Depois do café da manhã Rafi e eu começamos nosso tour pelo Health center.
Ela me apresentou ao pessoal da cozinha e ao pessoal da limpeza, pude visitar a cozinha do restaurante e fiquei impressionada com a estrutura do lugar. Fogões e fornos industriais por todos os lados, louças, utensílios para os mais variados fins - todos um completo mistério para mim - bancadas quilométricas de aço inox e um freezer grande o suficiente para caberem umas 6 pessoas lá dentro ao mesmo tempo.
Um Chef profissional era responsável pelo menu aos finais de semana e durante a alta temporada. Rafi tinha uma queda por ele, era tão óbvio quanto bebês foca são fofos. Não parava de fazer elogios sobre tudo e qualquer coisa que tivesse a mais remota conexão com ele. Eu já estava começando a achar que se ele servisse uma pedra ela seria capaz de elogiar a sua “crocância”.
Ele iria fazer um jantar especial a pedido dela neste final de semana, todo o grupo tinha muito o que comemorar esse ano! E eu tinha que estar presente, ela não aceitaria um não como resposta.
Eu realmente tentei recusar... com um grupo tão unido e que convivia já há tantos anos, eu me preocupava em acabar quebrando o clima de descontração, e principalmente de me tornar meio que uma penetra. Além disso, eu mal tinha sobrevivido ao café da manhã com quatro deles.... o que aconteceria então em um jantar onde todos os 12 estivessem? Eu provavelmente ficaria traumatizada para o resto da vida.
E levando em consideração que eu parecia ter perdido a habilidade de me comportar com uma pessoa sã... talvez eu não fosse a única a ter que lidar com algum tipo de trauma. Exceto que o deles tinha boas chances de serem mais físicos do que psicológicos.
Ao longo das nossas conversas ela ia me alimentando, inconscientemente, com alguns fragmentos de informação sobre onde eu estava me metendo... “Os meninos”- chamar aqueles homens enormes de meninos parecia uma piada - eram treze no total. Treze! Doze deles estavam ali no health center conosco e apenas um... Ulri, o que eu tinha descoberto ser um tatuador muito talentoso, segundo a Rafi, não colocava o pé no lugar há alguns anos. Não parecia fazer muita diferença para mim no momento... um a mais, um a menos... eu já estava completamente enrascada de qualquer jeito.
Outra informação crucial foi sobre onde ocorreria o jantar especial... na mansão que eu havia visto no topo do morro, era lá que os 13 se hospedavam quando vinham para cá. E era lá que Rafi morava também... e era agora o local que eu evitaria daqui para frente com todas as minhas forças.
Um pouco depois descobri a razão para não ter sido capaz de ter nenhuma ideia sobre onde ficavam os bangalôs vips e o complexo de quartos. E isso era porque eles ficavam mais à esquerda no terreno e bem mais abaixo no morro... quase chegando à praia, eram as únicas construções naquela área. E pelo posicionamento no terreno, eu tinha a impressão de que todos tinha vista para o mar.
Havia vários lugares lindamente decorados ao longo das trilhas que desciam em direção à praia e aos quartos. Os bangalôs eram a coisa mais linda e perfeita que eu já havia visto. A decoração tinha um ar rústico, mas era fácil ver a qualidade absurda de cada detalhe... camas imensas em madeira nobre, lençóis de algodão egípcio, salamandras para aquecer o quarto no inverno, mosquiteiros brancos sobre as camas, espelhos, vasos, quadros e cestos criavam uma linda e aconchegante composição. E oh-meu-deus as luminárias daquele lugar! Eram perfeitas obras de arte, formas geométricas e efeitos de luz extasiantes feitas com materiais naturais de todos os tipos. Cada bangalô tinha ainda uma linda varanda com um pequeno ofurô, toda a área cercada por um pequeno jardim e uma cerca de bambu que mantinha a privacidade dos hóspedes. Eu já tinha decidido que um dia ia construir um bangalô desses pra mim... no futuro... quando eu tivesse dinheiro suficiente pra comprar um terreno cheio de árvores... e para construir... ou seja, bem... beeeem no futuro... mas a decisão já estava tomada.
Todos os 8 bangalôs tinham uma arquitetura muito parecida, mas a decoração de cada um deles era única. Eu poderia ficar uma semana em cada um e não seria o suficiente pra curtir todos os detalhes. Eles não tinham aquelas decorações minimalistas e frias dos hotéis, eram quartos dos sonhos que poderiam ter saído dos perfis das melhores decoradoras que eu seguia no instagram. Havia vários detalhes que enchiam os olhos. Em cada criado mudo, nas mesas, nas paredes... criavam uma sensação de fundo de que alguém de verdade morava ali... ou que vc poderia estar morando ali. Se fosse um baita sortudo.
O complexo de quartos era ligeiramente mais simples, mas ainda tão bonito quanto... lembrava uma vila italiana, em forma de U e voltada para o mar, todos os quartos tinham pequenas varandas para a área externa do U e as portas de entrada ficavam voltadas para a área interna preenchida por um lindo jardim planejado. Rafi me mostrou apenas um dos 12 quartos do complexo... a decoração aqui era mais padronizada, mas eu ainda podia sentir o mesmo ar intimista e de cuidado com detalhes que havia nos bangalôs.
Ela me mostrou a trilha que levava até a praia, se eu quisesse dar um passeio sozinha mais tarde, era só seguir as placas. No nosso caminho de volta, enquanto voltávamos a subir em direção ao restaurante, passamos por um homem deitado em uma das redes ao longo da trilha. Assim que viu a Rafaela ele a chamou para perguntar algo, me senti desconfortável com seu tom condescendente logo de cara e me mantive afastada, permanecendo na trilha. Não era difícil escutar todos os detalhes no entanto. Ele queria um up-grade grátis para passar do seu quarto para um dos bangalôs, afinal de contas ele era alguém conhecido, etc e tal, conhecia pessoas importantes, blá blá blá.
Minha nossa senhora da arrogância.... essas pessoas ainda existiam?!
“Veja então o que você pode fazer por mim, ok docinho?!.” Seu jeito de falar me causou repulsa, era claro que ele estava abusando da sorte e da sua “suposta posição” para forçar Rafi a fazer o que ele queria.
Ele se levantou da rede se espreguiçando de uma forma quase teatral na tentativa de mostrar seu corpo, ainda mais... o homem já estava com uma sunga branca minúscula, pelo amor de Deus! O que mais havia para mostrar?! Por um segundo achei que estava vendo algum episódio de uma novela mexicana muito ruim. Se eu não tivesse tido um desfile de homens inacreditavelmente lindos durante boa parte da manhã, eu até o consideraria bonito... mas não tinha como engolir aquela personalidade. Era simplesmente intragável.
Rafi já tinha dado as costas para a figura, eu era capaz de sentir seu aborrecimento profundo mas que era apenas superficialmente visível no seu delicado rosto, quando ele realmente me viu.
Mais do que depressa eu virei as costas e acompanhei a Rafi de volta para a trilha que levava até o restaurante. Ela não estava com uma cara muito feliz depois da pequena conversa.
“Está tudo bem Rafi?”
O esforço que ela precisou fazer para me responder educadamente enquanto bufava de irritação foi hercúleo, o que já me disse tudo. Não, não estava tudo bem... e eu podia apostar que só havia um sobrevivente balançando na rede em sua sunga branca, porque o dito sobrevivente era um hóspede. E não seria bom para os negócios... se os hóspedes não sobrevivessem.
“Não Cassie, aquele era o Sr. Albuquerque. Ou Fred, como eu tenho certeza que ele vai pedir para que você o chame também. Esse ano ele participou de um reality show muito popular na televisão, Big Brother...”
“Caramba. – Eu disse realmente impressionada. – Esse programa ainda existe?! Eu já não assisto mais televisão há alguns anos...principalmente graças ao netflix. Mas mal consegui assistir a primeira temporada desse show... deve estar em qual nessa altura? Décima segunda?”
“Décima quinta na verdade...” Seu rosto começava a ganhar um pouco de cor novamente, e eu já podia ver um arremedo de sorriso brincando no canto da sua boca.
“Sempre fico impressionada com o quanto esses programas duram. Pelo menos o prêmio era bom, um milhão de reais... ele deve ter ficado muito feliz!”
“Ele não ganhou. Ficou entre os cinco finalistas...” agora já não havia sequer um traço do sorriso falso. Rafi olhava para mim sem desviar seu rosto do meu, lutando para não começar a sorrir loucamente. “Mas parece que foi o suficiente para o ego subir à cabeça...”
“Bom... com o tamanho daquela sunga, claro que o ego iria subir à cabeça... não sobrou mais lugar nenhum onde desse pra esconder.”
“Pfffffffffffffff!” Ela sorria abertamente agora, gargalhando com toda vontade.
Rafi me olhava com uma expressão curiosa e um lindo sorriso nos lábios. Mal cheguei do seu lado ela colocou uma mão sobre meu ombro e falou baixinho.
“Obrigada.” Ela riu. “Se não fosse por ele ser um hóspede eu teria enfiado a mão na cara do idiota sem pensar duas vezes.”
“Bingo!” sussurrou a Cassie sem noção.
Eu sorri um pouco.
“Não!” Falei em um tom totalmente teatral. “Você jamais deveria machucar suas delicadas mãos estapeando alguém como o Frederico Afonso! Jamais!” Eu estava imitando o tom de voz de uma personagem de uma novela mexicana antiga, e finalizei com o gesto carimbado de todos os episódios dramáticos, – que eram praticamente todos – as costas da mão meio que cobrindo meus olhos e a cabeça ligeiramente jogada para trás.
“Oh-meu-Deus!” Eu acompanhei sua expressão mudando pouco a pouco enquanto ela entendia a piada que eu tinha feito, ele realmente parece um ator de novela mexicana! Eu sabia que já tinha visto essa atuação ruim em algum outro lugar....” Ela gargalhou ainda mais. Dessa vez lágrimas escaparam dos seus olhos e ela segurava a barriga como se estivesse com dor.
O sorriso aos poucos foi deixando meu rosto, eu estava tentando fazer uma piada sobre tudo em uma tentativa de fazer com que ela se sentisse melhor. Eu conseguia imaginar o que ela estava sentindo, embora não estivesse totalmente por dentro do que estava acontecendo, e conseguia me imaginar facilmente agindo do mesmo jeito que ela... eu também teria dado um tapa nele, no mínimo. Mas por experiência própria, eu sabia que em uma situação como aquela uma já conhecida descarga de energia iria começar a correr pelo meu sistema, meu corpo iria ficar gelado, meus lábios começariam a formigar, minhas mãos começariam a tremer e... coisas estranhas começariam a acontecer. E eu teria arranjado um problema muito maior do que só um babaca com o ego maior do que a lua falando o que não devia.
E eu tinha aprendido essa lição da pior forma possível.
Isso não voltaria a acontecer nunca mais.
Acho que a Rafi percebeu minha mudança de humor pouco depois porque começou a me olhar com um ar ligeiramente preocupado.
“Vamos lá... Vamos renovar o nosso ânimo! O seu reino Spa te aguarda. Quando você chegar lá em cima, vai achar que a subida valeu a pena, prometo. Tenho várias surpresas para você.”
A cada passo dado no restante do caminho até o restaurante, e nos que foram precisos para superar a trilha ainda mais íngreme que levava até o complexo do spa, o nosso humor começou a voltar ao normal.
Minha mente voltava uma e outra vez para as surpresas que Rafi disse que havia preparado para mim, e eu realmente precisei me motivar. Subir toda aquela distância, todos os dias ia ser uma aventura! Não ia precisar mais me preocupar ou me sentir culpada por repetir sobremesas ou exagerar na minha pilha de donuts no café da manhã. Nunca. Mais.
Eu já estava sem fôlego e quase botando os pulmões para fora quando finalmente chegamos ao Spa. Logo na entrada me deparei frente a frente com a piscina natural mais perfeita que alguém poderia imaginar... eu podia facilmente imaginar pequenas fadas voando entre as flores e vaga-lumes iluminando tudo durante a noite, portais mágicos... e unicórnios.
Sim, eu sou o tipo de garota fissurada por unicórnios.
Eu admito!
Tenho até uma daquelas camisetas de dormir com a frase “Ser humano está difícil demais, hora de virar um unicórnio.” escrita nas cores do arco-íris. Que eu revezava com minha segunda preferida, que tinha a ilustração em estilo cartoon de um unicórnio espirrando, confeitos coloridos saindo pelo suas narinas e virando a cobertura de um lindo cupcake.
Eu nunca disse que eu era normal, ok?!
Mas enfim... Aquele era, sem nenhuma dúvida, um lugar cheio de magia.
E que combinava totalmente com unicórnios.
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