No centro de uma qualquer cidade pacata no norte, num quarto, num apartamento, está uma menina de caracóis dourados. É muito tarde, mas ela não consegue dormir. Não consegue dormir porque há um monstro debaixo da sua cama. Os pais dela não acreditam nela, mas ela sabe que o monstro é real. Ela consegue ouvi-lo respirar. É isso que a mantém acordada. A leve respiração do monstro.
É sempre assim. Todas as noites.
O monstro é real. Ela já o tinha visto. Apenas o seu longo pescoço e a sua cabeça com enormes dentes. E a baba. Baba horrível que escorria de debaixo da cama.
Aquele monstro aterrorizava-a desde sempre.
Ela já tinha visto o monstro. Todos os dias ele tira a cabeça de debaixo da cama e fica a olhar para ela. Olhava para ela com os seus olhos vermelhos brilhantes. Os olhos dele penetravam-na. O monstro olhava para ela todas as noites. Ela retribuía o olhar. Ela estava sempre demasiado assustada para se mover. Demasiado assustada para gritar. Demasiado assustada para sequer fechar os olhos.
E o mostro olhava para ela. Olhava para ela todas as noites. Até à noite em que não conseguiu.
Ela não está na cama. O cheiro dela está longe. Muito longe.
Ele saiu de debaixo da cama. Saiu do quarto. Foi para a rua. Seguiu o cheiro da rapariga. Ela ainda estava longe.
Trepou pelas paredes e saltou entre telhados.
O monstro parou numa casa, nos arredores da cidade. Ele conseguia cheirar a rapariga. Está a janelas de distância. 4 janelas. 3 janelas. 2 janelas. Era aquela a janela. Uma janela trancada.
A rapariga chorava do outro lado da janela. Estava magoada. A luz estava apagada, mas o monstro via a sala pequena. Muito pequena. Era um armário.
O monstro entrou dentro de casa a partir da janela ao lado. Estava aberta. Passou por um homem. Ele falava ao telemóvel. Ele não era o pai da rapariga. Não era da família. O monstro parou em frente dele. Ele não conseguia ver o monstro, mas o monstro estava a olha-lo nos olhos. Com os seus olhos vermelhos brilhantes. O monstro sabia que não conseguiria concluir o que ali viera fazer com aquele homem ali. O homem gritou. Não sabia o que o tinha atirado ao chão. Não sabia o que o mordia. Não sabia o que lhe partia os ossos. Até que parou de sentir dor. O homem parou de resistir e avançou. Inabalável.
O monstro partiu a porta e avançou. Arrancou a porta das dobradiças. Parou. Ficou a olhar a rapariga a chorar. Com a sua boca pegou na nela pelas roupas e levou-a. Seguiu pelas ruas, pelas paredes, pelos telhados, até chegarem à casa da rapariga. Ai, o monstro voltou a entrar dentro do quarto da rapariga. Pousou a rapariga que ainda chorava na cama e ficou a olhar para ela. Olhou para ela toda a noite. Os pais dela entraram dentro do quarto, mas ele continuou a olhar para ela. Os pais, surpreendidos, abraçaram-na. Não viam o monstro. não sabiam que tinha sido ele a trazê-la. Por agora não queriam saber quem a tinha trazido. Não importava. O importava que importava era que ela ali estava. Abraçaram-na. Abraçaram-na até o dia chegar.
Tinham dormido abraçados.
O monstro continuou a olhar para ela. Olhou para ela mesmo com os pais ali. Era tudo o que fazia.
Ele olhava para ela.
Ele olhava por ela.
E por ela faria tudo.
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