O interior era uma grande sala iluminada pelo sol e vários candeeiros. No centro, havia uma grande mesa, cercada por meia dúzia de homens de pé. Um deles debruçava sobre ela enquanto falava e movia a mão sobre sua superfície.
Ao olhar um pouco melhor, era possível identificar uma folha de papel sobre a mesa, tão grande quanto ela. Sua superfície clara estava coberta por gravuras escuras de diversas formas, mas Darl era incapaz de identificar o que exatamente eram.
— O capitão ainda tá ocupado. Vamos sentar ali.
— Hm? —, quando Darl teve tempo de interpretar as palavras de Gundar, o soldado já caminhava para o canto da sala. — Ah...!
Juntas à parede, próximas da entrada, estavam quatro cadeiras. Sobre uma delas assentou-se Gundar. Três estavam livres, uma ao lado mais espaçoso e duas mais próximas da quina.
Talvez o ideal fosse escolher uma das duas próximas ao soldado, mas talvez isso pudesse fazer com que ficassem próximos demais. Isso seria desagradável.
Em contrapartida, sentar-se no lugar mais distante, próximo à quina, seria perigoso, porque deixaria espaço para algum eventual estranho tomar o lugar entre os dois. Não havia como saber quanto tempo ficariam lá, e nem o quão frequentemente alguém devia usar aquelas cadeiras. Essa escolha seria arriscada.
Contudo, seria uma opção para a eventual terceira pessoa a cadeira no lado mais distante de Gundar, então haveria apenas metade da chance de alguém sentar entre os dois. A não ser que fossem duas pessoas também.
Nesse caso, o ideal seria sentar-se no lado do soldado com apenas uma cadeira livre. Desta forma, se mais uma pessoa aparecesse, poderia escolher qualquer um dos dois lugares e, se fossem duas pessoas também, ambas não seriam separadas por um estranho.
Ainda assim, isso significaria que Darl devia tomar o assento virado para o meio da sala, onde pessoas circulavam. Contudo, seria o local mais arriscado para se sentar.
Seguindo esse raciocínio, a cadeira mais segura seria a mais próxima da quina, pois tinha a proteção de duas paredes.
Entretanto, um canto como esse seria o local mais propício para ser encurralado.
E Gundar parecia dizer algo.
Na verdade, apenas sua boca movia-se. Era como se sussurrasse algo.
"Vem"...? "Sen...ta"... "logo"...
Darl então se deu conta do fato de que provavelmente estivera de pé na entrada há tempo demais.
Com pressa, andou logo para frente, sem pensar mais em qual cadeira escolher. Em meio ao primeiro passo, contudo, notou um movimento a seu lado, da direção da entrada. Antes de ser capaz de olhar para a pessoa que vinha, seus corpos se chocaram com um som metálico.
O garoto cambaleou para o lado até firmar os pés no chão e ter o equilíbrio recuperado.
Isso era ruim.
Darl havia ficado no caminho de alguém e, quando ia finalmente se mover, causara ainda mais problemas à pessoa.
Quando se virou de volta, viu um homem em uma cota de malha, como a que Gundar possuía. Ao levantar os olhos para seu rosto sem barba, viu uma expressão de surpresa se formar em sua face. Então, as sobrancelhas, que estavam levantadas, desceram, e a boca, uma vez aberta, lentamente se fechou.
Talvez devesse pedir desculpas, mas, ao observar a expressão que se enrijecia a cada instante, o garoto foi capaz de fazer nada senão sair do caminho.
Com passos largos, e sem olhar para o lado, o homem de armadura seguiu para o centro da sala. Darl pensou tê-lo ouvido fungar, mas era difícil ter certeza.
Sem esperar mais, o garoto retomou seu caminho em direção às cadeiras. Sentou-se na mais próxima da quina, mesmo que isso deixasse um espaço entre ele e Gundar.
Naquele momento, o canto da sala era o melhor lugar que podia encontrar.
Darl trancou os olhos no chão, ainda com o coração acelerado. Não podia acreditar no que havia acontecido, nem no que estava para acontecer.
A qualquer momento, seria apresentado ao capitão da expedição, e logo teria que partir e trabalhar com outras pessoas. Isso deveria vir apenas mais de um ano no futuro. Ainda era cedo demais.
Darl não estava preparado.
Seus olhos tornaram-se quentes. A qualquer momento ele podia chorar. Podia não ser um evento raro, mas em um local como esse...
Não era lugar ou hora para tal. Ainda assim, pouco podia ser feito.
Então ele mordeu a língua.
Sua visão tornou-se turva, seus olhos úmidos. Não era o bastante — as lágrimas ainda viriam.
Então ele pôs mais força na mandíbula.
Doía, mas era necessário. Abriu bem os olhos, então os fechou e apertou as pálpebras.
Ao abrir os olhos novamente, sua visão estava melhor, e nenhuma lágrima escorria por suas bochechas.
Darl havia conseguido evitar cometer mais um erro pelo dia.
— Pode abaixar o capuz. —, uma familiar voz ao lado disse.
— Hm...? Oh, xim... —, ainda com a língua latejante, Darl conseguiu responder.
Estava um pouco surpreso pelas primeiras palavras do soldado não houverem sido de repreensão.
Pensando bem, raramente tal coisa acontecia. Ainda assim, talvez por sua expressão sempre séria, apesar de viverem juntos há tanto tempo, Darl esperasse que acontecesse a qualquer momento.
Ele fez como lhe foi dito. No momento em que sua cabeça foi exposta ao ar; sentiu um leve frio nas pontas das orelhas. Por alguma razão, sentiu-se ainda mais desprotegido.
Mais uma vez, Darl questionou-se sobre o mundo a sua volta. Durante o tempo em que estivera na casa de Gundar, podia achar que sabia o suficiente, mas, quanto mais pensava, mais concluía saber realmente nada.
A primeira pergunta que lhe viera era a razão de precisar ser apresentado ao capitão. Se não pelo fato de ser novo na cidade, talvez fosse um procedimento comum a todos na expedição.
Gundar realmente mencionara, em algum momento, algo sobre soldados serem cadastrados. Desta forma, eles podiam ser contados e tarefas designadas a eles de forma organizada.
Se era essa a razão, então não devia haver razão para ter medo. Provavelmente.
Outra questão era sobre a razão de precisar esconder-se. Já que a idade era um requisito para servir como soldado, talvez também fosse para sair de casa, de forma geral. Entretanto, Darl vira crianças por volta de sua idade — ou algumas até mais novas — a correr pelas ruas da cidade pouco atrás.
Ainda assim, de certa forma, não era como se o garoto tivesse alguma objeção. Na verdade, desde que deixara a casa de Gundar momentos atrás, a cada instante que se passava, a inquietude gritava mais alto que a curiosidade.
Tudo que queria era retornar para aquela casa, aquela lareira. Ao lugar que fora seu lar desde o fim do verão.
Quando pensava nisso, ainda se lembrava de seu antigo lar nos bosques. Lá a vida era menos ociosa, mas era onde vivia sua família — seu pai e sua mãe.
De toda forma, não era o momento para pensar em coisas do tipo.
Outra vez não.
— Vem. —, disse Gundar, enquanto se levantava.
Darl precisou mover seu olhar algumas vezes entre o soldado e a mesa, agora com apenas duas pessoas, antes de ter plena certeza do que estava havendo.
Antes de provocar mais problemas por pensar demais, levantou-se também e seguiu Gundar. Enquanto se aproximava, notou que, entre os dois homens à mesa, enquanto um era completamente estranho, o outro parecia estranhamente familiar.
— Capitão Mansur. Tenente. —, Gundar, diante de ambos os homens de armadura, pôs o punho fechado no peito e abaixou a cabeça.
O que aquilo significava Darl não sabia, mas podia deduzir ser algum tipo de saudação. Chegou a se perguntar se deveria fazer o mesmo, mas eram as duas pessoas diante do soldado que lhe incomodavam mais.
À esquerda estava um homem que se destacava. Seu cabelo e barba dourados estavam bem aparados. Sua cota de malha, que protegia toda a extensão de seus braços, estava coberta por um longo manto branco com um círculo verde no peito, dentro do qual estava desenhada a cabeça de um pássaro marrom — o pardal de Nouwer.
Porém, a pessoa que mais lhe intrigava, apesar das vestimentas mais simples, era o homem à direita. Sua longa armadura de anéis metálicos estava completamente exposta, diferente do homem a seu lado. Seu cabelo escuro também era curto, mas seu rosto estava completamente raspado.
Darl conhecia poucas pessoas, ainda assim, não conseguia encontrar o motivo de achar seu rosto familiar.
— Então é verdade... —, o homem vestido com o manto com o brasão da cidade levou uma mão ao queixo e acariciou sua barba loira. — Disse que está com ele há duas luas, soldado?
— Exatamente, Capitão. —, respondeu Gundar, já com a cabeça erguida, porém com a postura completamente ereta.
— E ele irá trabalhar com os outros? Devo elogiar sua coragem. —, o capitão levantou as sobrancelhas.
O homem ao lado meramente cruzou os braços e franziu a testa. Apenas então Darl compreendeu de quem se tratava.
Aquele era o mesmo homem com quem, pouco tempo atrás, esbarrara-se na entrada.
— Apenas sigo os ensinamentos do Padrasto, Capitão. —, disse Gundar. — "A terra molhada é o presente da tempestade".
— E agora que a tempestade se foi, devemos cuidar melhor do solo que nos foi dado. —, levou o olhar para o garoto. Pôs as mãos na cintura e lentamente assentiu. Então se virou para o homem em seu lado. — Tenente, designe quatro dos homens para vigiar o garoto à distância durante a viagem e no acampamento.
— Como ordenado, Capitão Mansur.
O tenente, até então de braços cruzados, levou o punho cerrado ao peito, como Gundar fizera.
— Qual é o seu nome, rapaz? —, o capitão virou-se novamente a Darl e fez a pergunta.
O tenente, por um momento, inclinou o corpo e abriu a boca como se fosse dizer algo. Mas nenhuma palavra chegou a ser dita. Em vez disso, trocou rápidos olhares entre Darl e o capitão.
Não era apenas o garoto que estava surpreso, aparentemente.
Apesar de estar diante de um homem importante, talvez justamente devido à pressão, o garoto foi incapaz de responder de imediato.
Seus olhos procuraram ajuda nos de Gundar, que meramente assentiu. Ainda assim, o sutil gesto foi o suficiente.
— Darldollum... —, respondeu, finalmente, ao se virar de volta para o apreensivo homem loiro. — senhor... Capitão...?
— Está bem. É tudo que eu queria saber. —, voltou-se novamente a Gundar. — Dispensado, soldado. Darldullum tem minha permissão para participar da expedição e servir no acampamento do cerco a Elogrand.
O garoto teve a impressão de haver ouvido-o errar seu nome, mas não podia ter certeza.
— Muito obrigado, Capitão Mansur.
Mais uma vez, Gundar repetiu o gesto com o punho no peito e baixou a cabeça. Darl considerou fazer o mesmo, mas quando pensou nos detalhes do gesto, e no fato de não ter sido instruído a tal, acabou por apenas brevemente abaixar a cabeça também.
O soldado logo deu as costas a ambos os homens e partiu para a saída, seguido pelo garoto.
Novamente, Darl não tinha certeza do que exatamente estava acontecendo. Apesar de não poder ter certeza quanto ao tenente, não sentira qualquer animosidade por parte do capitão.
— Põe o capuz de novo. —, comandou Gundar, enquanto cruzavam a porta.
...
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