“Meninos... por favor... peguem leve...” Rafi disse em tom de apaziguamento... mas não conseguia esconder que achava a cena toda extremamente divertida. Provavelmente só tinha aberto a boca para dizer alguma coisa porque conseguia perceber o quanto eu estava envergonhada com toda a situação.
Os quatro vinham em nossa direção agora. Eu reconhecia um deles apenas, o “chefe dos cachos” que havia me pedido desculpas no ônibus. De perto ele era ainda mais bonito, e muito maior do que eu esperava. Eu até tinha ido com a cara dele antes... mas agora sinceramente não sabia mais o que pensar. Não sabia como me sentia em relação a ele depois de ter ouvido a frase mais infame de todas saindo da sua boca. Devia me sentir ultrajada? Ou elogiada?
Aqueles olhos verdes imensos me olhavam com uma intensidade de perder o fôlego, um sorriso desavergonhado ganhava forma nos seus lábios vermelhos enquanto ele andava tão desenvolto e seguro quanto um leão em seu território. Meus olhos escorregaram para a região logo abaixo do seu cinto e eu engoli em seco desviando os olhos para o meu prato mais rápido do que a velocidade da luz.
“Infame, porém honesto. Acho que podemos nos sentir profundamente elogiadas garota!” E acho que tinha acabado de conhecer a “Cassie sem vergonha na cara”.
“Conseguimos esse E-NOR-ME resultado só com um som saindo da nossa boca? Isso aí!” Estava começando a achar que um pouco de terapia não me faria mal.
Eles começaram a arrastar cadeiras até a nossa mesa, e a se sentar à nossa volta enquanto riam e respondiam a Rafi. Eu nunca me senti tão pequena. Física e emocionalmente... estava exigindo tudo de mim apenas continuar respirando e não sair correndo em disparada como um gatinho assustado.
“Olha Rafi, em vista da situação á que fomos expostos assim que chegamos aqui, acho que nos comportamos extremamente bem...” Um ruivo, com cabelos revoltos que alcançavam os ombros, uma barba cerrada e bem cuidada, um pouco mais escura que o cabelo, tão grande quanto os vikings dos filmes e com olhos tão azuis quanto o céu, disse enquanto se sentava á minha frente, bem ao lado da Rafi. “Exceto pelo senhor pornográfico ali.” Ele apontou com o queixo para o “chefe dos cachos”.
“O que eu posso fazer?!” Ele começou se defendo. “Dê a ela uma caixa disso e um telefone e teremos o tele sexo mais procurado do mundo. Faríamos uma tremenda fortuna! Escutem o que eu digo.”
Senti uma fúria quente subindo pela minha coluna.
Oh não, ele não falou isso!
“Oh não, cara... você não falou isso.”
Fiquei tão surpresa ao ouvir exatamente o que eu estava pensando, sendo dito em voz alta e por um timbre masculino, que criei coragem para levantar meu rosto e tentar descobrir quem tinha falado.
“Talvez possamos deixar esse vivo... talvez.” A “Cassie furiosa” sussurrou pra mim.
Ele era um pouco menor que o “chefe viking”, em largura não em altura. O que não queria dizer que era um cara franzino, não, nem de longe. Era alguns poucos centímetros mais alto que ele, o cabelo cortado em estilo militar era de um tom acobreado de castanho, assim como seus olhos. Seu rosto era anguloso, um queixo quadrado forte e um nariz reto que me fazia lembrar uma estátua de algum imperador romano. Mas seus olhos eram doces... uma combinação inesperada.
Ele olhou pra mim, com um sorriso quase tímido, e estendeu sua mão na minha direção.
“Oi. Eu sou o Ollie.”
Minha reação foi automática, eu segurei sua mão e sorri, apesar de tudo. Minha pequena mão perdida dentro da sua. Fiquei surpresa quando ouvi o som firme da minha própria voz.
“Cassie.” Respirei fundo decidindo deixar meu desconforto para lá. Já era hora de parar de me sentir um gatinho assustado ao redor desses caras. “Você é o cara do “Uau”, o do “nossa mãe!” ou o que “quer experimentar isso” ? Conclui fazendo um sinal em direção ao meu bowl recheado de donuts.
Ele deixou escapar uma gargalhada aveludada e suave, enquanto os outros sorriam animados por eu estar levando tudo na brincadeira.
“Eu sou o cara do “Uau”, o Lars ali” disse indicando o chefe viking “é o cara do “nossa mãe”, o senhor pervertido é o Hage e Ezra é o que “queria experimentar isso”.”
Ezra era, como todos os outros, um colírio para os olhos, mas parecia perigoso... Perigoso de verdade, como naqueles filmes de mafiosos. Se eu não soubesse nada sobre ele e o encontrasse na rua á noite, eu discretamente atravessaria para o outro lado.
Ah! Quem eu queria enganar? Eu faria isso mesmo se ainda fosse de dia.
E talvez, nem fosse tão discretamente assim.
Piercings na sobrancelha, nas orelhas, no nariz... tatuagens nos pulsos e nos dedos das duas mãos... pareciam mais símbolos do que letras... mas talvez estivessem na sua língua natal. O cabelo ondulado preto e bagunçado, no melhor penteado “acabei de acordar mas sei que fico gato assim”, os olhos da mesma cor, a pele bronzeada, sobrancelhas grossas e cílios tão longos quanto os de uma garota, não eram suficientes para cobrir uma certa frieza em seu olhar. Suas roupas eram mais justas que a dos outros, sua camiseta preta parecia quase uma segunda pele... ele parecia ainda maior e mais forte do que os outros três... só não parecia ser tão grande quanto o “Grande chefão”, mas devia ser por pouco.
Acenei rapidamente para cada um enquanto Ollie os apresentava, menos para o “senhor pervertido”, ele eu apenas encarei com um olhar e uma levantada de sobrancelhas que dizia “melhor tomar cuidado perto de mim”.
“Ok Ollie, você vai sentar aqui do meu lado.” Fiz um sinal dando um tapinha na cadeira a minha direita e acho que o fiz corar ligeiramente. Me forcei a olhar para o Ezra e sorrir honestamente apesar de como me sentia sobre seu ar perigoso. “Vai ser mais seguro para nós dois assim Ezra, eu não divido meus doces.” Terminei com um leve dar de ombros.
Rafi e o “chefe viking Lars” – o nome simplesmente combinava á perfeição com a seu jeito de bárbaro, logo já tinha decidido que ia fazer parte do seu novo apelido – riam apreciando a cena e a minha interação com os outros. Ollie se sentava rapidamente ao meu lado, quando vi um sorriso digno do gato de “Alice no país das maravilhas” se abrir no rosto de Ezra enquanto ele se sentava ao lado de Ollie. Ele colocou a mão sobre a mesa, bem á minha frente, quase como se tivesse tido a intenção de tocar minha mão mas tivesse desistido no meio do caminho.
“Eu não falava sobre a comida.” Disse com uma voz rouca, me encarando com uma fome tão crua que fez os pelinhos da minha nuca se arrepiarem e não deixando margem para erros com relação ao “isso” que ele queria experimentar.
“Isso” não eram os donuts, “isso” era.... eu.
Oh, caramba! Merda! P.Q.P! Minha nossa! Uau!
Santa nossa senhora da ingenuidade Batman!
Como é que eu não tinha pego o duplo sentido daquilo antes de abrir minha boca?
Ele retirou sua mão e se endireitou na mesa, voltando sua atenção para a sua comida como se nada de mais tivesse acontecido. Continuei parada no mesmo lugar ainda sem acreditar no que tinha escutado. Eu devia estar em choque.
Olhei para a Rafi, um pedido mudo de que alguém mais ali confirmasse que eu tinha acabado de escutar o que eu tinha acabado de escutar. Pelo seu olhar arregalado e ainda travado no rosto de Ezra eu tive minha confirmação. Lars olhava para o céu com a mão cobrindo a boca, tive a sensação de o ouvir murmurar algo como “isso não vai acabar bem...” quando ouvi o chefe dos cachos pigarreando constrangido.
“Bom, acho que agora qualquer merda que eu tenha falado acabou de perder importância hein?!” Ele acenou com a cabeça enquanto sorria para mim. “O que você está comendo afinal de contas?”
Várias vozes responderam em uníssono ao meu redor.
“Donuts”
Eu olhei ao redor espantada, mas todos pareciam estar absolutamente concentrados em seus pratos e na comida.
“Creme da Bavária?” Hage continuou sem olhar para ninguém em específico enquanto se sentava entre Ezra e Lars.
“Uh – hum.” Mais uma vez várias vozes se fizeram ouvir.
“Agora tudo faz sentido...” Ele concluiu enquanto começava a comer sua comida.
Eu estava perdendo alguma informação importante. Isso estava claro...
Continuei olhando em volta, me sentindo completamente desnorteada com tudo aquilo.
Escutei um suspiro delicado e profundo vindo de algum lugar á minha frente.
Rafi estava segurando sua xícara de café com leite entre as mãos, com os olhos fechados e uma expressão profunda.
“Que a essência de Marai nos ajude...” a ouvi sussurrar. “Ou vou acabar ajudando Haaz a matar cada um desses idiotas...”
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