Era primavera por volta de 17h00. Charles corria com uma lebre em sua boca em direção a seu grupo há alguns quilômetros de distância. Era aventureiro e gostava de caçar sozinho algumas vezes. No caminho farejou algo diferente na região e seguiu o odor que o levou até um barranco, cercado por densas árvores e arbustos. Assustou-se ao encontrar uma fêmea de pelagem dourada, pendurada de cabeça para baixo inconsciente e desidratada.
Charles largou a lebre e se aproximou da fêmea analisando a armadilha que prendia a pata esquerda dela. Ela aparentava ter lutado bastante para se soltar e deviam fazer várias horas de que estava ali pendurada. Chegou bem próximo e ficou sobre duas patas, alcançando por muito pouco a corda que a prendia e começou cerrá-la com suas garras.
A loba despertou ao senti-lo bem próximo e quando se virou deu de cara com o abdômen dele. No susto rosnou e o empurrou para longe, o fazendo cair de costas no chão.
— Hey, qual o seu problema mulher? Estou tentando ajudá-la se não percebeu...
— Para mim parece que tentava algo mais, seu pervertido!
— Pervertido? Você não me conhece madame, se eu quisesse tentar algo já teria feito! — tentou se aproximar dela novamente, mas ela rosnou em alerta. — Se vai continuar agindo assim, tudo bem, não é da minha conta mesmo se você fica ou não pendurada aí até os caçadores aparecerem... — disse indo até a lebre e se preparando para ir embora.
— De qualquer modo, desejo boa sorte! — deu as costas para ela.
— Espere! — o chamou com um olhar de clemência e desculpas.
— Não me deixe aqui... Por favor, me ajude...
— Olha só, então a senhorita tem bons modos... — ele largou novamente a lebre no chão e se aproximou.
— Me desculpe por antes, você me assustou... — ela disse desviando o olhar.
— Tá tudo bem, só aviso que precisarei tocá-la e segurá-la para não balançar a corda... Com o seu consentimento é claro...
— Ok.
Ele a virou de maneira que ficou de costas contra o corpo dele. Mesmo sem encará-la, pôde senti-la incomodada e envergonhada. Chegou bem próximo e continuou a rasgar a corda. Quando ela foi cair, ele a segurou pela cintura e a colocou no chão calmamente.
— Obrigada...
— Não é nada... — foi até a lebre e a jogou pra ela. — É melhor comer isso...
Ela farejou a lebre. — Tem certeza?
— Sim, não se preocupe, eu arranjo outra depois.
— Obrigada! — agradeceu e devorou o animal, porque fazia aproximadamente um dia que não se alimentava.
— Você não é daqui, é?
Charles perguntou intrigado, pois nunca a havia visto na região. Ela apenas acenou negativamente enquanto mastigava a carne e continuou.
— A propósito, pode me chamar de Charles... Charles Mool...
— Barbara Aniery... — ela respondeu e o encarou surpresa.
— Por que essa cara de surpresa?
— Já ouvi falar sobre o seu clã, é um dos clãs milenares, não é?
— É, tamo aí na luta... Lamento não dizer o mesmo, mas sua família é de onde? Pois é um clã novo para mim...
— Meu clã é da Itália, migramos pra cá há algumas décadas, mas somente eu e meu pai estamos na região.
— Entendi, e por que ele não veio caçar contigo?
— Ele anda meio doente… E onde estamos morando a caça está muito escassa, pois algo afastou os animais de lá… Como tive que procurar em uma distância maior, achei melhor ele ficar descansando e vir sozinha…
— De que local exatamente estamos falando?
— A aproximadamente 15 quilômetros daqui em direção ao sul…
— Você aparenta ter andando bem mais do que isso… — ele disse desconfiado.
— É que… Eu acabei me perdendo… — ela disse desviando o olhar e abaixando as orelhas.
— Como assim se perdendo? Utilize seu olfato oras… — se levantou e andou em volta dela.
— Eu… Eu ainda estou aprendendo… — ela colocou a cauda entre as pernas.
— Desculpe a pergunta, mas quantos anos tem Barbara?
— 18…
— E ainda não aprendeu a farejar uma trilha? — sentou-se de frente pra ela, que apenas acenou negativamente sem encará-lo.
— Quando foi sua primeira transformação?
— Há três semanas mais ou menos…
— Que curioso… É a primeira lycan que conheço que se transformou em idade avançada…
— Falando assim até parece que sou uma idosa… — resmungou cabisbaixa sem encará-lo.
— Não foi o que eu quis dizer raio de sol, você está muito bem e é atraente aos meus olhos… — percebeu o que havia acabado de dizer e ambos coraram e disfarçou mudando de assunto.
— Bom, vamos então…
— Como assim?
— Vamos, eu te levo pra casa!
— Sério? — ela perguntou abanando a cauda enquanto o seguia.
— Quem seria eu se deixasse uma criança à deriva na floresta?
— Falou aí o ancião! — ela resmungou e riu.
— Ancião não, tenho apenas 23 anos minha jovem…
— Só é alguns anos mais velho e por que tá me tratando feito criança agora?
— Chega de perguntas e acelere o passo raio de sol que em breve irá anoitecer hehe…
Alguns quilômetros depois eles encontraram uma lareira e Charles disse.
— Vamos descansar aqui por esta noite, porque caminhar durante o dia é mais seguro nestas montanhas…
— Ok… — ambos se aconchegaram a uma distância de um metro um do outro.
Charles demorou a pegar no sono, pois vigiava ao redor e farejava o ambiente. Hora ou outra seus olhos se prendiam na loba dourada e ficava hipnotizado perdido em seus pensamentos. Quando finalmente veio o sono, Charles despertou novamente ao escutá-la tremer devido a baixa temperatura, que caía drasticamente durante a noite. Se levantou e deitou-se ao lado dela. O calor de seu corpo começou a esquentá-la e logo ela parara de tremer e adormeceu junto a ela.
Na manhã seguinte, Barbara acordou com a luz do sol em seu rosto. Olhou ao redor e observou a folhagem ao seu lado, que indicava que ele havia dormido ali. Ficou corada e não sabia o que pensar.
— Charles? — se levantou e começou farejar o ar em busca do cheiro dele.
Seguiu por um caminho em direção a uma pequena nascente e do topo do barranco o avistou. Escondeu-se atrás de uma árvore ao notar que ele estava nu e em sua forma humana. Charles mergulhava a cabeça e lavava o rosto juntamente do cabelo longo, metade de seu corpo estava coberto pela água, mas conseguira avistar os músculos bem definidos daquele macho atrevido que a surpreendeu dizendo.
— Gosta do que vê raio de sol? — perguntou ainda de costas para ela e continuou se banhando na nascente.
— Pode olhar, eu não me importo...
Ela não respondeu e pressionou seu corpo contra uma árvore e seu coração disparara.
— Não precisa se esconder raio de sol, eu sei que está aí! — se virou na direção dela e continuou.
— Venha se banhar, eu já estou de saída...
— Nem pensar! Eu sei que você vai me espiar! — ela gritou ainda atrás da árvore.
— Heheh... O que foi que eu te disse? Se eu quisesse tentar algo já teria feito... Nós lycans jamais voltamos atrás com nossa palavra e se eu digo que não vou, não irei te espiar. Fico de costas pra você saber onde eu estou o tempo inteiro se quiser... — começou a se transformar e quando ficou na forma de lobo saiu da água. — Venha logo e pare de frescura, você tá precisando de um banho!
Ela saiu de trás da árvore após o tom de voz autoritário e avistou o lobo já fora da água sentado entre as roxas na margem.
— Você promete?
Ele bufou e riu. — Você ouviu o que acabei de dizer, não ouviu?
Barbara acenou positivamente e se aproximou da nascente sem tirar os olhos dele.
— Olha, ficarei sentado aqui para você saber onde estarei o tempo todo! — sentou-se de costas para o riacho e continuou após ouvi-la entrar na água.
— Recomendo você se banhar em forma humana, é bem mais rápido e prático...
— Tá bem, obrigada... — ela seguiu seu conselho e alguns minutos depois o assustou ao se secar de maneira lupina e bem próxima, voando toda a água nele.
— Se sente melhor? — ele perguntou rindo, se levantou e chacoalhou os pelos novamente para tirar a água.
— Uhum, obrigada...
— Eu te disse que precisava de um banho! Hehe... — Charles riu e continuou seguindo seu caminho.
— Você diz isso a todas as fêmeas do seu clã? — retrucou.
— É claro que não, somente aquelas que realmente precisam e também as crianças teimosas que não gostam de banho heheh...
— Hey! Pro seu governo eu gosto de tomar banho sim!
— Deu pra ver, até parecia que era um riacho banhado a prata por ter hesitado tanto...
— Não fala besteiras eu até...
— Shhh... — ele a interrompeu e começou a andar abaixado entre os arbustos.
— O que foi? — ela sussurrou, mas não obteve resposta. Barbara o imitou e se assustou quando ele saiu em disparada em uma direção e alguns metros depois conseguira abocanhar uma lebre. Permaneceram em silêncio e ele começou a devorar o animal. Ela manteve certa distância e quando menos esperava um pedaço da lebre fora jogado entre suas patas.
Ele piscou para ela enquanto ainda lambia os beiços e disse.
— Vai fundo raio de sol...
— Obrigada... Você é um ótimo caçador!
— Obrigado, mas isto é apenas prática... Se quiser posso te ensinar qualquer hora... — se levantou e continuou a caminhada.
— Eu adoraria! — afirmou corando, pois ficava cada vez mais fascinada por aquele lobo.
3 horas após se alimentarem, eles corriam através de um campo florido e Barbara sorria enquanto dizia.
— Como assim eu não farejei este lugar maravilhoso? É tão perto de onde eu moro...
— Hehe... Você tem muito a aprender raio de sol...
Os dois pararam e Barbara o desafiou.
— Eu aposto que ganho de você em uma corrida até o outro lado, Sr. Ancião!
— Ora, ora, não faça apostas que não possa ganhar!
— Ora digo eu, está com medo de aceitar é?
— Não tenho medo, só gostaria de saber o que vou ganhar, pois você irá perder com certeza...
— É mesmo? Veremos!
Ela o surpreendeu e disparou em meio ao campo florido.
“Garota esperta! Distraiu-me pra sair na frente... Não por muito tempo heheh...” — pensou.
Barbara era rápida, mas devido às pernas mais longas do macho, ele conseguira alcançá-la e quando eles estavam chegando ao final do campo, ele a pegou pela pata traseira e ambos rolaram entre as flores.
— Hey! — ela resmungou e ficara debaixo dele.
— É, pelo visto deu empate... O que eu ganho agora princesa?
— Nada porque você trapaceou! — ela o distraiu com seus hipnotizantes olhos da cor do céu e o empurrou para o lado, ficando sobre ele.
— Por essa eu não esperava hehe...
A loba ficara vermelha feito uma pimenta e congelou quando ele levou uma de suas patas em seu rosto.
— Onde você esteve por todos esses anos?
— O que quer dizer Charles? — ela se sentou e levou sua pata esquerda sobre a dele.
— Mal nos conhecemos, mas estive procurando uma fêmea à sua altura raio de sol...
Ela quase desmaiou de nervoso e se arrepiou quando ele disse.
— Acho que estou apaixonado por você...
— Você não pode! — ela disse nervosa e se afastou sentando-se a cinco metros de distância de costas pra ele.
Ele se aproximou e cochichou em seu ouvido.
— Tem razão, eu não posso evitar o que estou sentindo por você exatamente agora...
— Não é isto que quero dizer...
— Eu sei o que quer dizer Barbara...
— Não sabe não!
— Você fala demais sabia? — ele a puxara suavemente para trás, de maneira que a deitou sobre as flores e ela não reagiu.
— É mesmo? Pensei que fosse ao contrário! — ela riu e o empurrava com as patas traseiras, mas sem fazer força o suficiente.
— Engraçadinha... — Charles lentamente agachou sua cabeça em direção ao focinho da fêmea que resistia a seus encantos. Chegou a aproximadamente 10 centímetros de distância e a sentiu tapar sua boca com as duas patas, interrompendo o que ele pretendia fazer. Encarou a confuso e ela disse.
— É melhor pararmos, estamos indo rápido demais, você não acha?
Charles desviou o olhar e se soltou das patas dela ao virar seu corpo e caminhar em posição oposta, totalmente perdido em seus pensamentos.
— Charles? — ela se levantou indo atrás dele. — Está tudo bem?
— Olha raio de sol, me desculpe se a forcei fazer algo que não queria ok? Eu devo ter compreendido errado seus sinais, pois pensei que estivesse a fim também...
— Espera, por favor... — ela correu e entrou na frente dele que parou imediatamente. — Você está absolutamente certo sobre o que eu quero, é só que... Estou apenas pedindo para que possamos nos conhecer melhor antes de realmente firmarmos isto...
Charles a encarou sério e logo seu sorriso surgiu.
— Sabia que você fica uma graça pedindo as coisas? — comentou e voltou a caminhar.
— Ora seu ancião, eu aqui tentando me desculpar e você aí fazendo piadas! — ela o seguiu.
— Não é piada, você realmente fica uma gracinha hehe…
Os dois se entreolharam e sorriram.
— Você, com essa pinta de galã... Quem me garante que não é nenhum lobo psicopata?
— Sua imaginação é incrível princesa hehe... Mas te garanto, está em boas mãos...
— Bom, então me conte mais sobre você Charles Mool!
— Bem, por onde eu começo…
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