A campainha tocou, e Liz desligou a TV e correu para a porta.
— E aí, Liza? — Luke disse, sorrindo para a garota.
— E aí, Luke. — Ela sorriu, fechando a porta atrás de si. Sua tia havia entregado uma chave para ela. Era quase moradora oficial da casa.
— O que aconteceu, porque não está na sua casa? — Ele perguntou, franzindo as sobrancelhas.
Liz suspirou, pegando um dos capacetes que o amigo segurava. — Fui expulsa de vez. — Ela disse.
— Você se assumiu? — Ele perguntou, colocando o próprio capacete na cabeça e indo para sua moto.
— É. — Ela disse. — Úrsula gritou comigo e me chutou. Vim para a casa da minha tia Emma.
— Ah. — O rosto de Luke se iluminou. — A mãe do Jack, não é? Agora vocês moram juntos?
— Sim, para as duas perguntas. — Ela disse, subindo na moto. Ela abraçou a cintura de Luke.
— E como está sendo tudo? — Ele perguntou, antes de dar a ignição.
— Ótimo. É estranho ver como minha casa era diferente de um lar saudável. — Ela suspirou.
Luke deu tapinhas no capacete de Liz, como se fizesse carinho em seus cabelos. — Tudo bem, agora vamos parar de melação e ir para a escola! — Ele disse, numa vozinha irritante.
— Você é ridículo, Luke. — Liz disse, o que fez o outro rir.
Então, Luke ligou sua moto e os dois começaram a andar, cortando seu caminho por entre os carros e ônibus, indo para a faculdade. Nenhum dos dois disse nada, e Liz preferiu que fosse daquele jeito. Tinha muitas coisas em sua cabeça e não queria transformá-las em palavras, pelo menos não ainda. Sua mãe, o fato de que acabara de sair do armário e que agora morava com sua tia.... Era muito para processar e se acostumar.
Não demorou muito para que eles chegassem na faculdade. Os dois desceram da moto e resolveram andar pelo campus e jogar conversa fora enquanto sua primeira aula ainda não começava. — E então, novidades? Além de todo o drama, quero dizer. — Luke perguntou.
Liz nem precisou pensar para responder. — Eu conheci uma garota. — Ela disse. Luke soltou um “hm” bem longo e desnecessário, enquanto sorria para Liz. — Cala a boca, Luke.
— Como ela é? Qual é o nome dela? — Ela perguntou.
— Agnes. Ela é muito linda, meu Deus. — Disse Liz, sentindo um sorriso brotar em seu rosto ao se lembrar do rosto da outra. — Ela estuda aqui, acredita? Faz robótica, só que é um ano mais velha.
— Agnes.... Agnes.... — Luke parou e levou uma mão ao queixo, pensando.
— Você não a conhece, cara. — Liz revirou os olhos. — Ela estuda do outro lado do campus.
O rosto de Luke se iluminou, e ele levou a mão ao ar, como se indicasse a altura de alguém. — Desse tamanho, loira com os olhos cinzentos?
O queixo de Elizabeth caiu. — Como é possível que você conheça todo mundo? — Ela perguntou.
— É um dos meus muitos talentos. — Ele deu de ombros, sorrindo zombeteiro. — O ponto é que eu a conheço.
— Como ela é?
— Pensei que tivesse me dito que a conhecia.
— Sei o nome e o que ela estuda, isso não é realmente conhecer uma pessoa. — Liz disse. — Como ela é?
— Está interessada, Liza? — Ele sorriu mais abertamente. — Quer dar uns amassos nela?
O rosto de Liz corou levemente. — Não! — Ela exclamou. — Eu só quero conhece-la melhor, pelo amor de Deus, Luke!
— Então você deveria fazer isso naturalmente. — Ele deu de ombros. — Posso te dizer que ela é nerd. Não olhe assim para mim, é sério! Ela é extremamente inteligente e gosta de coisas geek. Uma nerd. — Ele disse. — Como você a conheceu?
— Ela é minha vizinha agora. O quarto dela é ao lado do meu. Ela me viu chorando. — Ela disse.
— Wow. Ela te viu chorando? Você contou alguma coisa para ela?
— Que eu tinha problemas em casa, só isso. Não vou sair contando minha vida toda para uma menina só porque ela é bonita.
— E ainda assim você quer que eu te dê minhas informações secretas para puxar assunto com ela. — Ele riu.
— Informações secretas.... Você é tão ridículo, Luke, eu nem sei porque eu ando com você.
— Por que você me ama! — Ele sorriu. — Mas sério, você devia falar com ela. Grande chance é que ela vai gostar de você. Todo mundo gosta de você.
“Menos minha mãe” Ela pensou. Com um suspiro, ela sorriu triste para o amigo, que parecia ser capaz de ler a mente da garota.
— Não pense nisso, Liza. — Ele disse, jogando um braço pelos ombros da garota. — Eu te adoro, ok?
— Ok. — Ela disse.
— Eu só não te beijo porque pegaria mal para você.
— Para mim?
— Claro. — Ele disse. — Você é uma nova Liza! Você tem que começar a mostrar para as pessoas! Hey, sou eu! Sou a Liza! Sou gay!
Ela cobriu a boca de Luke, com o rosto completamente vermelho. — Luke! Cala a merda da sua boca, seu retardado!
Ele começou a rir, sem se importar com os insultos da garota. Luke sabia que era da boca para fora. Afinal, conhecia a garota desde o primeiro ano do ensino médio; são amigos há uns três anos, e ainda que não se conheçam há tanto tempo como Steve e Jack, poderiam quase ser considerados tão próximos quanto os dois garotos.
Eles andaram até o edifício de medicina, rindo de alguma piada estúpida de Luke. Aqueles eram bons momentos, quando Liz não pensava sobre sua família disfuncional, sobre sua infância solitária, sobre suas paixonites impossíveis. Conversando com Luke, porém, ela se lembrou de Jack.
— Aconteceu alguma coisa entre Jack e Steve? — Ela perguntou, franzindo as sobrancelhas. O sorriso desapareceu do rosto do amigo, e ele ganhou uma expressão um tanto sombria.
— Jack também está estranho? — Ele perguntou, baixo, como se não devessem falar sobre aquilo em um lugar como aquele.
— Muito. — Disse Liz. — Toda vez que eu ou a tia Emma mencionávamos o nome “Steve” ele ficava todo tenso. Foi esquisito. Os dois são tão próximos.
— Steve também estava um pouco estranho ontem. — Luke suspirou. — Geralmente ele não cala a boca sobre Jack. Ontem ele não disse uma palavra sobre ele. Quando mamãe perguntou como ele estava, Steve franziu as sobrancelhas por um milésimo de segundo, eu juro, e o lábio dele tremeu. Depois ele sorriu e fingiu que estava tudo bem.
— Como você consegue prestar atenção nessas coisas? — Perguntou Liz.
— Linguagem corporal e olhos de águia. — Disse Luke, abrindo um pequeno sorriso. — Ele estava mentindo, Liza. Eu consegui vê-lo mexer os dedos daquele jeito.
Luke era muito atento às pessoas; ele as adorava, embora não fosse tão bom começando ou mantendo relacionamentos. Ele as observava atentamente e aprendia coisas sobre elas sem que elas soubessem. Ele sabia do tique de cada amigo que tinha, e de cada um na sua família.
Ah, o tique era como Luke chamava o comportamento das pessoas quando elas estão mentindo. O de Steve era mexer os dedos como se ele estivesse tocando um piano imaginário, por exemplo. De acordo com ele, o de Liz era ficar com os olhos inquietos, olhando para todo lado.
Mas Steve era um bom mentiroso, de acordo com Luke. Provavelmente, alguém que não o conhecesse há anos e não soubesse nada de linguagem corporal seria incapaz de identificar uma mentira. Luke tinha as duas vantagens, e às vezes, o irmão ainda o deixava na dúvida sobre o que era verdade ou não.
Liz nunca entendeu o fascínio que Luke tinha com as pessoas, e ele nunca dava uma resposta direta quando ele a perguntava. Ela também não entendia esses segredos dele, a recusa da parte do garoto em revelar aquele tipo de coisa. Sempre que Liz revelava algo sobre ela mesma, ele conseguia enrolá-la e no final não revelava nada sobre si mesmo. Aquilo a incomodava, mas ela nunca teve coragem de confrontá-lo sobre isso; afinal, era o melhor amigo dela, e devia ter seus motivos. Algumas coisas você quer deixar enterradas no fundo de sua mente e não pensar nelas, nunca.
Os dois se sentaram lado a lado, em silêncio, perdidos em seus pensamentos.
— Vamos jogar vinte perguntas enquanto o professor não chega? — Luke sugeriu. Liza assentiu, animada. Adorava aquele jogo. — Eu começo. Que tipo de pessoa você odiaria ser?
— Minha mãe. — Ela disse, sem pensar muito. Luke arregalou os olhos por alguns segundos, depois a olhou com simpatia, como se estivesse arrependido de ter feito a pergunta. Ela se esforçou para sorrir, tomando cuidado para onde olhava. Não queria que seus olhos inquietos entregassem a mentira da felicidade que tentava pintar em seu rosto. — Minha vez. Pior medo?
— Você sempre faz essa pergunta. — Ele torceu o nariz, desviando o olhar.
— E você nunca responde! — Liz protestou. — Sempre diz que não sabe, mas eu sei que você sabe. Luke, você sempre pensa qual seria sua resposta para qualquer pergunta subjetiva que você ouve, mesmo que não seja direcionada a você! Eu sei que já pensou sobre isso.
Ele suspirou e bagunçou os cabelos, meio incerto do que fazer. Então ele fechou os olhos e suspirou novamente, dizendo: — Tudo bem, eu respondo.
— Yes! — Liz exclamou, feliz.
— Meu pior medo é.... — Ele deu uma pausa. — Falhar.
Liz ficou em silêncio por alguns segundos. — Falhar? — Ela perguntou, com as sobrancelhas franzidas. O amigo esfregou o rosto, parecendo constrangido.
— É, Liza. Falhar. — Ele repetiu, parecendo um pouco irritado. — Falhar é relativo para cada pessoa. Pode ser uma coisa específica ou várias coisas juntas. Você pode ter medo de falhar porque tem um ego grande, você pode ter medo porque não quer desapontar ninguém. Falhar é relativo. Talvez “falha” para você, seja se tornar a sua mãe. Talvez para uma pessoa qualquer na rua seja não alcançar seu maior sonho. Talvez seja decepcionar alguém.
Liz ficou quieta. Mesmo quando Luke respondia suas perguntas, ele não as respondia realmente. Era irritante. Ela queria pressioná-lo para que respondesse mais claramente, mas sabia que, se o fizesse, o jogo acabaria ali e Luke ficaria magoado com ela.
— Sua vez. — Ela disse, ainda pensativa.
— Se você fosse outra pessoa, você seria amiga de você mesma? — Ele perguntou. Luke sempre fazia esse tipo de pergunta, mesmo não respondendo às perguntas profundas que Liz fazia. Aquilo a irritava, principalmente quando olhava para cara dele e via aquele sorriso de canto, esperando a resposta dela.
É. Ele estava exatamente daquele jeito, com aquele sorriso discreto e olhar indecifrável. Liz odiava o fato de que, às vezes, parecia que ela não conhecia seu melhor amigo.
— Não sei. — Ela suspirou. — Depende.
Luke revirou os olhos. — Lá vai você.
— Mas é verdade! — Ela exclamou. — Eu não sei. Acho que sim, talvez.
Ela não sabia se era verdade. Luke também percebeu que ela dera uma resposta qualquer, mas não disse nada; apenas suspirou, sabendo que demoraria muito para que ela se decidisse.
— O que está nos seus pulsos, agora? — Ela perguntou, sorrindo levemente.
Luke arqueou as sobrancelhas por um momento, meio surpreso, meio confuso. Então, olhou para seus pulsos e entendeu.
Ele tinha aquele hábito, e era uma das coisas que ela achava adorável em Luke. Ele se entediava muito facilmente, além disso, se esquecia das coisas com facilidade. Para resolver os dois problemas, ele anotava as coisas que precisava lembrar em seu pulso ou braço direito, enquanto anotava letras de músicas que gostava em seu pulso ou braço esquerdo.
— Aqui está a música nova do Serpens Caput. — Disse Luke, erguendo o braço esquerdo. Então, ele ergueu o direito. — Aqui está a lista que a Sra. Kingsley me deu pelo telefone hoje de manhã, para que eu comprasse.
— Lista de compras no braço... — Liz revirou os olhos.
— Como se você não quisesse ser um gênio como eu e nunca mais esquecer coisas assim. — Ele debochou, de brincadeira. — Minha vez. Você já disse ‘Eu te amo’ para alguém mesmo não sendo verdade?
— Não, acho que não. — Ela disse. — Não me lembro. Provavelmente não. Em que pergunta estamos?
— Quinta. Agora é sua vez, vai ser a sexta. — Ele disse, sem nem pensar.
— Ok. Qual foi a última pessoa que você beijou?
— Minha mãe, hoje de manhã. Minha vez.
— Não, Luke! — Liz exclamou. — Te beijou na boca, cara!
Luke encarou a garota a sua frente por alguns segundos, antes de desviar os olhos e cruzar os braços, afundando em sua cadeira. — Eu nunca beijei ninguém, Liza. — Ele disse, baixo. Não havia vergonha em sua voz, e ele a olhou nos olhos quando disse aquilo. Não era tão importante assim.
Liz, porém, não achava isso. — Sério? — Ela perguntou, totalmente incrédula.
— Sério.
— Cara, você tem dezoito! Você já está na idade de consenso sexual em tipo, todos os países do mundo. Você nunca beijou ninguém? — Ela perguntou. Havia um tom que Luke não gostava na voz dela. Às vezes ela fazia isso, e ele não sabia se seria melhor se ela percebesse, ou não. Era um tom de riso, mas não havia nada engraçado naquilo. Luke nunca contava aquele tipo de coisa para ninguém, e quando contava para ela, Liza fazia aquele tipo de coisa. Respondia naquele tom de riso, de escárnio, com um sorriso no rosto, como se ele fosse patético.
Ele não era patético. Ele odiava que ela o fizesse se sentir daquele jeito.
— Olha, o professor chegou. — Ele disse, fazendo com que Liz olhasse para frente. O professor realmente havia chegado, mas ela não dava a mínima. Ela queria continuar naquele assunto, mesmo que Luke parecesse irritado com ele. Se sempre parasse quando ele se irritasse, nunca saberia nada sobre ele.
— E daí? — Ela perguntou. Luke a encarou por alguns segundos.
— E daí que se você vai continuar me perguntando coisas no meio da aula, eu vou sair de perto de você. — Ele respondeu, completamente sério.
— Mas é que é estranho! — Ela disse. — Sério mesmo que você nunca....
Ela não terminou a frase, porém. Luke suspirou e pegou suas coisas, se dirigindo para o fundo da classe e se sentando lá, sozinho. Ele realmente não queria conversar, e ela se sentiu um pouco culpada por fazê-lo se afastar daquele jeito. Por outro lado, ela se sentiu irritada. Ele nunca falava nada sobre ele mesmo, sobre seus sentimentos.
Talvez ela realmente não conhecesse seu melhor amigo. Não do jeito que pensava, ou que gostaria.
Aquilo a irritava profundamente.
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