Uma carroça percorre a estrada de barro. Um silêncio se alastraria por todo o caminho se não fosse o trotar dos cavalos. Cavalos esses que correm incessantemente, sem direito a descanso. São comandados por uma pessoa que está com pressa em chegar a seu destino, essa pessoa é Eliot, um estagiário da Fundação da Matriz Universal. Enquanto comanda os cavalos, seus olhos estão focados na estrada, não desvia o olhar por nada, nem para olhar para seus companheiros.
Sete pessoas estão na garupa da carroça — um transporte rústico de madeira, sem qualquer conforto, — cada um mantém uma expressão diferente, mas ninguém olha nos olhos do outros. Seus pensamentos são diversos. Enquanto escutam o barulho do trotar dos cavalos, ninguém ousa conversar um com o outro, nem ao menos fazer um simples comentário. Não por se odiarem ou qualquer coisa do tipo, mas o que experienciaram, os deixaram sem palavras.
O líder deles está sentado na beirada esquerda olhando para as planícies e montanhas, que cobrem grande parte da paisagem. Seu pensamento está em seus companheiros; pensa no que havia acontecido há algumas horas. Tenta esconder seu sentimento de culpa, está segurando o choro para não tornar a situação ainda pior, seu juramento foi ser um bom líder, e assim ele seria, mesmo que os momentos estivessem difíceis. Seu olhar vazio e despreocupado faz sua figura se tornar imponente, parecendo não estar preocupado com a situação; pensou ser a melhor maneira de lidar com isso. Ninguém o questionou, nem ao menos o culpou, isso apenas tornava as coisas piores. Não conseguia tirar da cabeça que havia traído a confiança de seu grupo, que o seguia cegamente. Dony havia experimentado a sina da liderança.
O irmão do líder está no lado oposto, na beirada direita. Sua cabeça está baixa, desviando o olhar das imponentes montanhas. Nem mesmo ele sabia o pensamento que deveria ter naquele momento, pensava em várias coisas, ao mesmo tempo que se arrependia de pensar nelas. Tentava imaginar o que faria se fosse o líder no lugar de seu irmão. No início, os dois disputaram para decidir quem iria liderar a equipe "Justiça" — que faz parte da Unidade de Combate da FMU, — mas Dony acabou tomando a liderança. Agora estava se sentindo feliz por não ser ele, também se sentia triste por seu irmão, queria abraçá-lo, pedir desculpas por ter esses pensamentos egoístas. Drake queria dizer que estaria sempre com ele, não importa as decisões que seu irmão tomaria. Infelizmente, apenas ficou em silêncio.
Na parte de trás, encolhido e com o rosto escondido entre os braços, estava Luca. Sua mão esquerda havia sido decepada, estilhaçada pelo inimigo, estava enfaixada. Tremia, não conseguia fazer seu corpo parar com essa ação, que para ele, era deplorável. Seus olhos estavam cheios de desespero; lacrimejava. Cobriu o rosto para que seus companheiros não o vissem nesse estado. Seus pensamentos eram de culpa, se arrependeu de não ter feito nada naquela luta, nem ao menos tentado. Se perguntara onde estava toda aquela confiança que demonstrava em todos os seus treinos. Mesmo utilizando dois artefatos, foi o mais inútil, hesitou em tomar qualquer ação e deixou uma amiga ser morta, e para Luca, isso era imperdoável.
No meio da carroça, Mariana estava inconsciente ao lado de sua irmã morta — coberta por um manto — seu estado era grave, ninguém, naquele momento, saberia dizer se ela sobreviveria ou não. Seu peito foi perfurado por uma estaca de gelo, a ferida era enorme. Ainda não sabia da morte de Julia. A carroça corria rapidamente para chegar até a FMU; poderia ter uma chance de ser salva.
Ao lado esquerdo de Mariana, estava Hanak. Seus olhos estavam fechados, sua respiração era calma, apesar de estar sem seu braço direito. Ele era um bom lutador, se perguntara o por quê de ter sido tão tolo naquela batalha. O rapaz abre seu olho direito, tenta ver as expressões no rosto de seus companheiros. Sempre que o clima estava tenso, era a primeira pessoa a dizer palavras gentis, mas desta vez fechou o olho direito novamente, preferindo ficar em silêncio. Pensou que, respeitar os sentimentos de seus companheiros seria a coisa mais gentil a se fazer, até o fim da viagem. Não se queixou de sua dor no braço, não demonstrou estar abalado, apenas se manteve firme.
A última pessoa consciente estava ao lado direito de Julia, seu namorado Heni. Seus olhos estavam vermelhos e desolados. Seu choro silencioso cantava em meio as lágrimas derramadas. Embora estivesse sofrendo, seu olhar não desviava por um segundo do corpo dela. Seu pensamento era unicamente de culpa. Estava pensando em como tudo aquilo poderia ter sido diferente se não a tivesse deixado ir sozinha. Ele dizia ser o escudo que a protegeria por toda a vida. Ao pensar em sua própria promessa, viu o quão vazia ela era. Sentia raiva, mas de si mesmo. Não culpava seu inimigo, não culpava seu líder, nem seus companheiros. Pensava, naquele momento, que ele mesmo havia trazido essa escuridão e vazio para seu coração.
Por toda a viagem, eles se mantiveram em silêncio. Aquilo havia sido uma experiência de vida para a equipe. Ao entrar na FMU, acreditavam estar seguindo seus sonhos. Quando entraram naquela organização, cada um tinha um ideal a seguir. Pensaram estar fazendo a diferença, pensaram que ao se tornarem fortes, poderiam ajudar os outros. Quando um "vilão" apareceu, seus sonhos de lutarem contra o mal foram realizados, mas logo em seguida, isso se tornou um pesadelo. Seus corações haviam sido quebrados, em meio a uma visão romantizada de heroísmo.
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Um grande prédio era visto no horizonte. Eles estavam perto de uma sede da FMU. Era uma estrutura com diversos andares, totalmente discrepante com a paisagem no qual ela estava. A estrada dá diretamente para a entrada, um lugar com um enorme jardim muito bem cuidado, com diversas pessoas passeando por lá — em sua maioria alunos. — À primeira vista, parece um lugar que qualquer pessoa sonharia em morar.
Eliot avisa para os outros.
— Estamos chegando. — Foram as primeiras palavras dele, após várias horas de silêncio.
Os outros estagiários apenas olharam em direção à FMU. Não disseram nada. Se preparam para se levantar. Após longas horas de viagem, seus olhares estavam vazios, mas não deixaram de ficarem felizes por terem chegado. Poderiam finalmente levar Mariana para ser tratada.
Chegaram. Alguns médicos já estavam de prontidão, haviam sido contatados pela equipe muito antes.
Com cuidado, Dony e Eliot desceram Mariana da carroça, ela ainda estava inconsciente, mas respirava, isso os aliviou. Os médicos a colocaram em uma maca. Logo em seguida, Drake e Heni desceram da carroça carregando o corpo de Julia. Também a colocaram em uma maca. Carregaram o corpo de ambas para dentro da sede.
— Podem ir com as duas — disse Dony com um olhar cansado, apontou para Luca e Hanak. — Vocês dois também precisam de tratamento.
— Você não vem? — questionou Drake enquanto ajudava os companheiros feridos a descerem da carroça.
— Eu... preciso fazer um relatório e contatar um responsável. — Ele sabia que poderia fazer isso depois, mas não se sentia bem, precisava ficar um pouco sozinho. — Vou visitá-los depois. Apenas me mantenha informado sobre o estado da Mariana.
— Tudo bem.
Dony passou por Heni de cabeça baixa, com uma expressão de angústia. Heni não o encarou, não disse uma palavra, poderia ter o questionado o porquê de não ter falado nada sobre a morte de Julia, mas sabia que seu líder já estava muito abalado e se culpava pelo fato, decidiu o deixar em paz. Todos notaram isso e também resolveram não falar nada.
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Dony estava sentado, com o corpo arcado, de cabeça baixa; seus cotovelos se apoiavam em suas pernas enquanto ele segurava sua cabeça com as mãos. Estava em um corredor que se estendia até uma sala de aula. Suspirou quando pensou em todo o confronto que teve mais cedo.
Ele ouve passos, se ajeita e vira para olhar. A pessoa que ele menos queria ver apareceu, uma mulher com longos cabelos loiros e olhos vermelhos, que vestia um jaleco pertencente a FMU; é Alessandra. Ela caminha calmamente em sua direção, enquanto mantém o olhar confiante de sempre. A mulher se aproxima sem falar uma palavra. Geralmente, nesse momento, Dony levantaria e a cumprimentaria em um sinal de respeito; era o que todos naquele lugar fariam, dada a posição de Alessandra naquela organização. Mas ele apenas levantou o rosto e a encarou; seu olhar era penoso.
— Você veio dizer que tinha razão? — questionou ele enquanto levantava lentamente.
Alessandra demorou a responder, apenas o encarou. Deu um longo suspiro e mudou seu olhar, agora mantinha uma expressão gentil no rosto. Dony ficou um pouco surpreso com isso.
— Não — respondeu ela sinceramente. — Apenas vim ver como você está.
— Por que? — Dony não acreditava naquilo, Alessandra era sempre gentil com qualquer um, mas nunca havia visto ela sem seu olhar confiante.
— Isso é culpa minha. — Ela se entristeceu.
— Do que está falando, mestra?
— Eu não devia ter dito aquelas palavras, apenas. Eu deveria ter o impedido de liderar tal missão.
— Então... o problema foi a minha liderança? — Dony não ficou surpreso com aquilo, também tinha suas dúvidas sobre sua própria liderança.
— O problema foi a minha negligência. Você é um ótimo líder, Dony. — Ela deu uma pausa, sabia o que dizer a seguir, sabia a reação que ele teria, mas se preparou para falar. — Mas não estava preparado para isso.
— Eu estava confiante demais. — Ele desviou o olhar, concordava com sua mestra, estava ciente de seus erros. — Achei que poderia capturar aquele monstro facilmente, e com isso, nós poderíamos ter a glória na FMU. Fui patético e infantil, eles não merecem uma pessoa como eu os liderando.
Alessandra notou no garoto todo o peso que ele estava sentindo no momento. Ela já sabia sobre o que havia acontecido, sobre os feridos e a morte de Júlia. Dony era jovem, ter o peso de uma morte em suas costas tão cedo, não era algo fácil de suportar. Os ideais da organização haviam feito mais uma vítima. Alessandra se sentia culpada por saber o que ia acontecer e não fazer nada para impedi-los.
Ela havia começado a treinar a equipe de Dony recentemente, quando finalmente se tornaram estagiários — este é apenas um apelido dado aos alunos que começam a fazer missões fora da organização, ganhando recompensas e prestígio. — A equipe do rapaz estava frenética e animada por terem ganho suas próprias Catabolists — armas utilizadas em combate pelos estagiários, — com tanta confiança, aceitaram sua primeira missão, capturar uma pessoa. É claro que foram dadas informações sobre o alvo deles, mas não o motivo de tal missão.
Ao verem as habilidades do alvo, nenhuma outra equipe quis aceitar a missão, Dony apenas achou que eles eram covardes que não honravam a organização.
Alessandra se arrepende por ter deixado aqueles jovens impetuosos sozinhos. Eram apenas crianças que tinham sonhos, com esperanças florescendo em seus corações. Assim como ela, queriam um mundo melhor, era para isso que estudavam na FMU. Eram com esses sonhos e esperanças que a organização foi criada, esses sentimentos um dia foram a verdadeira motivação de seu amigo; dono daquele lugar.
— Uma amiga morreu... e... – As palavras de Dony começaram a fraquejar. – Outros ficaram feridos, fui tão covarde que... não consegui nem os encarar, não consegui nem dizer uma palavra para Heni. Eu...
As palavras de Dony foram interrompidas por um repentino abraço dado por Alessandra. O garoto ficou espantado e sem reação, diante daquele abraço caloroso e carinhoso. Não sabia o que fazer, após alguns segundos nos braços de sua mestra, começou a se sentir triste. Todo o peso que estava sentindo, começou aos poucos a desaparecer, era como se estivesse nos braços de uma mãe. O garoto sentiu uma enorme vontade de chorar, até o momento estava se segurando, queria parecer forte e não preocupar sua equipe, mas não aguentou. Desabou em lágrimas.
Dony havia experimentado o mundo como ele era. Toda sua inocência e visão sobre como deveria ser um herói foram abaladas. O abraço de sua mestra foi uma luz em meio a escuridão em que ele se encontrava. Suas lágrimas o ajudaram a perceber o quão difícil é ter vidas dependendo de sua liderança. Não poderia depender apenas de sua coragem e confiança, precisava tratar a vida de seus companheiros com respeito e saber que perdas podem acontecer. Era um fardo que agora ele sabia que existia; faria o possível para lidar com ele. Mesmo que as esperanças de sua equipe estejam perdidas, fará de tudo para recuperá-las.
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