— Pois bem. — Serena continuava com seu olhar gélido, mesmo após Carlos ter mentido sobre seus hematomas. Ela não se importava. — Não vou cobrar nada pelo tratamento. Siga-me.
E assim Carlos a seguiu, enquanto Kelvin ficou na sala, esperando sentado no sofá confortável; olhou seriamente para os dois enquanto saíam da sala, pegou na mesa um caderno de palavras-cruzadas e começou a fazê-lo.
Desceram uma escadaria até um porão. Era um lugar meio estranho, um pouco diferente do conforto que havia nos outros cômodos da casa, mas era bem iluminado e tinha todos os materiais necessários para ela trabalhar. Isso já bastava para Carlos.
— Você pretende fumar enquanto cuida de meus ferimentos? — indagou Carlos, meio desconfortável com toda aquela fumaça.
— Não se preocupe. Não costumo fumar enquanto trabalho. Pode se sentar ali — Serena apontou para uma maca de ferro no meio do porão. — Apenas irei fazer uma checagem.
— Certo.
Carlos se sentou na maca e Serena começou a fazer a checagem. Ocorreu tudo bem, não havia nada de suspeito quanto a isso, mas o Crescente continuava com um pé atrás com toda aquela situação.
A médica começou a anotar algo em seu caderno. Carlos não conseguia ver o que era, mas ela anotava intensamente como se estivesse criando alguma estratégia de guerra. Seu rosto também fazia com que essa impressão fosse mais forte. O crescente ficou olhando e pensou que aquilo poderia ser normal para um médico. Ela poderia estar séria e querendo salvar a vida dele.
Após um momento de análise, finalmente começou a falar.
— Os cortes não são muito profundos. O congelamento ajudou a reduzir o sangramento, mas isso já é algo que você sabia. O único problema são as feridas de bala, elas são um pouco mais profundas, mas não é nada que o coloque em perigo. Farei alguns pontos e colocarei gazes. Te darei alguns analgésicos para passar a dor.
— É apenas isso? — Carlos ficou um pouco confuso, tudo parecia simples demais, ficou desconfiado com o fato de ela não ter se impressionado com o congelamento em suas feridas; uma pessoa normal não agiria tão indiferentemente quanto a isso. Ele parecia estar pior e aquelas anotações da médica pareciam suspeitas.
— Sim, não é tão grave quanto você imaginou. De fato, se as feridas não forem tratadas, isso pode fazer sua situação se agravar.
— Isso é um pouco estranho.
— Se você estiver desconfiado de minha análise médica, eu posso te recomendar outras clínicas que irão atender melhor suas expectativas.
— Não conheço nada deste lugar. — Carlos a encarou com um olhar sincero, mas ainda desconfiado da situação. — Então se você recomendar alguém que você conhece, vai ser a mesma coisa.
— Então está dizendo que desconfia de minhas habilidades? — Ela curvou levemente a cabeça para frente, com dúvida no rosto.
— Não. — Carlos olhou seriamente a médica, fez uma pausa para falar. — Estou dizendo que desconfio de seu caráter.
A médica apenas deu um sorriso, não era algo que fazia regularmente, mas havia achado divertido a honestidade do rapaz. Ele estava em suas mãos, mesmo assim tinha a audácia de dizer que não confiava nela.
— Entendo. Então o que pretende fazer? — Ela tragou o cigarro e soltou uma fumaça suave. Com um olhar penetrante encarou o Crescente. — Você pode ir embora a hora que quiser.
— Vou continuar aqui. — Ele decidiu isso com uma firmeza eu sua fala.
— Está me dizendo que desconfia de mim, mas vai continuar o tratamento médico? — Ela arqueou suavemente a sobrancelha direita.
— Não me entenda mal, doutora. Não espero ser enganado, e por algum milagre seja salvo.
— E então?
— Só acho que não tenho opções. Existe a chance de acontecer a mesma coisa em outra clínica e eu ficar desconfiado. Se eu ficar procurando pela cidade inteira atrás de ajuda, poderia acabar morrendo. A minha única opção é você. Apenas apostarei tudo e depois resolverei qualquer problema que aparecer.
— Você parece um pouco confiante quanto a isso. Está realmente disposto a arriscar?
— Sim. Estou disposto a tudo para sobreviver.
— Entendo. Então começaremos esse jogo.
Serena se referiu a tudo aquilo como um jogo. Carlos não entendeu o que ela quis dizer, não pensou muito nessa escolha de palavras, apenas continuou seguindo com aquilo. Se for para jogar um jogo, com certeza ele ganharia, era o que pensava. Tudo se resumia a estratégia, mas naquele ponto o que importava era apostar e o Crescente havia apostado suas fichas.
A médica começou a tratar dele, primeiro começou a descongelar todo o gelo que restava, após isso, começou a fazer os pontos a partir dos ferimentos mais profundos. Como as balas eram de energia, não foi necessário se preocupar com elas. Com todos os pontos feitos, começou a colocar as gazes nele. Tudo foi um processo simples e rápido, Carlos ainda sentia um pouco de dor.
— Aqui. Tome esses analgésicos, eles irão aliviar a sua dor. — A médica estendeu as mãos, mostrou os comprimidos para ele, e esperou que ele os pegasse.
— Isso só irá aliviar as minhas dores, não é? — Ele a olhou desconfiadamente.
— Sim. Esses comprimidos sim.
— Então não os aceito. Está tudo bem para mim, é só aguentar a dor por um tempo, acho que é uma jogada menos arriscada. — Ele resolveu entrar na dela, utilizando os mesmos termos ao falar.
— Entendo. — Ela encolheu os braços e colocou os comprimidos na mesa. — Você realmente não precisa tomá-los.
— Certo. Então está tudo terminado? — Perguntou Carlos enquanto se levantava da maca, parecia estar bem.
Serena não o respondeu, apenas o encarou com um olhar sério. Era como se estivesse analisando a situação, esperando algo. Aquilo causou uma sensação desconfortável no Crescente.
Repentinamente, uma dor começou a crescer em seu corpo. Ficou imóvel, enquanto a dor foi ficando cada vez mais forte. Era como se minibombas estivessem explodindo por toda a sua corrente sanguínea. A dor foi se intensificando e ele começou a suar. Aos poucos, foi se abaixando até ficar de joelhos com a mão direita apoiada no chão. O suor estava ficando mais intenso, começando a pingar.
– O… O que v-você fez comigo? — Carlos estava tendo dificuldades para falar, sua garganta estava seca e a dor o impedia de raciocinar bem. – O… que… d-diabos é isso?
— Você está se sentindo bem? — A médica tinha um tom sarcástico na voz, mas Carlos não conseguiu notar isso por conta da dor. — Se estiver com dores você pode tomar esses analgésicos.
— Me dê eles. — Carlos os pediu sem pestanejar, estava cada vez mais curvado e quase que se estirava no chão.
— Certo… aqui estão eles. — A médica não tinha nenhuma pressa em entregar os comprimidos para ele. Estava brincando e se divertindo com a situação.
Estendeu as mãos e entregou os dois comprimidos para o rapaz, que rapidamente os tomou de sua mão. Carlos colocou os comprimidos na boca com rapidez, nem pensou no que aquilo poderia ser ou se traria alguma consequência, apenas os engoliu e continuou no chão esperando que algo acontecesse.
— Eu venci — disse a médica olhando para o Crescente debilitado no chão. Tinha um sorriso satisfatório e seu olhar continuava frio. Aproveitou o momento para fumar um cigarro.
— Ve-venceu? O que quer dizer com isso. — Carlos notou que sua dor começou a sumir aos poucos. Era como se seu corpo estivesse sendo limpo de algo. A dor começou a esvair, começando pelas pontas dos pés até chegar ao corpo. E assim sumiu completamente. — O que foi isso? A dor… Ela sumiu repentinamente… Qual o seu jogo? O que você queria com tudo isso?
Carlos sentiu que havia se metido em um problema. Não pôde pensar em nada a não ser que aquilo havia sido culpa dele mesmo.
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