A moment I’ll always remember
In the cold hug of november
The blade of that knife felt so sweet
Because it was you stabbing me
- Corvus & Draco, Birthday Gift
— Você é uma decepção! Uma maior ainda do que eu havia pensado! — Úrsula gritava com Liz. — Você é nojenta, Elizabeth! Nojenta!
Então, a mulher deu um tapa no rosto de Liz, que tinha lágrimas nos olhos.
— Pare com isso, Úrsula. — O pai de Elizabeth disse, tentando acalmar a mulher, em vão.
— Ela é uma aberração, Oliver! Uma aberração! Parte da escória da humanidade! — Ela gritou com o marido. — Onde já se viu? Gostar de garotas? Onde foi que nós erramos?
— Nós? — Elizabeth rosnou para a mãe. — Como assim, “nós”? Você não tem direito algum de falar assim comigo! Você não tem direito algum sobre mim! Você nunca se importou comigo, nunca cuidou de mim! Se alguém tivesse o direito de falar alguma coisa sobre isso, seria meu pai. Você? Você é uma mulher detestável que nunca foi presente em nenhum segundo da minha vida!
A mulher a encarava com desgosto no rosto. Elizabeth continuou gritando com a mãe, completamente irada com as palavras da mulher.
— Você é o pior tipo de pessoa que existe! — Úrsula gritou. — Aberração!
— Não, você é a aberração! Você é o pior tipo de pessoa que existe! — Elizabeth gritou de volta. — Você é a escória da humanidade, não eu!
As duas continuaram berrando enquanto o pai não sabia como intervir. Ele entreolhava as duas sem saber o que fazer, nem se deveria fazer.
— Quer saber? Eu não vou ficar aqui escutando uma mulher amarga me insultar porque eu tenho a capacidade de amar, enquanto ela nem consegue amar a própria filha. — Liz disse, indo até o quarto e socando roupas dentro de sua mochila. Úrsula a seguiu.
— Eu sou sua mãe! Eu te coloquei nesse mundo!
— Eu não pedi para nascer! — Liz se virou para ela, cheia de ódio e com lágrimas nos olhos. — Eu não pedi para nascer, então pare de me tratar como se eu te devesse um favor por ter me colocado nesse mundo! Você não é uma mãe, você é uma mulher mesquinha que teve uma filha!
Úrsula não tinha argumentos contra a filha. Ela segurou os ombros da garota com força e a encarou, chegando com o rosto bem perto dela.
— Me solte, Úrsula. — Elizabeth disse, com raiva. — Você está me machucando.
— Se você sair por aquela porta, não vai mais ter o direito de voltar.
As duas se encararam por mais alguns segundos, até que Elizabeth se soltou do aperto de sua mãe um tanto violentamente. Colocou sua mochila nas costas e se dirigiu até a porta, ignorando os gritos de sua mãe.
Quando chegou na rua, viu que os vizinhos estavam com as cabeças para fora de suas janelas, escutando a discussão atentamente. Sentiu o rosto esquentar, mas não de vergonha – de raiva. Por que todos tinham que ser tão intrometidos? Alguns olharam para ela, e ela ficou contente ao ver as expressões em seus rostos depois que ela mostrou o dedo do meio para eles.
Agora ela estava na casa de sua tia Emma, deitada na cama do quarto de hóspedes, encarando o teto. Havia feito a decisão mais importante de sua vida e agora duvidava se havia sido a certa. Não queria voltar para sua mãe, mas sim para seu pai.
Ela suspirou, se levantando. Havia começado o dia com aqueles pensamentos e queria simplesmente afastá-los de sua cabeça. Um bom banho, era disso que ela precisava.
Ela procurou roupas em sua mochila. Ainda não as tinha tirado de lá e colocado no guarda-roupa do quarto de visitas. Talvez não devesse. Talvez não tivesse o direito de fazê-lo. Não era sua casa. Talvez nunca fosse.
Liz abriu a porta e foi até o banheiro, que ficava em frente ao quarto onde estava. Ela tentou jogar aqueles pensamentos sobre sua família para longe.
Ela sentia a água cair em seu corpo e escorrer por sua pele, e não conseguiu deixar de pensar em sua mãe. Por que ela nunca gostou de Liz? Havia realmente acontecido alguma coisa, será que ela tinha uma razão para odiá-la tanto? Que tipo de mãe odiaria a própria filha?
Se lembrando de todas as coisas que sua mãe já havia feito com ela e se perguntando os motivos da mulher, ela sentiu um peso em seu peito, uma inquietação que parecia consumi-la completamente. Aquilo não era a tristeza habitual que ela sentia quando pensava em Úrsula. Aquilo era ódio, em sua mais pura forma. Será que era justo odiar sua própria mãe? Talvez não fosse, mas Liz não achava que aquela mulher fosse merecedora de justiça.
— Bom dia, Liz! — Ela ouviu sua tia batendo na porta do banheiro.
— Bom dia, tia Emma! — Ela gritou de volta.
Era estranho estar naquela casa. Era estranho receber “bom dia”, poder fazer qualquer coisa com calma, relaxada, sabendo que não teria ninguém para criticá-la ali. Era bom fazer parte de um lar como aqueles, e Liz estava extremamente alegre com aquilo. Ainda assim, ela se encontrava meio.... Deslocada naquilo tudo.
Ela suspirou e desligou o chuveiro, se secando com a toalha que Jack havia levado para ela no dia anterior. Ela sorriu, lembrando da piada que ele havia feito para fazê-la se sentir melhor. Ela gostava disso em Jack. Ele era calado e um tanto frio, mas quando ele gostava mesmo de alguém, ele fazia qualquer coisa para deixa-las confortáveis e felizes. Era seu jeito de mostrar o quanto gostava das pessoas próximas a ele sem realmente dizer nada.
Liz abriu a porta do banheiro, e no mesmo instante sentiu um cheiro agradável vindo da cozinha. Sua tia Emma estava preparando o café. Descendo as escadas, Liz viu Jack dormindo na mesa da copa e quase babava em cima dela.
Havia pão, queijo, leite achocolatado, café, suco de laranja e sua tia fazia panquecas. O estômago de Liz roncou, e Jack riu da menina.
— Com fome, Liz? — Ele perguntou, sorrindo zombeteiro. — Ainda depois das duas pratadas de ontem?
— Ah, cala a boca, Jack. — Ela sentiu o rosto corar e foi se sentar ao lado do garoto. — Não sei do que você está tirando sarro. Você está praticamente babando na mesa.
Dessa vez, foi a vez de Emma rir. — Nossa, obrigado, mãe. — Jack disse, sarcástico. — Adoro quando você me defende.
— Você tem um problema com manhãs, meu filho. — Ela sorriu, levando as panquecas para a mesa. — Totalmente o contrário de Steve.
Os ombros de Jack se tencionaram e sua expressão mudou levemente à menção daquele nome, mas Liz fingiu não perceber. Se algo estava errado com a amizade dos dois, era melhor que ela não se metesse, ainda que estivesse curiosa sobre o que tinha sido.
— Steve é a pessoa mais esquisita que eu conheço, ele não conta. — Jack resmungou.
Emma riu novamente. — Você também não é tão normal assim, meu filho. — Ela disse.
Jack ergueu a cabeça e franziu as sobrancelhas, enquanto colocava suco de laranja em um copo.
— O que você quer dizer com isso, mãe? — Ele perguntou, colocando leite no mesmo copo onde colocou o suco. Emma sorriu, e Liz franziu o cenho. Jack olhou para o copo. — Não é estranho.... É bom....
Liz começou a rir. Quem, em sã consciência, tomaria leite com suco de laranja?
— Eu chamo de leite alaranjado. — Ele disse, arrancando mais risadas de Liz. — Totalmente saudável, com cálcio e vitaminas. Eu pensei em chamar de “Leite de Laranja”, ou talvez “Milk-shake Laranjeira”, e acredite, de “Mimosa Laranja”.
Liz jogou a cabeça para trás, gargalhando. Havia um pequeno sorriso no rosto de Jack. — Sério, Liz, o seu senso de humor é o pior.
Liz se acalmava um pouco, secando uma lágrima do canto do olho. Desde que eram pequenos Jack sempre conseguia fazer Liz rir daquele jeito, com as piadas mais estúpidas possíveis. Por mais que tivesse uma vida nada cômica, ela ainda conseguia rir das mais simples gracinhas.
Ela tirou o celular do bolso e olhou para o relógio. Eram seis e doze. Ela mandou uma mensagem para sua carona, avisando que não estava em sua casa. Ele respondeu imediatamente, pedindo o novo endereço.
— Você quer que eu te leve para a faculdade, Liz? — Sua tia perguntou. — Tenho que levar Jack, e sua faculdade não fica tão longe do meu trabalho assim.
— Não precisa, tia. As aulas de Jack começam às sete, certo? — Sua tia assentiu. — As minhas começam às oito. E eu já tenho uma carona, então não precisa.
— Certeza?
— Sim, obrigada.
— Então tudo bem. — Ela sorriu, comendo o último pedaço de sua panqueca e tomando o café. — Vamos, Jack.
— O quê? Eu nem troquei de roupa ainda. — Ele disse. Realmente, ele não tinha trocado o pijama. Estava com uma calça de moletom velha e uma camisa que fora lavada tantas vezes que apenas uma caveira conseguia ser distinguida da estampa que já havia desaparecido quase completamente e chinelos quase tão velhos quanto ele. Ele encarou suas roupas por alguns segundos. — Quer saber? Que se dane.
Então, ele levantou e pegou a mochila que estava no canto da sala e saiu para a garagem. Liz e Emma observavam o garoto saindo com o cenho franzido, depois, se entreolharam e riram. — Ele tem muito estilo. — Liz riu.
— Às vezes ele fica assim. — Disse Emma. — Com preguiça de fazer tudo, sabe? Geralmente ele demora uns dez minutos para se arrumar. Coloca calças pretas, blusas pretas... jaquetas de couro.... Esse garoto, eu te digo, nasceu defeituoso! Parece não sentir calor nunca! Usa duas camadas de roupas pretas e não sua uma gota!
Liz riu. — É, completamente o contrário de Steve. — Ela disse. — Aliás, aconteceu alguma coisa entre os dois?
— Como assim? — Emma perguntou, franzindo o cenho.
— Sei lá. Jack parece meio.... Estranho. Mais que o normal. — Ela disse. — Será que ele e Steve estão bem?
— Ah, estão. — Disse Emma, sem nem pensar. — Esses dois não ficam brigados por muito tempo; se gostam demais para isso. — Ela suspirou. — Se algo aconteceu, tenho certeza de que já vai se resolver. Eles são amigos há onze anos.
— É muito tempo. — Liz assentiu. — Sei lá.... Deve ser bom conhecer alguém e ser amigo dela, poder contar qualquer coisa sabendo que não vai ser julgado.
— Com certeza é. — Emma sorriu, colocando os pratos na pia.
— Você tem alguém assim, tia?
A expressão de Emma mudou, se tornou um tanto triste. — Eu tinha. — Ela murmurou, num suspiro. Seus olhos estavam cheios de água. — Sabe, o pai de Jack.
— Ah. — Disse Liz, surpresa. — Me desculpe.
— Tudo bem, Liz, não precisa se desculpar. — Emma suspirou, pegando sua bolsa e jogando-a em um dos ombros. — Eu e ele... sempre fomos muito próximos, como unha e carne, sabe? — Ela disse, esfregando os olhos com as mãos, tentando mandar as lágrimas embora. — Como Steve e Jack. Éramos melhores amigos, sempre fomos desde que nos conhecemos. Nos apaixonamos quando éramos adolescentes e nos casamos alguns anos depois. Éramos tão próximos, Liz... — Ela sorriu, triste. — Podíamos contar qualquer coisa um para o outro, e conseguíamos nos comunicar com um simples olhar. Os dois também conseguem fazer isso. — Ela riu. — É quase como se os dois.... — E aí ela ficou em silêncio, com o cenho franzido, como se estivesse completamente perdida em seus pensamentos.
— Mãe! — Jack gritou.
— Estou indo, Jack! — Ela gritou de volta, sendo afastada de seus pensamentos. — Tchau, Liz!
— Anh... Tchau, tia. — Ela acenou brevemente, vendo a mulher sair de sua casa.
Liz se jogou no sofá, pensando em qual seria o final da frase de sua tia. Sua carona chegaria em cerca de uma hora. Ela poderia assistir a um pouco de TV, para tentar afastar todos os pensamentos de sua cabeça. Ligou a televisão e colocou em um canal qualquer, passando um romance qualquer.
— Sempre uma menina e um menino, huh. — Ela murmurou, se afundando no sofá.
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