I found my heart
lying in the dust
all broken and torn apart
I asked if it hurt
And it just bled
- Corvus & Draco , Apart
O jantar daquela noite foi o melhor que Elizabeth já teve em anos, talvez em toda a sua vida. Sua tia Emma era gentil, Jack era engraçado e os dois fizeram de tudo para deixá-la confortável sem que as coisas acabassem ficando exageradas ou, bem, desconfortáveis.
Sua tia parecia não fazer esforço algum, mas Jack era diferente. Ela olhava para o primo e o via. Sempre fora desse jeito. Ela sempre havia sido a única capaz de olhar de relance para os verdadeiros sentimentos do garoto, assim como ele era muito bom em descobrir o que havia de errado com ela. Eram assim desde que se conhecem, e certas coisas nunca mudam, independente de quanto tempo se passa ou do quanto as pessoas mudam.
Ela via suas olheiras e seu olhar distante. Via como tinha dificuldades em prestar atenção no que Emma falava e como parecia estar em um lugar bem longe daquela mesa de jantar. Mas Jack sempre fora daquele jeito, distante, um tanto frio.
Liz permitiu afastar Jack de sua mente. Poderia perguntar o que o perturbava depois. Queria aproveitar um jantar com sons além dos garfos batendo nos pratos. Queria ouvir a voz de sua tia Emma e o barulho das músicas do rádio ao fundo. Queria uma refeição agradável pelo menos uma vez na vida.
O jantar passou voando para ela, que, sem se dar conta, já havia terminado sua comida. Pouco tempo depois, Jack disse estar sem fome, deixando quase a metade da comida no prato. Sua mãe franziu as sobrancelhas levemente com um sorriso triste nos lábios enquanto encarava o prato. Parecia preocupada, como se aquela não fosse a primeira vez, como se seu filho não estivesse se alimentando direito. Ela se levantou e colocou tanto o prato de Jack quanto o seu próprio dentro da pia. Elizabeth fez o mesmo, pegando o detergente e a esponja, pronta para começar o trabalho.
— O que você está fazendo aí, Elizabeth? — Emma perguntou, curiosa.
— Eu... — Ela começou. Se esqueceu que não estava em sua casa, com sua mãe e pai. — Lá em casa, eu lavo a louça. E a roupa. E os banheiros. E praticamente faço todo o trabalho doméstico.
Emma parecia completamente horrorizada ao ouvir aquilo. “Não era daquele jeito em todas as famílias? ” Elizabeth se perguntava.
— Não precisa lavar aqui, eu sou encarregada disso. É o único momento em que posso escutar meu rádio sem interrupções. Pode subir, querida. Aqui em casa, todos dividimos as tarefas. — Ela disse, e Elizabeth assentiu. — Limpamos na sexta-feira ou quando vão chegar visitas. Depois decidimos quem fará o quê no dia da limpeza, ok?
— Ok. — Ela sorriu.
Era incrível como as duas casas eram diferentes, ela pensou enquanto subia para o quarto de hóspedes. Mesmo que Úrsula e Emma tenham sido criadas da mesma maneira, pelas mesmas pessoas, elas eram completamente diferentes. Sua mãe era arrogante, mesquinha, rabugenta e uma má pessoa, enquanto Emma era modesta, gentil, bem-humorada e um doce.
Elizabeth pegou a foto que trouxera de sua família, examinando-a cuidadosamente. Ninguém parecia feliz além dela. Estava no meio da foto, sorridente, com seu pai a sua direita – com sua cara séria e de poucos amigos – e sua mãe a sua esquerda – com sua cara de velha rabugenta.
A garota nunca entendeu a mãe, e duvidava que a mulher ao menos tentasse entender a filha. Elas tinham os mesmos olhos, o mesmo nariz, o mesmo tom de pele; eram extremamente parecidas, e ainda assim, completamente diferentes. Não se entendiam de jeito nenhum, e o relacionamento das duas nunca foi dos melhores. Sua mãe nunca ligou para o bem-estar da garota, e isso não é exagero por parte de Elizabeth; foi seu pai quem a visitou no hospital quando ela desmaiou na escola, foi ele quem a levou para o hospital todas as vezes em que ela se machucava, foi ele quem pagou todas as suas viagens de escola, foi ele quem esteve cuidando dela, sempre que podia.
Sua mãe era uma mulher detestável. Era extremamente arrogante por causa da riqueza do marido – ela nem trabalhava, nem o amava. Simplesmente se casou por motivos financeiros. Nunca estava em casa, também – todos sabiam que ela traía o pai da garota. Ela não comemorava os aniversários da filha ou comprava presentes para ela no Natal, ou em qualquer outro dia especial. Sempre jogava os presentes de dia das mães no lixo.
Elizabeth tirou a foto da moldura e dobrou a parte em que sua mãe aparecia, de modo que apenas ela e o pai permanecessem. — Você nunca me amou, não é, Úrsula? — Ela sussurrou, sentindo as lágrimas brotarem em seus olhos. Ela enxugou-as com as costas da mão rapidamente, olhando pela janela para clarear seus pensamentos.
Por um lado, Elizabeth não sabia se realmente amava a mulher. A amava porque era sua mãe, e havia aquela espécie de norma social onde todos devem amar suas mães, mesmo que sejam imperfeitas. Quando dizia que ela e Úrsula não eram próximas, todos a olhavam com uma expressão de espanto, como se ela tivesse acabado de ganhar uma segunda cabeça. Era triste finalmente perceber que não sentia nada por ela.
Elizabeth suspirou, sentindo mais lágrimas escorrendo por seu rosto. Ela tentou limpá-las, mas seus esforços eram praticamente em vão.
— Hey! — Ela ouviu uma voz abafada a chamando. Não parecia com a voz de Jack, nem com a de sua tia. Ela olhou para trás, vendo uma menina loira de pele clara, gritando-a da janela da casa ao lado.
Elizabeth se dirigiu até a janela, tentando abrir um sorriso. — Oi. — Ela disse.
— Você está bem? Está chorando. — A menina perguntou. Não parecia realmente preocupada, mas talvez fosse a imaginação de Elizabeth.
— Eu.... Tive um probleminha com Úrsula, quer dizer, com a minha.... Mãe.
A garota a observou atentamente, parecendo estuda-la.
— Você chama sua mãe pelo nome. — Ela observou. — Parece que é mais que um probleminha, não?
Elizabeth pressionou os lábios e desviou os olhos. O que aquela garota tinha de beleza, tinha também de inteligência – e acredite, ela era linda.
— Talvez. — Elizabeth suspirou. As duas ficaram em silêncio, até que a outra garota decidiu falar novamente.
— Qual é o seu nome?
— Elizabeth. — A outra respondeu. — E o seu?
— Agnes. Parece que somos vizinhas de janela agora.
— É, ao que tudo indica.
Elas sorriram uma para a outra. — Você vai para a mesma escola que o Jack? — Elizabeth perguntou. Agnes não parecia ter mais de dezesseis anos, e a escola que o garoto estudava era a mais próxima do bairro.
— Eu estou na faculdade. — Ela disse, rindo um pouco. — Tenho dezenove. Primeiro ano.
— Sério? Eu também estou no primeiro ano. Eu estudo na federal.
— Ah, é? Eu também. — Agnes sorriu.
— Devemos fazer cursos diferentes, já que eu nunca te vi no Campus! — Elizabeth riu. — Eu curso medicina, e você?
— Robótica. — A outra respondeu. — Os prédios ficam em lados opostos.
— Que pena! Seria legal ter meus olhos agraciados com seu lindo rosto todos os dias. — Elizabeth disse, sorrindo.
Agnes a encarou por alguns segundos, sem saber o que dizer. Quando a azulada percebeu o que tinha dito, sentiu seu rosto esquentar. — S-sinto muito! — Ela disse. — Escapuliu, eu.... Se bem que você é realmente bonita, mas.... Droga, eu deixei as coisas desconfortáveis.
Agnes riu, e Elizabeth pôde jurar que o cupido acertou seu coração com uma de suas flechas. Como era possível alguém ter uma risada tão linda e adorável quanto aquela?
— Tudo bem, Liz. — A outra disse. — Posso te chamar assim?
— Claro, sem problemas! — Elizabeth disse, se recompondo.
As duas se encararam por alguns segundos e riram, por nenhum motivo aparente. Demorou um pouco para que Agnes finalmente desviasse o olhar e ficasse propriamente de pé.
— Tenho que ir para cama. — Ela disse. — Boa noite, Liz. Foi legal te conhecer.
— É, eu sei. — A outra disse. Seu rosto corou instantaneamente. — Quer dizer, eu sei que o sentimento é bom. Não, espera, eu entendo o que você sente sobre me conhecer, porque eu sinto o mesmo.... Por te conhecer! — Ela tropeçava nas próprias palavras, fazendo com que a outra garota risse.
— Você é engraçada, vizinha. — Agnes disse. O sorriso que ela mandou para a azulada parecia fazer o coração da mesma derreter. — Bons sonhos.
— Boa noite, Agnes. — A outra sorriu de volta.
As duas fecharam suas janelas e sorriram, indo para a cama. Engraçado como o destino junta as pessoas, não?
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