O som do galo cantando fez-se presente, ao mesmo tempo em que os primeiros raios de sol invadiram o local, e o camponês abriu os olhos devagar, sentindo a claridade ofuscar sua visão.
O bardo ainda permanecia deitado sobre o monte de feno — que agora encontrava-se mais espalhado do que durante a noite —, respirando suavemente, indicando que ainda dormia. Evitando acordar o outro, Jehan levantou-se à passos silenciosos, ajeitou suas roupas, pegou a bolsa de pano e saiu de casa sorrateiramente.
Os trabalhadores começavam a deixar seus lares, e o burburinho nas ruas tornava-se mais alto, marcando o início do dia. O estômago de Jehan roncou, e ele dirigiu-se até a habitual macieira nos limites da aldeia.
Com uma agilidade admirável, escalou os galhos da árvore, em busca das frutas mais maduras. Colheu todas que conseguiu em um curto período de tempo, e pulou novamente para o chão, caindo de joelhos.
Levantando-se e ajeitando as vestes, ele seguiu de volta para a casa, com a bolsa cheia de maçãs. Gidie ainda dormia no momento em que o mais novo retornou, e este não foi capaz de conter um sorriso sereno. Na certa, o bardo estava cansado da recente viagem e da noite anterior, e Jehan duvidava que ele tivesse tido tempo de descansar desde que chegara na aldeia desta vez.
Cuidadosamente, o camponês deixou a bolsa de frutas sobre a mesa, pegando apenas uma para si e tornou a sair do local. Optou por não acordar o mais velho e deixá-lo ter sua tão merecida folga enquanto ele mesmo rumava para mais um dia de trabalho.
E como seria um longo dia, aquele. Estava decidido a encontrar a tal jovem que havia lhe cativado intensamente e descobrir o nome que tanto ansiava saber. O faria logo após o término da jornada no campo, se tivesse a sorte de encontrá-la. E, de alguma forma, acreditava que teria.
Ao fim da tarde, apesar da exaustão do trabalho pesado, junto à fome — tendo em vista que uma maçã era tudo que tinha comido o dia inteiro —, Jehan encerrou suas atividades estranhamente confiante e motivado.
A passos largos, ele retornou para a aldeia, e pôs-se a caminhar lentamente pelas ruas, observando com atenção aqueles que passavam, esperançoso.
E então, bem como havia previsto, lá estava ela. Carregava um cesto de legumes frescos até uma casa não muito longe dali. Jehan observou cautelosamente a jovem adentrar a moradia e sair, alguns momentos depois, sem o cesto.
Ela caminhou em direção ao poço, sentando-se na beira. Ali, sob a iluminação do crepúsculo, parecia ainda mais bela, e o camponês sentiu-se sendo envolvido pela bondade radiante da moça. A confiança em seu peito cresceu, e ele aproximou-se da figura, com o andar mais galanteador que conseguiu imitar.
— O que faz uma graciosa donzela tão solitária em um lugar como este? — Ele completou com uma reverência.
— Aprecio o pôr-do-sol. — Respondeu a voz doce. Jehan já a havia ouvido antes, e se encantara. Mas direcionada a ele tinha um tom completamente diferente, de longe mais fascinante.
— Decerto! — Concordou. — Vejo que temos interesses em comum. Esta bela dama daria a este pobre camponês a honra de sua companhia neste tão deslumbrante fim de tarde? — Ele se curvou mais uma vez.
— Fala como um nobre. — Observou a jovem, sorrindo de canto.
— Talvez seja um disfarçado. — Disse, em tom divertido.
— Pois sei que não. — Ela riu, e o camponês se viu maravilhado pelo som de sua risada. Era cativante, bem como o olhar encantador. — O vi com o bardo e o ferreiro ontem à noite, saindo da taverna. Não parecia nem de longe um.
— Oh. — Surpreendeu-se ele, sentindo o rosto esquentar levemente.
De fato, não era o tipo de primeira impressão que planejava passar para a moça.
— Vejo que temos interesses em comum. — Repetiu ela, inclinando a cabeça em direção a taverna.
As palavras desapareceram da mente de Jehan por um breve momento, e ele não foi capaz de responder. Pensar naquela dama tão delicada num ambiente barulhento e sujo, repleto de bebida e brigas de alguma forma não lhe parecia correto. A jovem pareceu perceber o estranhamento do camponês, pois logo acrescentou:
— Melisende. É o nome desta camponesa cujo das bebidas gosta tanto. — Ela tentou imitar o tom usual de Jehan. — Fiz certo?
— Quase. — Riu o rapaz, recompondo-se. — Se é do interesse de bela donzela, este pobre camponês se dispõe a ensinar-lhe as mais variadas palavras. — Disse, em tom galanteador. — Acompanhado de uma caneca de cerveja, talvez? — Acrescentou, incerto.
— E qual seria o nome deste pobre camponês que me oferece bebida e conhecimento? — Indagou Melisende.
— Jehan, minha bela dama amante de álcool. — Ele se curvou novamente, sorrindo e estendendo a mão para a moça.
— Será um prazer, Jehan. — Concluiu, aceitando graciosamente a mão que lhe fora oferecida.
O camponês sentiu os dedos da jovem tocarem os seus próprios, e percebeu na hora que pertenciam a uma moça trabalhadora. Não eram brutos, mas estavam longe de serem delicados e frágeis. Eram macios, porém calejados, assim como os seus. O rapaz decidiu mentalmente que perguntaria, em outra oportunidade, com o que Melisende trabalhava.
E então, ele a guiou de forma cortês em direção a taverna. Ao entrarem, a costumeira algazarra pareceu diminuir por um breve segundo, no qual os olhares viraram-se para os recém-chegados. Mas tão logo as vozes voltaram ao volume original e os fregueses aos seus afazeres e diálogos barulhentos.
Jehan e Melisende sentaram-se à uma mesa vazia, e antes mesmo que o camponês pudesse pedir por uma bebida, duas canecas estavam sendo postas à sua frente. A camponesa sorriu para a mulher da taverna, antes de começar a beber sem cerimônia.
Aquilo era, sem dúvidas, diferente do que o rapaz havia esperado e sonhado, deixando-o sem reação mais uma vez naquele dia.
— E então — começou ela, entre um gole e outro —, não vai beber?
Só então Jehan lembrou-se da caneca em sua frente e pegou-a às pressas, levando-a até a boca. O gosto amargo não foi o suficiente para afastar o camponês de seus questionamentos internos, tampouco diminuiu o olhar intrigado que lançava àquela jovem.
Percebendo que seu acompanhante parecia ter dificuldades em começar um diálogo, a camponesa apressou-se em dizer:
— Aquela é minha irmã. — Ela indicou discretamente a mulher atrás do balcão. — Se isso alivia sua curiosidade.
— Certamente explica muito. — Concordou, bebericando mais de sua cerveja. — Devo supor que por isso se sente à vontade por aqui.
E assim, a conversa seguiu, bem como as canecas de bebida. A jovem era, além de tudo, uma companhia divertida e carismática. Se há algumas horas atrás Melisende era a mulher mais encantadora que Jehan já havia visto, agora era também a mais intrigante.
Embora o camponês tivesse vivido ao lado de alguém estudado o bastante para lhe ensinar palavras, a moça não tivera a mesma sorte, e assim que o assunto surgiu, Jehan pôs-se a ensinar-lhe o que vinha à mente naquele momento.
Os olhos intensos brilhavam a cada descoberta nova, e o camponês se viu motivado a lhe mostrar as mais diversas palavras, vendo a dedicação da jovem em aprender. Até ter uma de suas explicações interrompidas por uma voz alta vinda de trás de si.
— Ora, se não é meu amigo Jehan e a donzela do sorriso radiante! — Exclamou o bardo, animado, aproximando-se da mesa em que os dois se encontravam.
— Encantada com o elogio, bardo. — Ela sorriu enquanto acenava uma vez com a cabeça.
— Encantado fico eu, bela dama! — Ele fez uma reverência antes de sentar-se ao lado do camponês e fazer sinal com as mãos, pedindo uma bebida. — A propósito, este bardo atende pelo nome de Gidie.
— Muito prazer, Gidie. Agora vejo com quem o Jehan aprendeu tanto. — Riu a moça.
— É uma honra receber tal reconhecimento, cara donzela.
— Melisende. — Corrigiu Jehan. — Esta graciosa dama amante de álcool atende pelo nome de Melisende.
O bardo virou espantado do camponês para a camponesa, e voltou a encarar o rapaz, sorrindo maliciosamente. Mas antes que pudesse fazer qualquer comentário, recebeu um chute na canela por debaixo da mesa, acompanhado de um olhar ameaçador de Jehan.
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