Quando a porta foi aberta diante de Darl, a ofuscante luz do sol bloqueou a vista que se formava.
O garoto cobriu seus olhos cansados, que pensava haver mantido abertos durante toda a noite. Quando os abriu novamente, sua respiração, já a ponto de tornar-se ofegante pela tensão, parou.
Havia casas. Muitas delas. Paredes e telhados erguiam-se até onde os olhos podiam alcançar.
Entre elas havia algumas árvores e várias ruas cobertas por folhas amarelas e vermelhas do outono, ao longo das quais andavam pessoas. Talvez uma dúzia delas estivessem no campo de visão de Darl. Era um número muito maior do que o garoto sonharia em ver.
Por quase três luas, estivera dentro de uma casa com janelas barradas e a porta trancada, sem qualquer noção da grandiosidade do mundo além delas. Então, de um instante para o outro, seu escuro horizonte expandiu-se e brilhou como o sol de verão em um dia de céu limpo.
Era belo em um momento, e assustador em outro.
— Vem. —, com a frieza de sempre, comandou Gundar.
Sem questionar, Darl foi para seu lado. O garoto estava encapuzado, apesar de ser um dia claro com esparsas nuvens brancas no céu. A razão não lhe fora explicada, como de costume.
Enquanto caminhava ao lado de Gundar, Darl não pôde evitar observar seus arredores.
Por eles passavam homens e mulheres que carregavam baldes, jarros, sacos e outros recipientes, além ferramentas e lenha. Também havia homens com lanças em mão vestidos com armaduras muito mais completas do que a que Gundar possuía.
Em um momento, um grito estridente ecoou de algum lugar por perto. Assustado, Darl virou para sua direção e avistou um grupo de pessoas de estatura próxima à dele que corriam como animais. Uma delas segurava algum tipo de ave grande com asas desproporcionalmente curtas que gritava e se sacudia de forma que quase lhe dava pena.
Seus pais várias vezes haviam-lhe respondido, ao questionar sobre sua diferença de altura, que ele seria igualmente alto, ou ainda maior que eles, ao se tornar adulto. Essas pessoas, então, seriam crianças como ele?
— Olha pra frente. —, Gundar retirou Darl de sua contemplação. — Tá vendo os homens com lança? São guardas. Não olha pra eles, principalmente.
Acostumado a ter poucas opções senão abdicar de sua curiosidade, o garoto contentou-se com suas próprias especulações. Talvez a razão fosse simples como o fato de os guardas carregarem armas fazer deles especialmente perigosos.
Pensando bem, Darl não sabia o que exatamente era um guarda. Tudo que sabia era que seu trabalho era patrulhar as ruas, apesar de ter pouca certeza sobre o que isso implicava.
Apesar de evitar mover a cabeça, não exatamente mantinha seus olhos fixos no caminho. Foi assim que uma vista de tirar o fôlego tomou forma assim que viraram uma esquina.
Sobre os telhados das casas, tão grande que desafiou seu senso de distância, erguia-se uma colossal construção de madeira. Os olhos de Darl tentavam entender sua forma exótica, mas falhavam.
Neste momento, ouviu um suspiro de seu lado. Imediatamente, trancou os olhos no chão, com um pouco de culpa no coração. Pensou em se desculpar, mas optou por ficar calado.
— Aquilo é o castelo. —, as palavras de Gundar deixaram o garoto confuso.
Mas a confusão logo deu lugar ao entusiasmo quando Darl olhou para o soldado, e viu que estava, pela primeira vez, satisfazendo sua curiosidade.
— É lá que o rei Honir mora, e pra onde todo mundo pode correr se a cidade for atacada. A casa do rei, na verdade, fica ali dentro, cercada pela muralha.
Darl sentia apenas fascínio enquanto tentava imaginar o que havia além dos altos muros de madeira. Se era cercada por muros tão grandes, a residência da família real faria jus a tal grandiosidade?
— Aquelas coisas altas —, Gundar apontou com o queixo. — são as torres. Dá pra ver a cidade toda lá de cima.
Os olhos do garoto foram guiados a duas robustas construções que se erguiam pontualmente acima dos muros sobre os quais pareciam apoiar-se. Desde o início, foram elas que capturaram a atenção de Darl.
Sobre o pico de seus levemente pontiagudos telhados, havia longas hastes nas quais estavam presos tecidos verdes triangulares que balançavam ao vento. Em cada um deles aparentava estar inscrito um desenho em tons de marrom e preto.
— Aquilo ali no alto são as bandeiras de Nouwer. Nosso símbolo é o pardal porque... Bem, Rhaffur vai saber te contar a história. E depois falo mais das defesas da cidade. Agora olhe pra frente porque estamos chegando.
Darl não podia reclamar. Na verdade, nem mesmo desejava. Ele ainda queria saber mais sobre o castelo, mas podia esperar. Mas talvez não devesse relaxar tanto. Ainda estava nas ruas, e devia tomar cuidado.
Quando seus olhos finalmente deixaram as torres do castelo, surpreenderam-se com os guardas de pé à sua frente. Eram dois, um de cada lado de um portão aberto.
Sob os elmos metálicos, seus olhos caminhavam entre Darl e Gundar, que parou apenas para assentir aos guardas. Após se entreolharem, um deles fez um gesto com a cabeça, e o soldado continuou adiante, seguido pelo garoto.
Enquanto os recém-chegados retomavam seu caminho, os olhos de ambos os guardas ainda caíam pesadamente sobre Darl. Até mesmo quando as bordas de seu capuz ocultaram-lhes, o garoto ainda sentia seus olhares sobre si.
Uma sensação de frio percorreu suas costas, seguido por um arrepio, enquanto avançava além do portão.
O outro lado apresentou uma vista completamente diferente da cidade. Com uma grande construção ao fundo — consideravelmente maior que uma casa, porém menor que o castelo —, havia uma área aberta coberta por pessoas em atividades diferentes. Dúzias praticavam combate com lanças e arco, outras carregavam caixas, e uma minoria parecia coordenar os movimentos das demais.
Vozes e sons de armas cobriam o ar de uma forma sufocante. Se Darl teria que se tornar um soldado, não queria ter que frequentar um local como esse.
A realidade era que ele jamais fora realmente a favor de seguir a carreira de Gundar, mas não havia outra escolha. Por mais que boa parte dos soldados atuassem como guardas na cidade parte do tempo, a ideia de possivelmente entrar em um campo de batalha era exasperante.
Antes de seu décimo terceiro inverno, apenas estaria em treinamento com o soldado que lhe acolhera. As duas luas que estivera em sua casa aparentavam haver durado uma vida inteira. Agora que estava fora, contudo, a esperança de que o dia da viagem, de alguma forma, não viria era tudo que podia acalmá-lo.
Por que guerras eram travadas, de toda forma?
Histórias sempre retratavam conflitos entre pessoas ou mesmo nações, como os Antigos Impérios de Khanlof e Gundord.
Rhaffur dissera algo sobre monarcas desejarem as terras dos vizinhos, mas eram os soldados que batalhavam. Por qual razão eles deviam lutar e morrer pelos desejos de outra pessoa?
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