A Annabelle estava no meio de um prado. Um enorme prado verde com uma cerejeira.
A cerejeira estava mesmo em frente dela. Ela lembrava-se de ter plantado aquela árvore. Agora estava enorme, imponente, um pilar no meio de uma planície sem nada para a vista alcançar.
"corta a árvore."
A Annabelle não tinha reparado na figura vestida de negro ao seu lado. vestida por completo de negro, a Annabelle não se conseguia focar na sua cara. A figura estendia-lhe um machado.
A Annabelle pegou-lhe e virou-se de novo para a arvore. Ela não a queria cortar. Voltou a virar-se para a enfrentar a figura, mas ela tinha desaparecido.
Em vez de cortar a arvore a Annabelle ficou simplesmente a olhar para ela. Quanto mais olhava, maior a árvore lhe parecia. Já não tinha o machado na mão.
Ouviu uma voz. Alguém a chamou.
Voltou a virar-se. Estava a olhar para uma casa. Uma casa no meio da erva. A casa não estava ali antes.
Agora estava dentro dela. Dentro da casa, dentro de uma das suas salas, sentada numa das cadeiras que condizia na perfeição com o resto da decoração antiga.
Uma mulher em frente dela tinha um vestido azul cheio de folhos. Folhos que chocavam uns contra os outros, como ondas. Ondas que provocavam espuma. Espuma que escorria para o chão. A mulher falava, mas a Annabelle não percebia o que ela dizia. Não a conseguia ouvir. Ela falava demasiado baixo, como se estivesse muito longe. Mas a Annabelle estava hipnotizada com as ondas.
A única palavra que a Annabelle entendeu foi cerejeira. Quando ouviu esta palavra lá estava ela, lá fora, com a mesma imponência. A Annabelle fitou a cerejeira.
"Vejo que ainda não cortaste a cerejeira"
A figura sombria estava agora no lugar da senhora. A annabelle conseguia distinguir algo de feminino na sua voz.
"Corta a cerejeira."
A Annabelle tinha de novo o machado na mão. Estava de novo em frente da árvore.
Ela tinha que a cortar. Ela não a queria cortar.
A Annabelle fugiu. Depois de ter atirado o machado ao chão começou a correr.
Ela corria. Estava cansada. Estava dentro de um túnel. Continuava a correr. Ouviu um grito animalesco e selvagem. Viu a luz laranja do fogo. Vinha do mesmo lado que o grito. Do brilho laranja saiu uma serpente. Uma serpente com cem patas. Cem patas com garras que se espetavam nas paredes do túnel. A serpente monstruosa vinha atrás dela a gritar e a Annabelle corria. Onde as garras perfuravam as paredes saia fogo.
A Annabelle continuava a correr. O monstro ia apanhá-la, mas em vez de fogo começou a sair água. Água salgada.
A água enchia o túnel mais depressa do que a annabelle corria. Mais depressa do que a serpente corria.
A annabelle viu-se a afundar. Os seus pulmões enchiam-se de água salgada que lhe queimava as entranhas.
A Annabelle estava águas paradas. Apenas se afundava.
Estava de novo no prado, deitada e com o sol a bater-lhe a cara. Já não tinha água nos pulmões. O machado estava a pouco mais de um metro da sua mão, largado por ai. O machado estava ali como se ela o tivesse acabado de atirar, depois de se ter deitado.
A Annabelle pareceu ficar assim durante horas. Parada durante horas a ver as nuvens, sem nada na sua mente. A figura sombria voltou a aparecer. Desta vez não disse nada. Apenas apontou para a cerejeira. A Annabelle nem se levantou. soube instintivamente para onde apontava. soube instintivamente o que ela queria: que a Annabelle cortasse a árvore.
A Annabelle virou-se para a cerejeira. Continuava a não querer cortá-la. As folhas da árvore estavam a cair. já haviam muitas no chão. Caíram todas durante o que pareceu serem horas.
Quando finalmente todas caíram a Annabelle ficou horrorizada. Espetados nos ramos havia pássaros. Pássaros encharcados com água do mar, cobertos em sangue.
A figura continuava a apontar. Apontava como se dissesse: a culpa é tua. Se tivesses cortado a árvore isto não teria acontecido.
A Annabelle acreditou. Estava levantada. Tinha o machado na mão. Estava mesmo em frente da árvore. Começou a cortar. De dentro da árvore saia sangue. Continuou a cortar. Não conseguia pensar em mais nada.
A figura mudou. A annabelle virou-se para ela instantaneamente. A annabelle conseguia ver-lhe a cara. Os olhos dourados e o cabelo loiro. Conseguia ver-lhe as mãos cobertas de sangue.
A annabelle entendeu tudo, mas era tarde. Tinha cortado demasiado da árvore e esta caiu-lhe em cima, enquanto a figura sorria.
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