Minha primeira parada foi o banheiro, muito mais limpo do que eu esperava e com grandes espelhos que não me deixaram ignorar o estado em que estava.
Meu coque feito às pressas na noite anterior estava todo frouxo, com fios saltando para todos os lados... levando em consideração que meu cabelo estava em um degradê de vários tons de rosa claro... mais parecia um chumaço de algodão-doce. Eu estava pálida, com olheiras leves... mas talvez parecesse pior do que era com o efeito da luz fria do banheiro.... Meu vestido estava super amassado também... mas não tinha muito o que eu pudesse fazer a respeito. Respirei fundo e resolvi fazer o que desse pela minha aparência.
Depois que desfiz o coque e penteei meu cabelo com os dedos comecei a me sentir um pouco mais esperançosa. Como tinha amarrado meu cabelo enquanto ele ainda estava úmido, agora ele tinha lindas ondas soltas nas pontas e o efeito do degradê de rosa mais claro nelas que ia escurecendo o tom conforme se aproximava da raiz, criava um efeito lindo. Apesar de pálida, minhas bochechas estavam começando a ficar coradas de ansiedade... e meus olhos azuis se destacavam muito em contraste com meus cílios e minhas sobrancelhas que sempre tiveram um tom super escuro de castanho. Ok, havia salvação.
Resgatei minha nécessaire da mala, lavei o rosto, escovei os dentes e já estava começando a me sentir mais humana. O vestido de alcinhas, feito de malha que eu estava usando tinha um lindo tom de vinho escuro que me fez cair de amores à primeira vista assim que o vi na vitrine da loja, ele abraçava minha cintura e caía soltinho até pouco acima do meu joelho. Os vincos da viagem não estavam tããão horrendos assim... e as piores partes acabavam cobertas pelo meu casaco cinza preferido.
Sim, eu tinha prometido à mim mesma que era o fim das roupas em tom de cinza, mas esse casaco era tão confortável, feito de lã macia, super quentinho mas sem ser pesado demais... e combinava tão bem com simplesmente tudo, que não tive coragem de deixar ele ir. Era o meu xodó, e não precisei pensar duas vezes para abrir uma exceção.
Meu All-Star de cano alto tinha quase o mesmo tom de cinza... (Ok, ok.... talvez eu tenha aberto mais do que uma exceção... não me julguem...) e me diverti com a idéia que eu estava parecendo uma versão rosa e mais discreta da Avril Lavigne... casaco... várias pulseiras e dois colares compridos que passavam do meu decote... o famoso vestido com tênis...
Eu tinha pouco mais de 1,60, tipo dois centímetros super importantes a mais, logo era dona de uma vasta coleção de saltos altos, mas de jeito nenhum ia ter viajado com um deles. Não sou completamente louca.
Saí do banheiro arrastando minha mala e dei uma olhada em volta. A rodoviária era bem pequena... apenas dois salões grandes com muitas fileiras de cadeiras na parte central, os guichês das empresas de ônibus ficavam atrás enquanto a área de embarque ficava do lado oposto. Exatamente entre os dois salões ficavam algumas lanchonetes.
Encontrei um café legal que vendia salgados, sucos, lanches naturais, chocolates... parecia que eles tinham de tudo... mas nada de donuts. Enquanto fazia uma pequena oração pela alma dos pobres inocentes que estavam condenados a cruzar meu caminho hoje, encontrei uma opção do menu que poderia ser uma alternativa: cappuccino com doce de leite. E eles tinham no tamanho extra grande, acompanhado por biscoitinhos de maizena.
Ò Deus, sim! Obrigada!
As pobres almas seriam salvas, afinal!
Fiz meu pedido e me sentei em uma das mesinhas bebericando meu café, sentindo o efeito energizante da cafeína e de todo aquele açúcar correndo nas minhas veias. De vez em quando eu levantava meu olhar e percebia as pessoas me observando de soslaio... uma menininha de uns 7 anos puxava e repuxava a roupa da mãe enquanto apontava pra mim... o cabelo rosa chamava mesmo a atenção. Ainda estava me acostumando com isso. Abri um sorriso e dei um tchauzinho tímido para a menininha, ela tinha finalmente conseguido a atenção da mãe que agora olhava pra mim e sorria também.
Foi quando ouvi alguém chamando meu nome.
Não tinha demorado quase nada no final das contas.
Quando vi a Rafaella vindo na minha direção com um sorriso enorme no rosto, a primeira coisa que pensei foi UAU. Ca-ra-ca.
Ela era mesmo linda, loira, olhos azuis como os meus, uns bons 10 cm mais alta e com um corpo de arrasar. Pobres os homens que cruzassem o seu caminho! Eles não tinham chance.
Demos um abraço apertado, nada de apertos de mão constrangidos ou sorrisos amarelos.
Definitivamente íamos ser amigas! Ela se ofereceu pra me ajudar com uma das minhas malas, enquanto novamente me dizia o quanto estava feliz com a minha chegada.
“ - Que delícia finalmente poder te ver pessoalmente, Cassie! Meu deus, você até parece uma fada. Não vejo a hora de podermos conversar sobre cristais, ervas, auras, terapias, energia... sobre a visão quântica da realidade!!!” Ela tocou meu antebraço de leve, dando um aperto sutil para ressaltar o que dizia, enquanto olhava para o céu com uma empolgação pura assumindo o seu rosto. “ Não tenho muitas pessoas com quem conversar sobre isso...” Ela completou rindo. “Vira e mexe me olham com aquela cara de: Ok, garota maluca. Que tal falar de outra coisa?!”
“ - Sei bem como é.” Eu sorrio de volta lembrando que sempre aconteceu a mesma coisa comigo. “Ninguém trabalha na mesma área que você?”
“ - Ah, não. Minhas duas melhores amigas tem uma loja de roupas, elas se conheceram fazendo faculdade de moda e decidiram abrir um lugar juntas. Lugar lindo, roupas de babar! Você vai adorar elas! Certeza que elas vão pirar com o seu cabelo e pedir pra você fazer algumas fotos com as roupas da coleção nova assim que passar pela porta."
Senti meu estômago contraindo e afundando imediatamente... um reflexo automático da velha Cassie.
“Não, não, senhorita! Nada disso! Toda essa nova versão atualizada foi para sair da zona de conforto e se experimentar.” berrava a Cassie com sede de aventura.
Respirei fundo e minha voz saiu um pouco baixa, mas consegui reforçar o compromisso comigo mesma:
“Pode ser legal... ainda não tirei quase nenhuma foto depois que pintei o cabelo."
“Perfeito!" Ela sorria e já completava. “Definitivamente vai acontecer!"
Ela me indicou que deveríamos virar à direita na saída da rodoviária e me vi indo em direção ao estacionamento que existia ao lado.
“Já praticamente todos os garotos estão envolvidos com esportes, lutas, finanças... Eles são super legais, mas como sou quase sempre a única menina por perto acabo sofrendo de uma overdose de informação sobre carros, motos, ações, competições, técnicas de luta... blá, blá, blá... o Ulri era o único que quebrava um pouco essa linha...”
Percebi algo mudar no seu tom de voz e fiquei curiosa. Tinha uma história aí com certeza. Ela ainda sorria, mas agora havia uma tristeza por trás do olhar.
“ Ele desistiu dos esportes e competições uns anos atrás e virou tatuador. Os desenhos dele são incríveis. Então eu sempre podia contar com ele pra falar de arte, cores, design... um respiro no meio do mar de testosterona... hehehe. Mas já faz muito tempo que ele não vem passar a baixa temporada aqui com o resto do grupo.”
É, definitivamente havia uma história.
“Bom... você vai ver por si mesma. A gente vai acabar passando bastante tempo com eles, todo ano eles ficam lá no health center durante toda a baixa temporada. Depois de tanto tempo juntos, eles meio que já são família.”
“Nossa.” Não consegui deixar de dizer. “Eles ficam todo esse tempo?” Na minha cabeça eu não conseguia deixar de pensar na fortuna que devia custar pra passar praticamente metade do ano em um spa 5 estrelas. E ainda fazer isso todo ano?! Eles deviam ser muito bem sucedidos no que quer que fosse que fizessem... Será que um dia eu conseguiria ganhar tanto dinheiro assim?!
A Cassie realista quase gargalhou: “Suas terapias vão dar um bom dinheiro, com certeza... mas não chega a tanto. Nem de longe, amiguinha... Só ganhando na mega-sena.”
Sem sequer desconfiar da minha conversa maluca comigo mesma, Raffaela continuou a me explicar.
“Sim. Todos eles são do grupo de investidores que criou o Health Center... então ficam sempre o quanto querem... e acabam aproveitando pra cuidar dos detalhes das finanças, reformas... novas construções... dão uma repaginada no marketing... enfim... todas essas coisas que são mais fáceis de se cuidar quando se está no lugar de verdade.” Não consegui esconder meu olhar assustado e ela percebeu. “Não precisa se preocupar, eles são boas pessoas, prometo. Bom, talvez não muito agora, porque estão com um mal humor fenomenal depois dos problemas da viagem, e claro... ainda não sei como eles vão reagir à minha pequena surpresa de boas-vindas... mas... em algum momento eles, provavelmente, vão ficar melhor.”
Se antes eu estava assustada, agora eu estava praticamente em pânico. Todos os donos do lugar iam estar lá no meu primeiro dia de trabalho?! E pior ainda, eles já estavam no ônibus para o qual eu estava indo nesse instante?! E com um mal humor do cão? Puta merda! Sem pressão certo?!
“Era eles que você disse que precisava buscar no aeroporto?” Minha voz saiu praticamente em um ganido, enquanto eu rezava para que por qualquer bondade no universo não fossem eles dentro do ônibus, por mais que ela já tivesse confirmado com todas as letras. Eu estava em negação, total e completa.
Ela parou de andar do nada, se virando para mim e colocando minha mochila no chão pra deixar as mãos livres. Me olhou fundo nos olhos enquanto segurava meus ombros com firmeza e disse:
“Relaxa. Você vai sobreviver!” E tão inesperadamente como tinha parado na minha frente, ela me soltou e recomeçou a andar. Já estava de costas pra mim e há alguns passos à minha frente, enquanto eu ainda me recuperava do meu abalo e voltava a andar, quando a ouvi adicionar baixinho em um tom que não consegui decifrar. “Se a gente tiver sorte dessa vez...”
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