A leitura do livro foi um pouco frustrante, Carlos imaginou que teria alguma informação útil, mesmo que “O Círculo Mágico” estivesse sendo considerado um livro fantasioso. Era apenas uma história de aventura contando a transformação de um jovem, que vivia uma vida normal até receber um chamado do dever, durante sua jornada ele precisa enfrentar diversos perigos para conseguir ter posse de um poder que poderia destruir o mundo. Nessas poucas horas que conseguiu ler a obra, não descobriu nada de mais, a única peculiaridade do livro era o fato de a história ser tratada como se fosse um jogo, com o protagonista fazendo alusões a isso e de vez em quando quebrando a quarta parede.
Para saber se o conteúdo realmente iria ajudá-lo, precisaria fazer uma análise mais detalhada, descobrir se talvez existisse mensagens escondidas ou casos de verossimilhanças com a realidade. Tudo isso seria complicado e demorado, poderia existir um conteúdo antes necessário para lidar com possíveis mensagens do livro, ou até saber algo que seria impossível para algum leitor comum saber.
Carlos pulou para a última página à procura do escritor dessa obra. Tinha apenas uma bibliográfica simples e que de nada contribuía para o que precisava saber, mas felizmente dizia onde essa pessoa nasceu, em uma cidade chamada Rubron. Seu nome e uma foto comum estavam estampados junto à descrição dele, era uma pessoa na meia idade que aparentava estar lendo algo enquanto utilizava um cachimbo, o nome Leonhard H. Schorer ficava embaixo da foto com uma letra no qual não se destacava muito. Pensou que talvez fosse importante encontrar essa pessoa.
Em um momento reflexivo, o que veio a mente de Carlos era um incomodo. Se realmente precisava encontrar esse escritor, ficou se perguntando o porquê de Alessandra não ter dito isso antes, fazendo com que ele fosse pra Waft. Tudo aquilo poderia ser nada, assim como poderia ser o que precisava fazer. Mesmo não sabendo a resposta, ficou feliz de ter encontrado um rumo inicial para sua jornada. Era muito melhor do que não ter certeza de para onde deveria ir.
Fechou o livro e o guardou no guarda-roupa, por não ter outro lugar seguro para guardar, ou nem mesmo possuir uma mochila, o rapaz praguejou e torceu para o livro se manter ali a salvo.
Ao sair do quarto, Carlos avistou Kelvin novamente no sofá, se perguntou se aquele homem não trabalhava, pois parecia ficar o tempo todo na casa da médica. Serena estava ao lado conversando normalmente com o relojoeiro, o clima estava bem leve, o que para ele parecia bem estranho devido a atual situação. O rapaz se aproximou dos dois.
— E aí, conseguiu algo daquele livro? — perguntou Kelvin mudando o olhar a ele.
— Não... — Antes de continuar, Carlos foi interrompido pela curiosidade de Serena.
— Do que estão falando? — Ela arqueou as sobrancelhas.
— Comprei um livro que poderia ajudá-lo a conseguir o que veio buscar aqui.
Carlos fez um olhar de reprovação para o relojoeiro, mas continuaram a conversar como se ele não estivesse ali.
— E o que ele veio buscar aqui — indagou a médica curiosa. Tirou um cigarro do bolso e começou a fumar, seus olhos estavam atentos enquanto a fumaça saía de sua boca.
— Não sei, ele não me disse. — Kelvin chegou mais perto da médica. Começaram a falar cada vez mais baixo.
— Será que ele é algum fugitivo que coleciona livros? — ela perguntou quase cochichando.
— Suspeito que sim, mas ele parece um pouco tranquilo para quem está fugindo
— Ele deve esconder alguma coisa. — Ela parou de fumar para se aproximar de Kelvin.
O Crescente ficou olhando aquele dois conversarem despreocupadamente, não estava entendendo nada daquela situação. Resolveu interrompê-los, pois já estava ficando um pouco irritado.
— Acho que já devo ir invadir aquela mansão, não é mesmo? — disse Carlos cortando a conversa paralela.
— Ah, sim, realmente — Serena olhou para o relógio na parede. — Já é bem tarde.
— Irei com você, como o prometido. — Kelvin se levantou e caminhou em direção à porta. — Vamos.
Saíram da clínica rumo à mansão em que o rapaz precisava invadir. Os passos de Carlos foram interrompidos por uma abrupta parada do relojoeiro, que ficou olhando para o nada de cabeça baixa. Parecia estar hesitante em continuar, tamanha espera para continuar causou desconforto no Crescente.
— Eu queria pedir desculpas. — Kelvin falou sem algum assunto prévio. Seu pedido de desculpas soou sincero apesar de Carlos não saber o porquê dele.
— O que é isso tão de repente? — Ele não esperava por esse pedido de desculpas. Encarava o relojoeiro como um inimigo que, junto da médica, o enganou.
— Entendo que o que estamos fazendo parece ser errado. — Kelvin baixou a cabeça entristecido. — Não é certo estarmos utilizando vidas humanas para conseguirmos o que queremos.
— Você sempre pede desculpas para suas vítimas?
— Sim. — Repentinamente se virou com um olhar caído, lembrou de inúmeros momentos iguais aquele. — Mas não os consideramos vítimas. Nós sempre pegamos pessoas que possam ser fugitivas.
— Pessoas que possam ser fugitivas? — Carlos pensou em como insano eram aquelas pessoas, era como se tudo aquilo fosse normal para eles. — E qual seu critério para isso?
— Eu analiso se a pessoa possui alguma aflição e pareça estar sendo perseguida, depois decido como agir. — Ele falava isso calmamente, quase como se fosse um plano que fizesse sentido.
— E você determina a maldade de alguém apenas com essas informações? — Carlos fez uma cara de espanto. Tudo aquilo parecia absurdo demais, era algo que parecia fazer sentido apenas na cabeça deles.
— Sim, não é muito normal alguém fugindo de membros da FMU. — Kelvin cruzou os braços, fez uma carranca diferente do habitual.
Carlos ficou em silêncio por um breve momento. Estava um pouco espantado com o fato de Kelvin saber disso. Um pequeno suor escorreu por sua testa, mas decidiu não questionar, afinal, mesmo que isso já tivesse sido planejado, ele caiu.
— Se está tão convicto de que está usando pessoas más para fazer seu trabalho, por que pede desculpas? — O Crescente notou o tanto de influência que a organização tinha na vida das pessoas, fazendo-as acreditar que ela era parâmetro para o bem.
— Não sei. — Kelvin olhou para o céu com um semblante entristecido. — Talvez eu apenas esteja com a consciência pesada por tudo o que estou fazendo.
— Se você acha isso errado, por que continua? — indagou Carlos após cruzar os braços.
— Não tenho escolha. Serena ama essa cidade e a irmã, mesmo que para mim suas escolhas não sejam corretas, ficarei ao lado dela.
— E por que você é tão devoto a ela? — Carlos estava achando estranho toda aquela contradição de sentimentos do relojoeiro, era como se nem mesmo ele soubesse o que estava pensando, seguindo devotamente as ideias de uma médica maluca.
— Ela é como uma mãe para mim — Kelvin mantinha uma expressão de devaneio — ela cuida de mim desde que... minha mãe biológica me abandonou.
— Entendo. — Na verdade, Carlos estava um pouco surpreso, não conseguia imaginar aquele brutamontes como um filho de Serena. Até achou a situação um pouco estranha. — Mas isso não justifica. Se você realmente gosta dela, não deveria parar toda essa ideia imoral?
— Mesmo que diga isso, já tentei, então decidi que se não poderia convencê-la, não a deixaria sozinha.
— Bom. — Ele suspirou, não queria estender mais a conversa. — Façam o que quiserem, não é meu dever ficar discutindo ética e moral com vocês.
— Você tem razão. — Kelvin se virou e começou a andar apressado, interrompendo o assunto que não levaria a lugar algum. — Vamos, vou te levar até a mansão de Lynda.
Faltavam aproximadamente 71 horas para a toxina fazer efeito no corpo de Carlos. Andaram apressados para chegarem o mais rápido possível até a mansão. Não conversaram durante o caminho, o Crescente apenas o seguiu. Nesse momento, apenas pensava no que poderia fazer para derrotar aquela garota. Infelizmente, seus pensamentos se limitavam muito por não saber nenhuma informação sobre ela. Apenas sabia seu nome e aparência. E sabia que teria que matar uma garotinha.
[Maria]: Eu não sabia que nessa época Carlos se importava tanto se iria matar uma garota ou não.
[Bortoluzzo]: Sim. Ele era um pouco diferente antes. Na verdade, todos nós éramos
[Maria]: Então aconteceu algo para vocês mudarem?
[Bortoluzzo]: Aconteceram muitas coisas para termos mudado, ter que lidar com situações ao nosso redor nos muda constantemente. É isso que chamo de desenvolvimento de personagem.
[Maria]: Vocês desenvolveram para pior, ainda não acredito que ela queira ouvir sua história, vocês são apenas um mau exemplo.
[Bortoluzzo]: Ser mau exemplo ou bom exemplo, tanto faz, qualquer história merece ser contada e acho que qualquer desenvolvimento é válido. É isso que nos torna reais.
[Maria]: Reais? O que quer dizer com isso?
[Bortoluzzo]: Reais para os leitores.
[Maria]: Não acha que tendo personagens reais eles irão se afastar? As pessoas procuram fugir do real ao lerem uma história.
[Bortoluzzo]: Está certa, mas ao mesmo tempo elas querem se identificar com o personagem, ou ao menos entendê-lo. Amá-lo ou odiá-lo, não importa no final das contas, tudo o que o querem é ter alguém para sentirem empatia.
[Maria]: Está dizendo que alguém sentirá empatia pelo o que o Carlos está fazendo?
[Bortoluzzo]: Não, isso é apenas algo imoral, ninguém irá admitir gostar disso. Tentarão entendê-lo, ao passo de que demonstrarão apatia sobre isso.
Antes de enfrentar Lynda, Carlos precisava fazer um planejamento. Seria tolice simplesmente ir até ela e lutar. Primeiro precisava observar o cenário em que ela se encontrava e criar uma estratégia para derrotá-la no menor tempo possível e com a menor quantidade de problemas possíveis.
Após um tempo chegaram a seu objetivo. A mansão de Lynda não era muito longe da clínica de Serena. Levaram apenas vinte minutos para chegar.
A mansão era enorme. Parecia bem antiga, mas estava em um bom estado de conservação. Era larga horizontalmente, com luxuosas janelas preenchidas por todos os lados. Seu telhado possuía uma textura avermelhada; velha em sua maior parte, mas ao mesmo tempo vistosa. Pequenas colunas cinzas e arcaicas contornavam o telhado. As chaminés eram grandes o suficiente para serem notadas em meio a enorme mansão; seus tijolos acinzentados combinavam com a atmosfera do lugar. A porta era um pouco chamativa; algumas colunas de pedra eram convidativas e sem cor; contrastavam com a beleza verde do jardim.
A rua estava silenciosa. Não havia nem uma viva alma. Era como se as pessoas tivessem medo de passar por aquele lugar. Não existia nem ao menos um morador de rua. Carlos não se surpreendeu, imaginou que com todos aqueles boatos as pessoas se intimidariam. Isso era um ponto a seu favor, pois não teria ninguém para atrapalhá-lo.
— Chegamos — disse Kelvin animado, escandaloso como sempre, o semblante triste e sério havia desaparecido. — Esta é a mansão de Lynda.
— Silêncio — sussurrou Carlos enquanto andava lentamente. — Temos que ter discrição para o que vamos fazer aqui.
— O que faremos exatamente? — Ele imitava o andar de Carlos. “E andar assim não é um pouco indiscreto?” disse o relojoeiro a si mesmo.
— Nós iremos apenas observar — respondeu ele enquanto caminhava.
— Observar? É só isso?
— Sim. Como eu disse, preciso ter um plano para poder agir. Seria suicídio invadir essa mansão sem saber das habilidades do meu inimigo ou qualquer outra coisa que me dê vantagem.
— Certo, farei silêncio então.
Carlos avistou um banco de madeira em frente à mansão. Era um bom lugar estratégico para se sentar e observar. Se dirigiu com Kelvin para o banco calmamente tentando não levantar suspeitas. Achou um jornal no chão e o pegou antes de ambos se sentarem no banco. Colocou o jornal cobrindo seu rosto e começou a observar a mansão estreitamente por cima dele.
Foi um trabalho demorado. Carlos ficou olhando por exatamente 10 minutos. Descartou o jornal e colocou a mão no queixo pensativo enquanto encarava o local.
“Estranho. Existem três guardas posicionados na frente da mansão. Um no canto direito, outro no canto esquerdo e um quase no centro. Posso deduzir que existam a mesma quantidade de guardas na parte de trás dela.” — Começou a observar com um olhar sério e concentrado. Notou que havia algo errado com tudo aquilo. — “Esses guardas não mexeram um dedo desde que apareci aqui. Também não olharam para mim, mesmo eu parecendo suspeito. Duas pessoas sentadas em um banco de uma rua vazia em frente a uma mansão. Acho que seria algo a se estranhar.
— Qual o problema? — perguntou Kelvin enquanto observava o rosto sério de Carlos.
— Tem algo suspeito nesses guardas. — Ele ainda mantinha os dedos no queixo. Estava pensando demais naquilo.
— Esses são os guardas pessoais de Lynda. São sempre vistos na mansão ou escoltando ela. É algo normal. — O relojoeiro não sabia onde ele queria chegar com todas aquelas suspeitas.
— Você tem certeza? Por que eles não se mexem? — Carlos estava cada mais com dúvidas. Tirou a mão do queixo e olhou para Kelvin.
— Ora. Acho que eles realmente levam o serviço a sério, he he! – Kelvin riu escandalosamente, mas logo pediu desculpas porque se lembrou de que não era para fazer tanto barulho.
— Pode até ser, mas é bom pensar nas possiblidades. Se eles forem simples guardas podemos derrotá-los, mas se forem algo a mais nós precisaremos estar preparados.
— Se você está dizendo...
— Espera aí. — Carlos se levantou, olhou para o chão e disfarçadamente pegou uma pedra. — Vou testar algo.
— Ei. O que pretende fazer? — Carlos o ignorou e não respondeu, apenas saiu andando lentamente com a pedra escondida na mão.
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