A perseguição no beco era incessante. Os dois corriam no máximo de velocidade que seus corpos permitiam. Carlos sofria penalidade de velocidade graças aos ferimentos, corria mancando, no chão. Julia corria pelo teto, pulando de prédio em prédio, mas não podia ir muito rápido por conta do peso de seu rifle, e porque era necessário recarregar seus tiros que consumiam energia.
Ela carregou seu primeiro tiro, mirou enquanto corria; era um trabalho difícil segurar a respiração, manter a concentração enquanto carrega o tiro e enquanto dispara. Mas sua mira era precisa, mirou na cabeça de Carlos, mas ele já esperava por isso. No momento que ouviu o barulho do disparo ele se virou e criou uma barreira de gelo para bloquear o ataque. Havia feito isso por puro reflexo, imaginava que ela miraria para matar, então iria sempre bloquear a cabeça ao ouvir um disparo.
Ele achou errado. Eles não queriam o matar, mas sim debilitá-lo para ficar mais fácil de capturá-lo. O trabalho dos estagiários era levá-lo vivo até a FMU. Ela fazia disparos em sua cabeça unicamente porque sabia que ele bloquearia, dando a sensação de que ela queria matá-lo. Se Carlos mantivesse esse pensamento, Julia poderia mudar a mira e acertá-lo facilmente, pois ele iria bloquear a cabeça.
A perseguição não parou. Julia carregou mais um tiro de energia enquanto corria. Dessa vez ela mirou na perna de Carlos, que ao invés de bloquear a cabeça, usou sua mão para criar um pilar de gelo na parede que fez um impacto o suficiente para empurrá-lo no chão, desviando do disparo.
Carlos havia imaginado que aquele primeiro tiro era apenas para enganá-lo. Apostou nisso e tentou desviar de um jeito diferente na segunda vez; um jeito no qual mesmo que ela mirasse outra parte do corpo ele poderia desviar, isso o machucou, mas foi necessário para ele descobrir que não poderia ficar fugindo, pois os tiros dela seriam aleatórios a partir daquele momento.
Carlos continuou correndo com dificuldades. Através dos dois tiros, conseguiu calcular o tempo de intervalo para carregar um disparo. Enquanto planejava algo, outro disparo veio, por ser aleatório teve que tomar a mesma estratégia utilizando um pilar de gelo para jogá-lo longe, não poderia ficar fazendo isso devido aos ferimentos que eram causados pelo impacto.
Ele decidiu contra-atacar, esperou o próximo disparo, mas dessa vez se jogou no chão e criou um pilar de gelo que o jogou para o alto.
Julia fez uma cara de espanto, parecia não imaginar que ele tentaria subir no telhado, mas era apenas um blefe. Ela rapidamente reposicionou seu rifle e disparou contra Carlos que estava no alto, ele não poderia desviar e não poderia mudar a própria trajetória, então apenas tentou bloquear, mas como não sabia onde o tiro iria acertar, foi atingido.
O primeiro disparo de Julia não passou de uma finta. Utilizou menos energia e levou o mesmo tempo para carregar, tudo isso para enganar Carlos, dando a possibilidade de ela poder realizar um segundo tiro. Para conseguir dar dois tiros, a energia de cada projétil precisaria ser menor, por esse motivo Carlos não foi perfurado pelo disparo, apenas sofreu um impacto em seu peito o suficiente para deixá-lo sem ar por um tempo.
O rapaz caiu no telhado. Antes de deixá-la carregar, lançou com dificuldade algumas estacas de gelo. Sua mira estava horrível por conta da dor, o que fez com que Julia desviasse facilmente enquanto carregava mais um disparo.
Carlos havia notado que um pouco antes de Julia realizar um disparo, uma luz emana da ponta do cano do rifle. Teve uma ideia; resolveu usar isso a seu favor. Esperou a mira de sua inimiga focá-lo e durante a tentativa de fazer um disparo, ele criou um pequeno cristal de gelo. O cristal refletiu a luz cegando Julia temporariamente, que acertou de raspão o disparo no braço de Carlos.
O Crescente aproveitou o breve momento de cegueira dela. Lançou uma estaca de gelo que a atingiu em cheio no peito. A garota cambaleou e caiu com o joelho esquerdo apoiado no chão, ainda não estava morta, mas quase não conseguia se mover.
O rosto dela estava pacífico, seu olhar vazio e focado mostrava que já havia aceitado a morte, mas ainda estava se lembrando de algo. Carlos notou que ela estava pensando em algo, ou em alguém. A garota não desviava o olhar, mal conseguia respirar, mas tinha forças o suficiente para continuar lutando.
Julia estava em um dilema entre ativar o comunicador e avisar sua equipe ou realizar um último disparo no inimigo. Fechou os olhos, mordeu suavemente o lábio inferior e moveu a cabeça, como se estivesse pedindo perdão para alguém. Escolheu atirar em Carlos. Carregou o tiro.
O Crescente não iria deixá-la disparar, lançou uma estaca de gelo para finalizar, mas ela bloqueou com o rifle, não era algo que ele esperava. Se Julia disparasse, ele estaria morto. Não tinha energia o suficiente para criar uma barreira que fosse parar o disparo dela.
Carlos usou a pouca energia que lhe restava para criar um pilar de gelo em seus pés e impulsioná-lo. Julia estava prestes a atirar, mas ele conseguiu golpeá-la a tempo, fazendo com que ela caísse do telhado.
Julia morreu instantes depois do impacto no chão. Seu corpo ficou estirado enquanto seus olhos fitavam o céu acinzentado, que refletia sua escuridão nas pequenas pupilas da garota. Sua boca e sua barriga jorravam sangue; um sangue tão escarlate que se destacava em meio ao beco escuro e sem vida.
Carlos ofegava. Essa tinha sido a sua primeira batalha, foi muito difícil e ele quase morreu. Olhava do prédio o corpo da atiradora, seu olhar era de pena, nunca havia matado ninguém, mas sabia que aquilo era necessário.
Finalmente sua habilidade de Crescente começou a agir, por ter matado Julia, absorveu sua energia ficando mais forte. Um fluxo passou por seu corpo, curando um pouco suas feridas e diminuindo sua fadiga. Já conseguia andar novamente, apesar de estar mancando.
A absorção de energia era algo viciante para um Crescente. Carlos havia experimentado dessa sensação, agora seu pensamento havia mudado. Notou que precisava ficar mais forte para que pudesse passar por situações assim sem problemas. Agora sabia que batalhas iriam ser frequentes em sua jornada. Não poderia ficar com pena de um inimigo, tão pouco hesitar em suas decisões, mas precisava pensar em tudo estrategicamente.
Carlos pensou em improvisar para lidar com suas feridas. Congelou os buracos em sua perna e seu braço que haviam sido abertas devido aos disparos. Isso fez com que o sangramento parasse, embora a dor continuasse.
Do alto do prédio ouviu um barulho, um chiado vindo do corpo de Julia, era a sua equipe se comunicando com ela. Ele rapidamente correu.
— Ei, Julia, faça um relatório da situação. O que está acontecendo aí? Responda. — Era Heni que estava falando, sua voz estava ofegante. Desligou a comunicação ao notar que ela não respondia.
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Heni e Eliot corriam o mais depressa que conseguiam, estavam desesperados por não ouvir uma resposta ao tentar contatar Julia pelo transmissor. Não viam nada em sua frente, corriam com seus artefatos em mão enquanto esbarravam em pessoas que estavam no caminho. Os cidadãos ficavam assustados ao ver duas pessoas correndo com armas em mãos.
— Saiam da frente — gritava Heni a cada vez que esbarrava em alguém.
— Ei cara, calma. Pode ser que ela tenha quebrado o transmissor e já tenha derrotado ele. — Eliot tentava confortar seu amigo, embora havia dito aquilo, sabia que era muito improvável. Queria apenas acalmá-lo.
— Não seja idiota. Ela nunca deixaria que o transmissor fosse quebrado desse jeito… ela… ela nunca deixaria de se comunicar conosco assim. — Seus olhos lacrimejavam. Seu rosto estava sério. Estava tentando usar o vento que batia em seus olhos por causa da velocidade como desculpa por estar quase chorando.
Eliot não falou nada, apenas abaixou a cabeça e continuou correndo. Esse era o melhor jeito de fazer seu amigo se sentir melhor, com o silêncio. Após ambos estarem muito cansados e ofegantes, uma chamada pelo transmissor foi mandada. Era o líder da equipe, Dony.
— Ei, qual a situação? Vocês chegaram até ela?
— Não. — Heni manteve silêncio por alguns momentos, tentando tirar a preocupação da cabeça. — O transmissor dela foi quebrado. Estamos correndo para chegar ao final do beco. Ainda existe a possibilidade de ela estar seguindo com o plano.
— Certo. Me contatem assim que a encontrarem.
— Ok.
Finalmente chegaram até o final do beco, mas nem sinal de Carlos ou Julia. A rua estava movimentada; como qualquer outra rua. Não havia sinal de alguma luta ou conflito naquela área. Os dois começaram a vasculhar em busca de alguma pista, mas nada encontraram. Decidiram então adentrar o beco e fazer o caminho oposto de Julia.
Após algum tempo de caminhada, observando os arredores, encontraram vestígios de luta. Alguns buracos no chão foram encontrados, deduziram que seria os disparos do rifle de Julia. Depois disso, encontraram um pilar de gelo que estava derretendo. Após olhar e analisar o cenário, Heni ouviu o chamado de Eliot.
— Heni… — Ele parecia hesitante em continuar sua frase. — Eu a achei.
Ele imediatamente disparou na direção ao qual Eliot apontava, infelizmente seu ímpeto de animação foi destruído quase que instantaneamente. Viu o corpo de Julia ali estirado no chão. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver essa cena, imediatamente correu para perto dela e checou sua pulsação. Descobriu o que temia. Ela já estava morta. Heni a segurou em seus braços; chorando e lamentando sua morte. O céu tornava a cena muito mais triste e melancólica. O cinza fazia com que para ele tudo deixasse de existir, era como se apenas os dois estivessem ali em meio a uma escuridão solene.
Eliot apenas abaixou a cabeça. Não disse nem uma palavra enquanto Heni a abraçava, mas era possível ver lágrimas escorrendo por todo seu rosto.
Após um tempo, os dois receberam uma chamada. Era novamente Dony os contatando. Estava preocupado por causa da demora deles em entrar em contato.
— Eliot, relatório. Você os encontrou?
— Ele a matou. — Sua voz estava fraca e melancólica, Dony notara isso, mas não comentou nada sobre. — Julia está morta.
— Volte imediatamente. — A voz de Dony estava normal, parecia não estar se preocupando com o que aconteceu.
— Não posso, aquele Crescente desgraçado ainda está por aí, preciso ir atrás dele. — Heni soluçava enquanto tentava argumentar.
— Não desobedeça a uma ordem. — Seu tom de voz era imperativo e calmo. — Temos que nos reagrupar e voltar para a FMU.
— Não posso — retrucou Heni que não acreditava na decisão de retirada de seu líder.
Depois de algum tempo em silêncio, Dony disse:
— Você vê algum rastro de sangue?
— Si… Sim. Eu vejo.
— Ele acaba em algum lugar?
— Sim, a alguns metros daqui.
— Se a trilha de sangue acaba é porque ele se recuperou após matar Julia. Ele deve estar mais forte também. Você precisa se lembrar contra que tipo de inimigo estamos lutando. — Dony fez uma longa pausa, parecia estar nervoso e tentou se controlar o máximo para se expressar. — Ele é um desgraçado que rouba a energia dos outros. Sei que você a amava, mas não posso perder mais nenhum companheiro. Então por favor, volte. Prometo que iremos vingá-la.
Heni pensou muito. Ainda estava cego de raiva, mas depois de um tempo se acalmou e viu que o que Dony disse era verdade. Não poderia lutar contra Carlos; o melhor a se fazer era se retirar.
— Tudo bem, nós estamos indo — disse Heni com um pesar no coração.
Ambos saíram do beco; Eliot de cabeça baixa e Heni carregando o corpo de Julia.
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Carlos conseguiu fugir dos estagiários, por pouco não se encontra com Heni e Eliot. Conseguiu se esconder antes de o acharem.
Estava bem ferido, por sorte suas habilidades regenerativas o pouparam da morte, mas precisava encontrar um médico urgente. Não sabia como faria para achar alguém que poderia confiar para ajudá-lo, mas precisava encontrar. Suas feridas congeladas o fariam ganhar tempo.
A batalha contra a equipe de Dony havia sido uma experiência importante para Carlos. Ele adquiriu experiência de combate e descobriu como realmente funcionava o mundo. Descobriu que a segurança que tinha na FMU havia acabado, agora estava em um mundo perigoso que poderia destruí-lo se não fosse esperto o bastante para lidar com ele. Com certeza Carlos mudou depois de ter lutado contra Julia, havia ficado mais forte e havia experimentado a sensação de uma batalha contra um inimigo habilidoso.
Mas tudo isso foi apenas o começo de sua jornada. Ainda existia muito caminho a ser percorrido e inimigos mais poderosos a serem enfrentados.
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