Carlos caminhou pela multidão, esbarrando em algumas pessoas enquanto ficava atento a possíveis furtos. Chegou na entrada e olhou novamente para o letreiro. "Experiência da Leitura" dizia a placa; era apenas um nome comum e não condizente com o que ele buscava. Se aquilo era mais uma pista dizendo que o óbvio em junção ao desconhecido e sem sentido era o caminho certo, não saberia. Não sabia o raciocínio que sua mestra tinha, mas sabia que poderia estar fazendo o que ela queria, e isso era bem assustador para ele. Ao ter esses pensamentos, sentiu um calafrio antes mesmo de entrar na loja, como se seu destino não estivesse sido escolhido. Não deixou de imaginar se Serena fazia parte de seus planos.
A porta rangeu ao ser aberta, o tilintar do sino preso nela anunciava um novo freguês. Carlos entrou e fechou a porta. Sentiu um aroma diferente naquele lugar, a madeira velha exalava um odor calmo e relaxante, o piso era macio e não fazia tanto barulha ao caminhar sobre ele. A livraria era organizada, apesar de parecer muito antiga devido a textura envelhecida, os livros eram muito bem cuidados. O dono parecia fazer um trabalho constante de limpeza. O Crescente se aproximou do balcão.
O dono era um homem de meia idade; tinha uma expressão recorrente no rosto por conta das rugas e marcas de expressão. Seu cabelo era ralo, mas os únicos fios que existiam eram esbranquiçados e pareciam fazer força para se manterem na cabeça dele. Andava meio arcado, mas não aparentava sentir dores, na verdade, parecia bem saudável para quem era dono de uma livraria antiga. Sua voz era bem suave e cortês, combinando com a refinada roupa que vestia.
— Seja bem-vindo, cavalheiro. — Sua postura calma fez com que Carlos estranhasse, afinal, os vendedores no pátio eram todos escandaloso, mas não era algo tão impressionante já que as pessoas eram bem diferentes naquele lugar. — Em que posso ajudá-lo?
[Bortoluzzo]: Ha ha ha! Contando isso agora, não dá para deixar de notar que esse vendedor parece um NPC criado em menos de 5 minuto de planejamento.
[Maria]: Não interrompa a própria história para contar uma piadinha. Isso é anticlimático.
[Bortoluzzo]: Não, é sério, vai dizer que não parece um velhinho genérico?
[Maria]: Apenas continue a história de uma vez.
Carlos não sabia o que responder na hora, ficou paralisado pensando, o vendedor ficou esperando alguma reação. Queria informações sim, mas não sabia o que perguntar, como aquilo era uma livraria, resolver fazer a pergunta mais óbvia — mesmo sabendo que aquilo poderia ser o caminho certo, seria bem estranho existir um livro sobre isso.
— Você tem algum livro relacionado ao Círculo Mágico? — perguntou ele com medo da resposta.
— Círculo Mágico... — O velho colocou o dedo na boca e abaixou as pálpebras, estava pensativo — Círculo Mágico... Hum. É algum tipo de livro infantil?
— Não... — Carlos disse desanimado, acabou de perder as esperanças ao notar que o velho não sabia sobre aquilo. Se virou e começou a caminhar em direção a porta. — Deixa para lá.
— Espere, jovem. Vou procurar aqui nos arquivos de registro. — O velho pegou um enorme livro debaixo do balcão e começou a folheá-lo. — Isso pode levar um tempo, se você não estiver com pressa pode esperar um pouco.
— Tudo bem, eu espero. — Carlos voltou para frente do balcão.
— Você sabe sobre o que é esse livro? O gênero dele?
— Não sei nada sobre. Talvez algo... mágico?
— Isso não ajuda, mas vou tentar procurar apenas pelo nome.
Nesse momento o sino da porta tocou novamente, era Kelvin entrando com várias sacolas de produtos comprados na feira. Se aproximou sem fazer perguntas, estava respeitando o silêncio do lugar. O cheiro dos produtos que carregava era forte, mas o velho não se importou, continuou procurando informações sobre o livro que Carlos queria. O perfume das frutas foi o suficiente para chamar a atenção de alguns clientes da livraria, fitaram seus olhares no relojoeiro e logo em seguida voltaram a procurar o que precisavam. Haviam quatro clientes na loja, sendo três mulheres e um homem. Logo em seguida, o sino tilintou novamente e uma mulher entrou no estabelecimento.
— Vejo que a loja está bem movimentada hoje. — O velho deu um pequeno sorriso de alegria celebrando o fato. Ao ver a expressão do dono da livraria, Carlos notou que aquilo não era um fato recorrente.
— Olá, senhor Jeremias. — Ela deu um pequeno sorriso agradável para o velho que respondeu com o mesmo. Olhou para Carlos e Kelvin e os cumprimentou com a cabeça. — Vou dar uma olhada na seção de sempre.
— Fique à vontade.
A mulher passou por eles e sumiu de vista em meio a biblioteca.
— Desculpe a demora. — Jeremias o olhou e deu um suspiro. — Não tenho muitas informações sobre o livro que o senhor quer, então fica difícil procurar.
— Não tem problema. — Carlos apoiou o braço direito no balcão e se inclinou, estava esperando pacientemente. — Posso esperar.
Kelvin o olhou com dúvidas, sabia que ele não tinha muito tempo, isso o fez perceber que achar aquele livro era importante para o rapaz. Conteve a curiosidade novamente fazendo uma expressão de angústia por querer saber sobre ele.
— Ah, aqui está — o velho falou repentinamente fazendo Carlos arregalar os olhos. — Tem um livro chamado "O Círculo Mágico". Existe apenas um em estoque. Desculpe, está tudo organizado por nome e gênero, então eu estava procurando na letra C.
Ao descobrir que o livro existia, seu coração começou a palpitar, seu corpo gelou, ficou paralisado com uma expressão de assustado. Não apenas pelo fato de o livro existir, mas também por existir apenas um único volume em estoque. Aquilo deixou sua mente em terror. Carlos havia convivido muito tempo com Alessandra, sabia de seu poder, mas não de sua extensão. O fato de ela provavelmente ter meticulosamente o levado aquele lugar onde encontraria o que estava procurando, fez com que ele transformasse a imagem que tinha dela, de uma pessoa gentil e poderosa para um monstro que consegue calcular as possibilidades e influenciar a vida dos outros facilmente. Sentiu um medo repentino ao saber que agora ela era sua inimiga junto com toda aquela organização que, provavelmente, teria pessoas tão fortes quanto ela.
— O que foi? Não era esse o livro que você queria? — O velho ficou preocupado com a expressão de terror nos olhos do jovem.
— Si-sim, é esse livro mesmo. Só estou um pouco nervoso por ter o encontrado depois de tanto tempo. — O velho continuou com um olhar de preocupado, não parecia ter acreditado naquela mentira. Kelvin também o olhou estranhamente. — Ele está aqui há muito tempo?
— Faz uns 3 anos, não é um livro publicado. O escritor vendeu alguns exemplares para mim. Apenas esse restou.
Com isso, notou que poderia estar sendo absurdo em pensar que Alessandra teria calculado tudo isso. Carlos pensou que talvez ela tenha perguntado previamente sobre esse livro; com essa informação ela o tenha levado até aquele lugar, não era algo tão difícil, mas esse pensamento foi interrompido com um complemento do velho.
— Esse não é um livro muito popular, você foi a primeira pessoa a procurar por ele especificamente.
— Você tem certeza disso?
— Sim, estou velho, mas minha memória ainda é boa. — Com um sorriso, ele deu dois toques na cabeça com o dedo indicador. — Posso não ter lembrado de primeira quando você me perguntou, mas eu tenho certeza que quem comprou os outros exemplares, fez isso sem me perguntar sobre ele.
— Entendi, obrigado pela informação. — Isso aliviou Carlos por um momento, dependendo do conteúdo, poderia saber se mais alguém estava atrás do Círculo Mágico, visto que ninguém havia perguntado sobre o livro e sim os comprados aleatoriamente.
— Sabe, eu recebo poucos clientes nessa loja, então geralmente tenho curiosidades sobre suas aquisições. Tudo o que eu disse me faz pensar no porquê de você estar interessado neste livro tão impopular.
— Bem, eu... sou um viajante. — Carlos inventou uma desculpa rápida, o que fez com que parecesse uma pessoa estranha ao falar, — que coleciona livros espalhados pelo mundo.
Kelvin fez uma careta e decepcionado colocou a mão no rosto, não pelo fato de ter detectado a mentira, mas sim por ter dito aquilo que resultaria em um preço maior pelo livro. O relojoeiro sabia como funcionavam as negociações naquela cidade, nem mesmo um inocente velhinho escapava da ambição estagnada naquela área comercial.
— Entendo, entendo. — Jeremias fechou o livro de registro e o guardou. Rapidamente andou até o meio da biblioteca e pediu para que o seguissem. — Venham, mostrarei onde está o livro.
Ambos seguiram o velho até o meio da biblioteca onde o livro se encontrava. Estava bem escondido em uma seção de ficção, aquilo deixou Carlos meio desconfiado, poderia ser um engano, ainda assim não deixou de pensar no porquê disso. Kelvin permaneceu em silêncio e apenas observou o homem pegar o livro na prateleira.
"O Círculo Mágico" era um livro grande, tinha uma capa bem simples que não chamava a atenção, talvez as outras pessoas o tenham comprado pela premissa descrita em sua parte de trás que, ao Carlos olhar, notou que não tinha nada a ver com o que buscava. Se tratava de uma aventura reflexiva que envolvia elementos de jogos, não citava nada sobre artefatos lá. Decidiu que ainda assim precisava levar aquele livro, poderia ter alguma pista dentro dele que o ajudaria, afinal, era a única coisa que restava a ele.
— É esse livro? — perguntou o velho, agora com um sorriso meio estranho no rosto.
— É... — Carlos ainda estava distraído olhando o livro, respondeu com uma voz distante.
— Bom, então são 500 Whafis.
— O que? — Kelvin soltou um grito que tirou o silêncio da biblioteca, estava inconformado com o preço daquele livro. — Você só pode estar maluco.
Carlos sabia que a palavra Whafis significava dinheiro, conseguiu essa informação em alguns dos diversos livros que lia enquanto estava na FMU, mas não tinha nenhum desse dinheiro com ele.
— Esse livro não vale nem 50 Whafis — gritou Kelvin novamente— Você está tentando enganar ele.
— Não estou tentando enganar ninguém, meu jovem. — O velho agia calmamente, também parecia ser experiente em negociações. — Esse é o preço do livro, mas eu posso fazer um desconto de 100 Whafis.
— Não seja mentiroso, não existe nenhum motivo para esse livro ser tão caro, o senhor mesmo disse que ele era impopular. Pagarei apenas 60, e estou sendo bonzinho ao aumentar o preço.
Carlos não falou nada ao ouvir que Kelvin iria pagar pelo livro, afinal não tinha nenhum dinheiro com ele. Não se importava como iria adquirir o que queria, mas pelo menos conseguiria fazer isso sem utilizar violência. Isso era importante para manter a discrição e não gerar problemas.
— Sim, mas não existem muitos exemplares no mundo, isso o torna raro. — Continuou o velho, agora mais empolgado em tentar vender o livro. — Olha, abaixo para 350 e não se fala mais nisso.
— Se fez um desconto tão grande, não vai se importar em fazer mais, não é mesmo? — Kelvin deu uma risada contagiante, fazendo o velho ceder um pouco mais.
— Certo, certo, vou abaixar para 300, mas aviso que está tirando o sustendo dos meus netinhos, senhor.
— Com esse preço, você não deve estar com tanta vontade assim de vender o livro para sustentar seus netos. — Kelvin puxou Carlos rapidamente e começou a caminhar, deixando o velho sozinho. — Bom, nós podemos achar esse livro em outro lugar provavelmente, não deve ser tão raro assim como você diz.
O velho ficou perplexo e não sabia o que fazer, hesitou várias vezes, mas no final acabou os chamando de volta.
— Ei, espera, espera. — Ele correu com o livro na mão, sua velocidade era bem baixa por causa da idade. — Está certo, eu vendo por 150 e é só o que eu posso fazer.
— Se me vender por 150, posso voltar novamente e ajudar outro cliente seu a negociar, que tal? — Kelvin mantinha um sorriso assustador no rosto, mesmo sendo alegre e contagiante, aquilo soou bem estranho.
— É-é. — O velho ficou assustado com aquela proposta, resolveu ceder e abaixar o preço, isso não o deixou nem um pouco feliz, seu rosto mudou drasticamente de um velho simpático para um velho triste e nervoso. — Tudo bem, tudo bem. Farei por 100, está bem? Por favor, esse é o limite, tenho contas a pagar.
Kelvin olhou o velho com um olhar de pena e suspirou.
— Bem, acho que está tudo bem por esse preço. — O relojoeiro tirou do bolso umas notas amarelas mescladas com cinza, começou a contá-las e depois entregou para o velho que aceitou de bom grado. – E que fique feliz por eu ter comprado esse livro, que está empoeirando na sua loja faz 3 anos.
— Obrigado — o tom do velho era irônico. Entregou o livro para Kelvin. — Aqui está, e por favor, não volte mais a essa loja.
Kelvin deu um sorriso de satisfeito para o velho e entregou o livro para o Crescente, que estava ali apenas observando toda aquela negociação. O rapaz não falou nada em agradecimento ao relojoeiro, aceitou o livro e olhou a capa novamente, ficou encarando aquele círculo negro que estampava a superfície branca do livro.
Os dois saíram da loja, ao som do tilintar do sino, que trouxe alegria à Jeremias ao ouví-lo.
Lá fora, no barulho da feira, Kelvin se enchia de curiosidade, e dessa vez não se conteve em perguntar.
— Era isso o que estava procurando?
— Acho que sim, ainda não tenho certeza, preciso ler para descobrir. — Carlos passou a mão na superfície do livro.
— Fico feliz com isso. — Kelvin fez uma expressão sincera. Carlos ficou com um olhar de dúvida, não entendeu aquilo, não sabia o motivo de o relojoeiro estar tão feliz em o ter ajudado. — Sugiro que segure bem esse livro para não ser roubado.
— É, sei bem disso. — Carlos agarrou o livro com força o suficiente para ser difícil de ser afanado sorrateiramente. — Agora posso começar a fazer o que me pediram, mas antes eu preciso dar uma olhada no conteúdo desse livro. Acho que tenho tempo o suficiente até o anoitecer.
— Acho que Serena não se importará de você ficar na casa dela para ler o livro.
Ainda era de tarde, os dois se embrenharam novamente em meio ao caos da feira para conseguir voltar para a casa de Serena. Foi muito mais tranquilo do que antes, algumas pessoas já estavam começando a voltar para suas casas, isso facilitou mais a movimentação deles.
O caminho foi o mesmo de antes, não conversaram muito, todo o trajeto foi apenas com Kelvin novamente falando sem parar sobre coisas aleatórias.
Finalmente chegaram na casa da médica, mas a mesma não estava. Carlos foi imediatamente para o quarto em que havia dormido, enquanto Kelvin se despedia dele para ir para sua casa.
Com apenas algumas horas faltando para Carlos finalmente invadir uma mansão e matar uma garotinha, abriu o livro e começou a lê-lo.
Comments (0)
See all