas, algo desviou sua atenção.

Do outro lado da rua, uma menina corria atrás de uma bola colorida.

Pequena. Distraída.

Um carro se aproximava em alta velocidade.

Ele não pensou.

Largou o carrinho.

Correu.

— Saia daí! — gritou, com tudo que tinha.

Empurrou a menina para a calçada.

O impacto veio como uma onda esmagadora.

Silêncio.

Escuridão.

⋯

O som do vento o despertou.

Piscou contra a luz intensa.

O chão era macio. Grama vibrante. Flores que nunca vira antes.

Sentou-se.

Tocou o próprio corpo.

Sem dor.

Músculos firmes. Jovem.

Muito jovem.

— Onde... onde estou?

Montanhas ao longe. Bosques densos.

Ar puro.

Ele correu até um riacho.

O reflexo na água não mentia.

— Mas o que... o que aconteceu comigo?!

—Pareço ter 18 anos?.

Apesar de lembrar claramente dos seus trinta e nove.

Vozes ao longe.

Cavaleiros surgiram do bosque.

Armaduras reluzentes.

Espadas e lanças apontadas.

— Você! De que região veio? Identifique-se!

— Eu... não sei...

— Eu só... estava... onde estou?

Olhares desconfiados.

Murmúrios.

Decidiram escoltá-lo até o castelo.

⋯

O castelo parecia saído de um conto de fadas.

Torres imponentes.

Brasões com uma abelha coroada em cada canto.

No salão principal, uma mulher aguardava no trono.

Majestosa.

Olhos afiados.

— Este é... o último dos invocados?

Ele não respondeu.

Não sabia como.

Ele e mais 19 selecionados.objectivo.derrotar o rei demonio e seus nove generais selestiais.

Outros recebiam armas mágicas, títulos, reverência.

Ele... nada.

Tentou segurar uma espada.

O metal caiu.

Como se o rejeitasse.

Tentou um escudo.

Mesma coisa.

Cochichos.

Desprezo.

— Deve ser um erro — disse uma ministra.

— Sem mana. Sem armas. Sem magia. Como pode ser um herói?

A rainha franziu o cenho.

Sem título. Sem função.

Foi enviado à cozinha.

⋯

Nova humilhação.

Talheres escorregavam.

Faca, garfo, tudo quebrava em suas mãos.

Tudo que toca era rejeitado pelo seu corpo

Acabou comendo com os dedos.

Guardas riam.

O cozinheiro também...

Ele apenas baixo acabeça.

Murmurava...

Eu foi escolhido...eu foi escolhido...

O mundo precisa saber disso.