É, meu querido diário. Nada como um dia depois do outro pra gente entender como a banda toca. Agora sei o que querem dizer com “perda da inocência” quando se fala em perda da virgindade. A gente sempre acha que, abrindo as pernas, vamos nos libertar dos grilhões das paranoias e inseguranças pessoais e nos tornarmos mulheres realizadas e prafrentex...
Quanta inocência.
Homem deve achar que hímen é como um lacre de embalagem de produto de loja - depois que tirou, o negócio é seu.
Bom, vamos lá. Hoje, quando sol se levantava de trás o chão, radiante e trazendo mais um dia de aventuras, sou acordada com uma mão apertando minha bunda como se fosse uma manga da feira. Deve ser pra ver se agora estou madura mesmo, pensei.
Olhei para o dono da mão e, pela primeira vez, vi o Pano com uma cara de “vai fritar um ovo pra mim, mulher!”. Pedi gentilmente para que ele parasse de apertar minha bunda e sugeri que ele ficasse apertando o próprio saco em vez disso, e ele me veio com: “Qual é, amor? Tô só curtindo minha mulherzinha”.
“Minha mulherzinha”?! Desde quando virei propriedade de alguém? Sou comunista, meu chapa!
Só dei uma risadinha e saí da barraca. Acho que neste exato momento nasceu nossa neura de casal: a primeira coisa não dita e mascarada com uma mistura de sarcasmo e faz de conta que não aconteceu.
O Bob estava acordado, mergulhando um de seus inseparáveis baseados numa xícara com água. Que merda esse cara pensa que está fazendo? Fui lá perguntar.
De manhã não é bom fumar, faz mal. Essa foi a resposta do coitado.
Ele estava fazendo um chá, mergulhando o cigarro como se fosse um sachê. Bom, é uma ideia interessante; então sentei ao lado dele e ficamos conversando até que aquele troço ficasse pronto.
O Pano saiu da barraca com uma cara de bosta, olhou para mim e disse “Oi Mariana”.
Tóim! Surgiu a primeira perninha da Neura: sarcasmo nível 100 e total incompreensão do receptor.
-Vai um chá aí, broder? - Bob.
-Não. Vou dar um pulo na cachoeira.
(Notem a surrealidade do diálogo).
Depois de alguns minutos o bicho volta, branco azulado e tremendo como se tivesse tomado uma pílula do terremoto Acme. Pára na nossa frente, estica os braços e dá uma respirada funda.
Bom, agora ele vai começar a esmurrar o peito e gritar como o Tarzan, pensei.
Mas não. Só olhou pra gente, pro chá, pra gente de novo e disse: “vou tomar um sol”. E saiu.
Seria hilário se não fosse trágico. É incrível como uma situação totalmente nonsense como essa tem uma mensagem tão clara e específica embutida: pare o que quer que esteja fazendo e vá dar uma de psicóloga do coitado. Pelo menos o Bob me ofereceu um pouco do chá para me encorajar.
Fui até o jacaré albino.
- Oi, tudo bem?
(silêncio)
- Aconteceu alguma coisa?
- Nada.
Então tá. Missão cumprida. Voltei e fiquei tomando chá verde com o Bob.
Ele ficou lá, quase imóvel, olhando fixamente para o céu, quase sem piscar, como se estivesse tentando fazer sair um raio do seu olho, ou coisa assim. A Lu acordou, deu um beijinho no Bob, sentou do nosso lado, se serviu do chá e perguntou: Cadê o Mauro?
Cof!Cof! - O Mauro deu uma tossidinha forçada (estou aqui, deitado na grama, puto da vida).
O que aconteceu? - a Lu me pergunta.
Nada. Respondi absolutamente sem sarcasmo (que diabos aconteceu, afinal?)
“Ah!” Ela respondeu condensando mil palavras e toda história dos relacionamentos da humanidade em apenas duas letras e um crucial ponto de exclamação.
E agora estamos aqui, fazendo o almoço e eu te fazendo esse relato parcial debaixo do solzão do meio dia e nos preparando para ir numa cachoeira de não sei quantos metros que tem aqui perto. O Pano finalmente se levantou de lá há um tempinho, em silêncio total, e foi se sentar numa sombra, pelo menos.
Estupidez tem limite, né?
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