I feel like a vampire
Everyday a bit more
Oh, this love so dire
that shreds me to my core
My only thirst is
the thirst of you
- Serpens Caput, love vampire’s tale
Quando Jack chegou em casa, não tinha fome. Estava cansado como nunca esteve em toda sua vida. Era um cansaço emocional e psicológico, e ele não tinha a menor vontade de encarar seus problemas naquele momento.
— Meu filho! — Sua mãe chamou quando ele passou pela porta da frente. — Você demorou.
— Eu saí com o Steve. — Ele disse, suspirando e se lembrando de tudo que acontecera.
— Ah, e como ele está?
Como ele responderia essa pergunta? “Ah, ele não está bem há muito tempo, porque ele se apaixonou por mim e isso o confundiu sobre várias coisas. Acho que ele se odeia agora, por causa dos sentimentos dele, e eu, como o incrível amigo que eu sou, fugi”.
— Bem. — Ele mentiu. — Ele está um pouco estressado com a escola, mas vai melhorar quando pegar o ritmo.
— É mesmo uma grande mudança. Vocês estavam no fundamental, agora estão no ensino médio. Vocês crescem tão rápido. — Ela assentiu com um sorriso.
Ele não queria contar para sua mãe. Não até que tivesse clareado sua mente. Foi direto para seu quarto, dizendo que não estava com fome e que precisava descansar para acordar cedo no dia seguinte.
Ele fechou a porta e sentou-se na sua cama. Olhou para seu criado-mudo e viu uma foto de quando era criança. Steve estava lá, sorrindo, sem um dos dentes da frente. Eles tinham cerca de sete anos, e já andavam grudados um no outro. Sempre foi assim, desde que Jack se lembrava. O loiro sempre esteve ao seu lado para o que precisasse, nunca pedindo nada em troca. E na única vez que ele precisava dele, Jack não conseguiu reagir.
Ele suspirou e se deitou, tentando afastar aqueles pensamentos de sua cabeça. Estava angustiado. Havia um peso imenso em seu peito, como se um elefante estivesse sentado em cima dele, o impedindo de respirar. Era tão pesado que era impossível ignorar. E, francamente, se Jack fosse capaz de ignorar a sensação e o que ele havia acabado de fazer, ele simplesmente se odiaria mais ainda.
A expressão chorosa de Steve não saía de sua mente. Ele via o amigo esfregando as mãos sobre os olhos, tentando impedir as lágrimas de caírem. Via sua boca – que sempre sorria – soltando soluços de emoção crua. Aqueles olhos – sempre tão felizes – avermelhados e derramando dor em prantos.
Como Jack pôde fazer aquilo? Como ele pôde fugir como o diabo que foge da cruz? Como ele pôde virar as costas para seu melhor amigo, Steve, a quem conhece há anos? E por que ele o fez? Por que estava confuso?
Jack se odiava naquele momento. Ele sentiu as lágrimas se formando no canto de seus olhos, mas chorar parecia completamente inútil e sem sentido, e ele mesmo não entendia porque seus olhos estavam lacrimejando.
Ele afastou seus pensamentos de Steve e notou a câmera fotográfica que estava sobre seu criado-mudo. A pegou num ato impulsivo, sem realmente pensar que queria ver as fotos que havia tirado.
Jack gostava de tirar fotos. Sempre gostara, desde pequeno. Sua mãe dizia que fotos nunca eram tão bonitas quanto o momento e a vista real, mas ele discordava. Fotos poderiam ser tão bonitas quanto a realidade se você soubesse tirá-las da forma certa. E, aliás, fotos eram lembranças materiais, melhores que memórias, pois essas poderiam ser esquecidas nas nos inúmeros álbuns da mente.
Cada uma das fotos era especial, guardava um sentido que poucas pessoas entenderiam. Sempre que Jack tirava uma foto, ele anotava a data em um caderno e porque ele a tirou, o que ele sentia no momento, para que sua emoção inicial ao ver o que ele fotografou não lhe fugisse a mente em um tempo futuro. A primeira foto que ele viu na tela do aparelho foi de um belo pôr do Sol. Ele se lembrava. Estava num elevador panorâmico e viu o céu que parecia pintado por um artista talentoso, misturando as cores laranja e rosa. Ele gostava do céu. Nunca era igual ao dia anterior, mas nunca deixava de ser bonito. Até quando estava nublado era maravilhoso, como se toda a extensão azul tivesse magicamente se transformado em branco.
A próxima foto era do quarto de Steve. Jack suspirou. Não conseguia fugir dele, e talvez não devesse. Observou a foto.
Era uma das fotos mais bonitas que ele já havia tirado. O quarto de Steve ficava no sótão de sua casa, pois tinha vários irmãos que ocupavam dois dos quartos do segundo andar, enquanto seus pais ficavam com o terceiro. Steve havia se voluntariado para o sótão no momento em que resolveram se mudar, quando ele tinha apenas dez anos.
Mesmo que fosse no sótão, o quarto de Steve era o mais aconchegante da casa, na opinião de Jack. O quarto era pequeno, o menor, com paredes de madeira e uma janela retangular em uma das paredes. Não era lá grande coisa, mas Steve deixava cobertores espalhados por toda a parte, pregava pisca-piscas nas paredes mesmo que não fosse natal e deixava as cortinas sempre abertas no entardecer, o que criava uma aura especial no quarto bagunçado.
E essa era a foto. A única diferença é que além dos fios pendurados nas paredes, os cobertores no chão e a luz do entardecer entrando pela janela, era que Steve estava lá. Estava virado para a janela, com o torso nu e as costas viradas para a câmera. Uma de suas mãos bagunçava os cabelos, enquanto a outra se apoiava no peitoril da janela. Seu corpo estava levemente inclinado para a frente, olhando para algo além daquele quarto.
Era uma de suas melhores fotos, Jack achava. Ele não se lembrava do que havia sentido, mas se lembrava do que havia pensado. Imaginava se aquelas palavras tinham um sentido completamente diferente agora que tudo aquilo havia acontecido.
Largou a câmera e pegou o celular, vendo as fotos que havia tirado com a câmera do aparelho, muito menos sérias e importantes para ele. Sim, eram todas incrivelmente ridículas, e a maioria delas eram de Steve. Eram fotos do loiro espirrando, babando enquanto dormia, sujando sua cara de maionese enquanto comia um sanduíche, equilibrando uma caneta na ponta do nariz – coisa que Jack nunca entendeu como era possível. Talvez fosse um daqueles talentos inúteis que todo mundo tem.
Eram todas lembranças alegres dos dois, e ele não precisava pensar para saber o que sentia naqueles momentos. Se divertia com o loiro e queria lembrar-se desses raros momentos onde tudo parecia mais feliz. Depois de várias fotos, ele parou e observou mais atentamente uma foto em particular.
Era uma das raras fotos onde os dois apareciam, e Jack não se lembrava bem de quem havia fotografado aquilo. Ele a recebeu num grupo qualquer do WhatsApp, um dia depois do ocorrido. Na foto, ele estava de braços cruzados e sobrancelhas franzidas – ou seja, sua expressão habitual – e Steve estava a seu lado. O loiro tinha os dedos indicadores nos cantos da boca do moreno, puxando-os para cima, forçando o amigo a sorrir. Steve estava realmente sorrindo, enquanto Jack revirava os olhos.
O garoto foi para a foto seguinte, que foi tirada poucos minutos depois da anterior. Nessa, Jack puxava o rosto de um Steve sorridente para longe, enquanto ele mesmo começava a sorrir de verdade. Era uma boa foto, de uma memória feliz.
Ele deu um pequeno sorriso ao olhar para a foto, mas as lágrimas que caíram de seus olhos contrariaram seus lábios. Não sabia porque estava chorando. Como deveria se sentir? Triste, por ver o que ele havia praticamente perdido quando virara as costas e saíra correndo? Feliz, por poder lembrar-se de momentos onde sorria de verdade? Ele não sabia. Não sentia nada. Todo o seu corpo parecia dormente, seus sentimentos não apareciam. Ele se sentia como um cadáver ambulante, que comia, dormia e falava, mas não sentia nada. Havia um peso em seus ombros e um aperto em seu peito, que pareciam impedir qualquer outra sensação que ele devesse sentir.
A campainha tocou. Ele não reagiu.
— Jack! — Sua mãe a chamou, com certa urgência em sua voz.
Ele se levantou rapidamente da cama e correu até a sala de estar, onde sua mãe conversava com uma pessoa bem conhecida.
— Elizabeth? O que você está fazendo aqui? — Ele perguntou. A garota de cabelos azuis e olhos castanhos sorria de maneira tensa. Ela estava com uma mochila nas costas e estava suada, como se tivesse corrido até ali.
— E aí, Jack! — Ela disse. — Então, eu vim aqui porque... bem, eu meio que fui expulsa de casa.
— O quê? — A mãe de Jack exclamou, cobrindo sua boca com uma das mãos. — Por que seus pais fizeram isso? O que deu na cabeça da Úrsula?
— Eu... Meio que... os desapontei totalmente? — Ela disse, ainda sorrindo. Elizabeth era muito parecida com Steve. Ambos não mostravam o quão triste ou magoados estavam, e sempre sorriam para tudo. A diferença entre os dois era que Steve era muito melhor em esconder seus sentimentos.
— O que aconteceu? — Jack perguntou, guiando-a para o sofá.
— Nada demais. — Ela deu de ombros. Jack e sua mãe se entreolharam, ambos percebendo a mentira dela. — Eu só... queria saber se podia ficar aqui até eu arranjar um lugar. Eu já tenho dinheiro guardado, então não vai demorar muito.
Elizabeth tinha dezoito anos e fazia faculdade de medicina. Ela dava aulas de inglês em uma escola primária desde que tinha dezesseis, então o dinheiro que tinha era considerável, mas não o suficiente para bancar um bom lugar.
— Claro que pode, minha querida. — A mãe de Jack disse, passando um de seus braços ao redor dos ombros da garota. — Não vai ter problema. Você pode dormir no quarto de hóspedes. Quer que eu converse com a Úrsula?
— Não, tia Emma. — Ela disse, balançando a cabeça. — Está tudo bem.
— O que a deixou com tanta raiva para te chutar? — Jack perguntou, curioso. Se sentia mal por sua prima, mas nunca tinha gostado de sua tia Úrsula. Ela era muito arrogante e mal-humorada, talvez a adulta mais rabugenta de todo o mundo. Se o Papai Noel existisse, ela estaria sempre na Lista Negra do velhinho.
— Eu... — Elizabeth começou, e as primeiras lágrimas escorreram. — Eu contei para os meus pais que eu sou.... Que eu gosto de.... — Ela chorava ainda mais, sem coragem de olhar nos olhos dos parentes.
— Garotas? — Emma completou, com os olhos tristes ao ver a sobrinha chorar. Demorou alguns segundos para que Elizabeth assentisse, e Jack a abraçou, tentando confortá-la. É o que deveria ter feito com seu amigo. — Não tem nada demais nisso, Elizabeth. — E realmente não tinha. Não para ele. Mas, por alguma razão, fora incapaz de dizer aquelas palavras para seu melhor amigo.
— Jack tem razão, querida. — Emma acariciou as costas da garota. — Sua mãe vai ouvir umas verdades! Onde já se viu, fazer isso com a própria filha?
— Por favor, tia. Não fale com ela agora. — Elizabeth pediu, olhando para a mulher. — Ela está com muita raiva, e vai enlouquecer se souber que eu estou aqui. Acho que o melhor é sumir por um tempo para ela esfriar a cabeça.
Emma encarou a menina por alguns segundos, incerta do que fazer. — Tudo bem, querida. — Ela suspirou. — Jack, meu filho, leve sua prima para o quarto e pegue uns cobertores para ela.
— Ok. — O garoto assentiu, fugindo de seus pensamentos enquanto guiava a garota até o quarto. — Você devia tomar um banho para relaxar um pouco. Vamos jantar daqui a pouco.
— Tudo bem. — Ela assentiu e fungou, enxugando as lágrimas do rosto.
— Não se preocupe, você vai ficar bem aqui. — Ele continuou enquanto jogava a mochila dela em cima de uma das cadeiras. — Eu vou pegar uma toalha e cobertores para você. Onde a Úrsula está com a cabeça? Aquela mulher ridícula. — Ele murmurou as últimas palavras enquanto saía do quarto. Sua prima sorriu levemente e se dirigiu até a mochila, querendo pegar algumas roupas limpas. Se deparou com uma foto de sua família, que tinha pegado às pressas.
Não demorou muito para que Jack voltasse com o que prometera. Jogou a toalha para a garota e as roupas de cama no pequeno guarda-roupa vazio que havia no quarto. — Você sabe onde é o banheiro, não sabe? — A garota simplesmente assentiu. — Então tudo bem. Eu te chamo quando minha mãe acabar de preparar o jantar.
— Jack! — Ela o chamou antes que ele deixasse o quarto. Fungando mais uma vez, ela articulou, tímida: — Obrigada. Isso... é difícil para mim.
O garoto a encarou por alguns segundos, imaginando a situação da garota, temendo que seu melhor amigo passasse pelo mesmo. Ele assentiu, com um leve sorriso. — Não é nada demais. Vê se não escorrega no box. Eu não quero ter que te socorrer enquanto você está pelada.
Então, ele virou as costas e foi para seu próprio quarto, escutando uma risada genuína de sua prima. Estava feliz por conseguir fazê-la se sentir um pouco melhor, ainda que apenas temporariamente. Ainda que não tivesse sido capaz de fazer o mesmo por Steve, ele sorriu, e se odiou por isso.
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