Um suspiro deixou meus lábios me enchendo de surpresa.
Ok, meus pulmões tinham voltado a funcionar também, agora eu só precisava tirar o ar de pavor que devia estar estampado em neon no meu rosto e falar com as.... pessoas....
Eu só precisava de seis palavras: “Desculpe, não estou me sentindo bem.”
Podia até me passar por uma neandertal se tudo o que conseguisse fazer sair da minha boca fosse um terço disso, e ainda poderia funcionar: “Não... bem.”
Eu só precisava falar...
Fiz um esforço fenomenal tentando trazer a Cassie corajosa para fora, mas por mais difícil que fosse admitir, até ela estava balançada. Consegui dar um meio sorriso, consciente de cada músculo do meu rosto se movendo, também dei um pequeno aceno com a cabeça em um cumprimento mudo.
Eu, na minha singela inocência, sinceramente e de todo o coração, esperava que a tensão se dissipasse como que por mágica e que com isso todos voltassem ao que estavam fazendo antes de eu entrar e parassem de me encarar. Esquecendo e até abençoadamente passando a ignorar minha existência.... mas não...
Não.
Não, não, não.
Não!
Eles continuavam me encarando.
Engoli em seco, minha garganta tão apertada que doía. Meus Deus o que estava acontecendo? Eles nunca tinham visto alguém com cabelo rosa? Eles estavam estupefados que uma garota tinha ousado entrar no reino machão deles? Eles achavam que eu tinha uma bomba de glitter na minha mochila?
Com toda certeza, eles não estavam embasbacados com a minha beleza! Eu era bonita, e com certeza o cabelo era algo que se destacava, mas pelo amor de Deus... Eles conviviam com a Rafaella há anos, e isso sim era uma visão... E eu não queria nem imaginar todo o tipo de mulheres que deviam se jogar em cima deles onde quer que fossem. Então o que diabos era aquilo?
Eu já tinha desistido de falar qualquer coisa e estava olhando ansiosa para a poltrona do meu lado, em um segundo eu me jogaria nela. E nada ia me tirar dali até o próximo ano. Quem eu queria enganar?! Eu ia ficar ali pela próxima década! Se quisessem me achar maluca ou mal educada que fosse... tudo o que me importava agora era fugir dessa situação.
Quase como que antevendo minha decisão o cara mais alto e forte de todos, com um cabelo tão curto que poderia ser raspado, deu um passo à frente indo para o corredor. Como se estivesse assumindo uma posição de liderança, de que seria ele o responsável por ser a voz do grupo... uma vez que era o mais velho.
Estranho....
Aquilo era tão fodidamente estranho!
Se eu prestasse atenção, eu conseguia mesmo notar que ele era ligeiramente mais velho que os outros... mas nada tão evidente assim. De onde vinha essa certeza de que ele era o mais velho? O mundo parecia ter enlouquecido nos últimos poucos minutos e me arrastado junto.
Tanto as atitudes deles, quanto as minhas interpretações sobre o que eles estavam fazendo... estavam fazendo minha cabeça começar a rodar.
De onde estava vindo tudo isso?
Ele colocou sua mão enorme em punho fechado sobre seu peito ainda maior e falou comigo em uma língua que eu nunca havia escutado antes mas que pareceu de certa forma tão familiar e melódica que senti meus olhos se fechando para que eu pudesse focar completamente na musicalidade reconfortante daquelas palavras.
Tinha algo de alemão, eu acho... tantas consoantes juntas... mas não tinha a aspereza que eu relacionava com essa língua. Bom, eu nunca teria como ter certeza já que só sabia umas poucas palavras... Ainda assim parecia tão familiar que eu tinha a sensação de que a próxima palavra que eu ouvisse faria sentido.
Eu curvei a minha cabeça de lado e estreitei ligeiramente os olhos... Ele disse mais uma frase, e de novo a sensação de que a qualquer momento eu começaria a entender alguma coisa surgiu. Cheguei a sentir meu corpo inspirando, meus lábios se abrindo, me preparando pra responder... Mas nada aconteceu...
Eu podia jurar que ele percebeu cada detalhe acontecendo. Seus olhos se abriram um pouco mais, vi suas pupilas dilatando e ele tomou uma súbita inspiração que ficou travada no seu peito.
Instintivamente eu sabia que a mesma sensação de expectativa era compartilhada por todos os outros.
Me sentindo muito mais frustrada do que tinha forças para demonstrar, eu finalmente suspirei enquanto negava com um movimento de cabeça:
- Desculpe.... não falo sua língua...
Decepção se espalhou no pequeno mar de rostos que me encaravam.
Só então ele soltou o ar e não havia como deixar de notar seu profundo ar de frustração, mas ao mesmo tempo... de um certo... alívio?
O que diabos estava acontecendo comigo?
Desde quando eu sabia ler os outros dessa forma?
Eu tinha assistido todas as temporadas de “Lie to me”, duas vezes, e eu realmente gostava de “The Mentalist”... mas isso já era ridículo!
De repente, senti uma presença atrás de mim, e graças ao bom Deus fi-nal-men-te Rafaella estava terminando de subir o último degrau do ônibus.
" Olha só! Vocês já estão se conectando! Que maravilha!" O “ grande chefão" parado na minha frente a fuzilou com o olhar e eu tinha certeza que ele estava sentindo muitas coisas, mas maravilhamento com certeza não era uma delas. “Cassie, esses são os meninos. Meninos, vocês já conhecem a Cassie, certo? Ela é a nossa nova contratada, aquela sobre a qual eu enviei toda a papelada no informe semanal do Spa." A cada palavra o “chefão” ia franzindo um pouco mais o cenho. Ele estava disfarçando bem, mas eu podia dizer que estava puto. Eeee... bingo... ele já começava a cruzar os braços enormes, tão grossos quanto as minhas coxas, e a encarar Raffaela com o rosto tão sério que parecia que o homem era feito de pedra.
“- Não lembro de ter recebido esse informe." Uau... o tom era seco e grosseiro. E apesar de parecer bem relutante, tinha respondido em um ótimo português... com um sotaque quase imperceptível.
Ooook... se o idiota falava português, porque fazer toda a porra de um discurso em uma língua que eu apostava que ninguém que não fosse do seu país, fosse ele qual fosse, iria entender?
Senti meus olhos estreitarem...
No mesmo segundo tive que começar a cantar mentalmente meu mantra preferido de "não xingue o idiota, não xingue o idiota". Era isso ou deixar a “Cassie furiosa” assumir o controle e voar no pescoço do babaca. Tentei, sem sucesso, me impedir de enviar lanças assassinas (e em chamas) com meus olhos na sua direção. Mas podia dizer que estava falhando miseravelmente se as expressões de divertimento dos caras atrás dele servissem como uma indicação do resultado.
Aparentemente todos naquele ônibus já tinham percebido minha vontade de estapear o grande chefão. Bem todo mundo, menos a Rafaella que ainda encarava o babaca corajosamente.
Por acaso ela tinha me contratado sem que eles soubessem? Já estava surtando completamente e me vendo indo de volta pra São Paulo no próximo ônibus e implorando para conseguir meu apartamento de volta. E se eu não conseguisse?? Com um súbito e devastante horror, me imaginei tendo que pedir pra ficar na casa dos-meus-pais!!... que ainda nem sabiam que eu tinha me mudado. Ah... puta merda... isso ia ser épico...
“ - Como não?!" Ela continuava com a voz mais doce e inocente que eu já ouvi. “Avisei que tinha finalmente encontrado a pessoa perfeita para ficar responsável pela área de cura energética duas semanas atrás e enviei toda a documentação, incluindo o currículo, ontem à noite...” Eu não conseguia acreditar em como ela estava calma enquanto falava com aquele cara. “ Ahh!....” Continuou, tanta doçura pingando em cada palavra que eu tinha certeza que ela tinha feito tudo de propósito. “ Que cabeça a minha! Acabei esquecendo do fuso horário... vocês já deviam estar no avião quando receberam o e-mail... Poxa, que confusão a minha!"
Ouvi vários murmúrios vindos do fundo do micro ônibus... aparentemente todos estavam desconcertados com a atitude da Raffaela, em vários níveis diferentes. Estava bem óbvio até para mim que ela tinha feito de propósito. Um dos “chefes", com cabelo castanho claro encaracolado que cobria a testa mas não os olhos verdes fenomenais, chacoalhava a cabeça e sorria com um olhar divertido, como que não acreditando na sua ousadia.
Tudo bem, assim que estivéssemos sozinhas eu ia ter que pressiona-la para me explicar tudo. Já estava exausta de tentar entender qualquer coisa nessa confusão. Ia acontecer o que fosse pra acontecer, e pronto. Eu é que não ia me forçar a trabalhar com esse babaca-mor. Se ele não me queria aqui eu ia dar um jeito e arranjar outro emprego. Estava apertando o grande botão de “foda-se” nesse exato instante.
" Qual é meninos amados do meu coração?! Para que tanto mal humor? Desse jeito a Cassie vai acabar achando que vocês são uns babacas.” Oww.... ela acabou de chamar os chefes dela de babacas?! A garota tinha o meu respeito, ela podia ser minha futura melhor amiga de novo. “Dêem boas vindas à nossa menina e mais tarde podem me agradecer por ter encontrado esse tesouro!"
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