Fora de sua casa, o céu estava limpo e o clima ameno. Link estava com sorte, aquele era seu dia, podia sentir. A partir dali qualquer situação poderia surgir diante de si que estaria pronto, afinal finalmente tinha uma fada. Estava completo. Olhou para as nuvens no alto, e respirou fundo. Nada mais importava, somente o que via a sua frente e sua nova fada companheira. E claro, o fato da grande árvore tê-lo chamado. Ela nunca fazia isso, pensou, aquele era mesmo seu dia de sorte. Havia até esquecido de seu pesadelo. Somente flashes e imagens quebradas surgiam em sua mente. Paredes de pedras, cavalos, e uma risada...
— Ei, Link! – Alguém gritou para ele.
Sua casa ficava nos altos de um grande tronco de árvore, o que lhe dava uma visão exclusiva de toda a vila. Podia ver os lagos, os túneis, a escola, e até a loja de artigos curiosos. Podia ver todos os seus amigos em afazeres dos mais diferentes. E pôde ver também quando Sária, sua melhor amiga, corria em sua direção o chamando ao balançar de seus braços. Link sorriu imediatamente, estava ansioso para lhe mostrar sua nova fada. Desceu a escada até a metade e pulou para o chão. Sem nem notar, Navi se postava ao seu lado em silêncio enquanto resmungava baixinho.
— Ei, olha só! – Sária surpreendeu-se de imediato. – Uma fada! Você finalmente...
Ele passou o dedo na base do nariz, orgulhoso. Olhou para Navi como que para apresentá-la, mas o rosto da fada se enrijecia em um olhar julgador que analisara Sária dos pés à cabeça. Link não sabia o que ela julgava, sua amiga vestia os mesmos trajes Kokirís de sempre, um conjunto de túnica e gorro, ambos verdes, combinados à uma bota marrom. O mesmo que ele, pensou. Além de sua roupa, Sária esbanjava um sorriso que encantava a todos em simpatia, com seus cabelos louros e sua pele rosada. Mas Link não pôde deixar de notar que não via sua fada conselheira em lugar algum. No mesmo momento, ouviu Navi suspirar de irritação em seu ombro.
— Meu nome é Navi, prazer em conhecê-la – disse a fada. – Agora, se você não se importa temos algo importante para fazer.
— Ah, acalme-se Navi – disse Sária, sorridente. – Me deixe parabenizá-lo. Agora você é um autêntico Kokirí, Link!
Link gargalhou orgulhoso. Era mesmo, tinha que admitir. Talvez seus atos tinham sido enfim reconhecidos pela grande guardiã.
— Por favor, menina – Navi interrompeu –, nos deixe ir, a grande árvore Déku nos espera com certa urgência.
Sária abriu a boca em surpresa.
— É verdade? A grande árvore Déku convocou você? – Sária perguntou a Link.
Passando os dedos pela base do nariz novamente, o garoto respondeu que sim - uma das poucas palavras que dizia em voz alta - esbanjando sua nova grande responsabilidade. Sária manteve-se séria por um momento quase imperceptível, e abriu seu sorriso novamente.
— É uma honra e tanto conversar com a grande árvore Déku – respondeu. – Vou esperar você aqui Link, vá lá e depois me conte todos os detalhes.
Link concordou e a agarrou em um abraço, sentindo o rosto quente de Sária próximo de suas bochechas. Mal podia conter-se. Rapidamente se pôs em direção ao túnel que levava à clareira onde a árvore vivia, mas não sem antes notar que ao se afastar, um brilho de fada saiu de dentro das vestes de Sária, com um audível suspiro aliviado. Ouviu Navi rir baixinho.
— Algumas fadas conselheiras não gostam muito de mim – confessou ela, dando de ombros, um tanto orgulhosa, podia notar.
Link lembrou-se então de que já ouvira falar de Navi pelas outras fadas depois de perceber que ela o vigiava ao passar das estações. Era a fada mais confiável da grande árvore Déku, e por isso era repleta de segredos enquanto se exibia de maneira orgulhosa e imponente, as outras fadas mal podiam suportar. Ele não se importava. Era sua fada. E tudo mudaria a partir dali. Correu ainda mais decidido.
A vila dos Kokirís era uma parque aberto. Os Kokirís podiam ir para onde bem entendessem. Havia túneis. Florestas cheias de criaturas para brincar. Masmorras abertas. E também haviam túneis proibidos. Dois deles em especial esbanjavam tal importância a ponto de serem guardados o dia inteiro por Kokirís adequados e capacitados para o serviço. Eles impediam a passagem de todos nos túneis norte e sul. O túnel do norte era o mais seguro de todos, pois seu caminho levava para o exterior da vila até a estrada do reino que ultrapassava acres de floresta nativa e era estritamente proibido a todos. O túnel do sul, por sua vez, era guardado por quem se dispunha a ser uma espécie de lembrete de que alguns caminhos tinham perigos, aquele era o caminho que levava a clareira da grande árvore e era conhecido por conter criaturas irritantes que poderiam tirar partes de sua pele se suas bocas a alcançassem, era o que diziam. Não era proibido, apesar disso, sua proteção era para com a grande guardiã. E o Kokirí de guarda deveria lembrar a todos disso.
— Ei você! Senhor Sem Fada! – Gritou o guarda responsável no dia. Seu rosto era carrancudo e olhava para Link sempre de cima com os olhos semicerrados. – Qual o seu interesse com a grande árvore Déku?
Link parou e olhou para Navi, sem saber o que responder.
— Sem uma fada – continuou o guarda –, você nem mesmo é um homem!
— Com licença, rapazinho! – Navi se aproximou, as asas eriçadas em irritação. – Por acaso eu sou uma fada, e por acaso esse jovem é meu parceiro, portanto, nos deixe passar, a Grande Árvore Déku nos aguarda.
— O quê?! – O Kokirí gritou em choque. Seus olhos abriram de súbito. – Você conseguiu uma fada?!
Link consentiu com animação enquanto a pequena fada brilhante sentava novamente em seu ombro.
— E como assim a grande árvore espera você? Você foi convocado por qual motivo?
Link gargalhou, cheio de si.
— É assunto entre nós apenas. – Navi empertigou-se. – A grande árvore Déku mandou chamá-lo, e eu devo insistir que nos deixe passar.
O guarda pareceu ignorá-la e se aproximou para ficar frente a frente com Link. Seus olhos semicerrados novamente.
— Por que ela chamaria você e não o grande Mido? – perguntou ele, direcionando a si mesmo em terceira pessoa. – Isso não está nada certo...
O rosto de Mido contorceu-se em algo que Link não conseguia distinguir. O pequeno guarda Kokirí olhou para o interior do túnel como se estivesse lamentando sua frustração, enquanto Navi resmungava.
— Menino, por favor, nós precisamos passar! – repetiu, quase gritando. – É por isso que...
— Eu não vou acreditar nisso! – Mido interrompeu aos gritos. E voltou-se para Link. – Você nem mesmo está todo equipado! Como você acha que vai ajudar a grande árvore Déku e passar pelas criaturas sem uma espada e um escudo?
Link o encarou, e olhou para si mesmo, e de fato era um questionamento sensato.
— Você também não tem uma espada e escudo – a fada replicou. – Por que está exigindo?
— Como é que é? – Mido estremeceu, em choque. E depois parou, desconcertado. – É... Você está certa, eu não tenho meu equipamento preparado, mas, mas... se quiser passar por aqui só poderá com espada e escudo! São as regras.
Mas Link não ouvia nada mais. Deixara Navi para trás e correra em direção a um de seus locais de exploração aos arredores da vila. Ao longe, ouviu a fada gritar por ele e suas asas balançarem em sua direção. Se estivesse certo, uma das histórias antigas poderiam ser reais e uma espada antiga o esperava no labirinto esquecido à oeste. Não saberia dizer se alguém se importaria se a encontrasse, ou mesmo se a grande árvore ficaria brava caso ele tomasse para si, mas iria pegá-la assim mesmo, afinal, de uma coisa Mido estava certo: qualquer que fosse sua tarefa para com a grande árvore Déku, sem equipamentos ele seria inútil.
E, agora que tinha uma fada, ele estava determinado a ser sempre útil.
**
Quando percebeu que Link havia sumido, já era tarde, o garoto se distanciava sentido contrário à Árvore Déku e Navi tentava não se irritar com a criança que guardava a entrada para a clareira, que a observava em meio à gargalhadas sua corrida atrás do garoto. Quando o avistou ao longe, Link se esgueirava em meio à um pequeno túnel que adentrava uma das montanhas que percorriam o perímetro da vila. A entrada estava escondida por um matagal à oeste, e era pequena o suficiente para caber apenas uma criança.
Além de cavernas e árvores, a vila contava com vários túneis que levavam à clareiras antigas e lugares misteriosos onde Link passara a infância brincando com os amigos. Por esse motivo, sabia exatamente qual entrar para chegar na relíquia guardada dos Kokirís. A espada jazia em um pequeno altar feito pelos antigos, e era protegida por um pequeno labirinto que afugentava perigos e criaturas de fora com grandes pedras que rolavam sem fim por seus corredores – alguma magia antiga que Link desconhecia. Contudo, já estava acostumado a passar por elas com facilidade; quando criança, se juntava em grupos para cumprir os mais variados desafios, e um deles era tocar a espada em seu lar. As crianças, por muitas vezes, saíam dessas brincadeiras com muitos hematomas, mas suas fadas estavam sempre prontas para curá-los. Com exceção de Link. O que, por essa razão, adquirira mais habilidade para vencer em função do medo e dessa vez não foi diferente. Quando Navi o alcançou, ele já estava saindo da caverna com a pequena espada na mão.
— Nossa, onde você achou isso? Tem permissão?
Link sorriu e deu de ombros. Sabia que agora faltava-lhe um escudo, mas isso era ainda mais fácil de encontrar. Deixou Navi para trás novamente para seguir em direção à única loja da vila que ficava na beira de um pequeno lago. O Kokirí vendedor era extremamente habilidoso com artefatos que muitos deles nunca sequer haviam visto antes, por vezes criados de sua própria mente criativa, ele dizia, outras achadas por criaturas viajantes que raramente apareciam na floresta, mas que ele tinha seus meios de obtê-las. O escudo de madeira era um deles, além de potes e mais potes de líquidos estranhos que Link nunca se interessara.
Navi o observara sumir novamente com certa inquietude nos olhos. Ao ver a espada, não quis questionar para si como havia conseguido, mas sim atentar ao fato de que ele sabia onde conseguir uma espada e agora provavelmente sabia onde conseguir um escudo. Quando o alcançou, Link estava analisando um objeto na loja: era de madeira rígida, tirada de árvores antigas da floresta, com um pequeno símbolo Kokirí talhado em sua área central. Parecia suficiente, pensou ela. Com uma garantia debochada do vendedor, Link sorriu e o comprou com um grande sorriso no rosto, levantando-o com o orgulho de quem tinha tudo para finalmente encontrar com a grande guardiã.
Vê-lo ali, com uma espada e escudo, dava à Navi uma comichão de sentimento que mal podia distinguir. Aquele garoto tinha determinação, podia admitir. Sentou-se em seu ombro, silenciosamente, e o observou sair aos pulos em direção à entrada da clareira.
— Link! – Uma Kokirí que estava sentada em uma árvore a beira do lago o chamou, ela era um tanto mais nova. – Que emoção, eu ouvi de Sária que você foi convocado pela grande árvore Déku. Nossa! Com certeza você ganhará um presente. A grande árvore Déku é boa e é nossa mãe, ela que deu vida a todos nós, por isso boa sorte.
Link sorriu sem graça, e afastou-se com um aceno. Navi o apressava em seu ouvido, mas não podia deixar de sorrir com a garota dissera.
— Não vá se iludindo, Link – disse a fada. – A Grande Árvore Déku é boa, de fato, mas o assunto aqui é outro. Ela não está bem, e a urgência é necessária e grande demais para pensar em presentes ou outras regalias. Nem eu sei o que ela quer de você.
O garoto a observou em seu ombro, tão próxima, e pôde perceber que Navi estava bastante preocupada. Seu rosto de traços finos e angulados se escondiam em um semblante fechado, seus olhos brilhavam como quem anseia por dias melhores. Seu nervosismo também era aparente, enquanto seu olhar fixava a entrada ao longe, sua mão apoiada no pescoço de Link parecia tremer aos poucos.
Link apressou-se, apreensivo.
— Eu já avisei – Mido gritava ao avistá-los – que se quiser ver a Grande Árvore Déku, é melhor ter um escudo e uma espada devidamente equipados!
Como resposta, Link rapidamente desembainhou a espada e o escudo e parou em frente ao guarda com o rosto sério. Mido ergueu os olhos em surpresa, a boca escancarando ao chão enquanto o analisava dos pés à cabeça.
— Como é possível... – disse ele, nervoso. – Você tem um escudo Déku, feito pelas mãos...
E interrompeu-se ao avistar a mão esquerda de Link.
— Não acredito! A Espada Kokirí?! – suspirou, já sabendo onde a conseguira. – É uma boa espada, devo confessar, mas não sei se você tinha permissão...
Navi levantou-se e voou, os ombros retos e o peito inflado.
— A Grande Árvore Déku concedeu permissão para Link adentrar o vale da relíquia e retirar a espada, você não negaria isso também, negaria?
Mido estremeceu e bufou.
— Bem... Mesmo com tudo isso um fracote será sempre um fracote, não é?
Navi virou para Link, curiosa para sua resposta. Mas este, para sua surpresa, não parecia chateado. Mantinha-se sério, olhando fixamente em direção ao caminho que levava à grande guardiã, absorto em pensamentos. Sorrindo, sentou-se novamente em seu ombro.
A verdade era que Link sequer ouvira Mido falar. Para ele, o caminho que o esperava era cheio de mistérios, finalmente pôde se sentir importante de alguma forma, ali, à poucos passos de descobrir o que o aguardava. Aquelas pedras ao longe, na curva ao fim do caminho, ele queria ultrapassá-las, e não só isso, sabia que Mido exigira espada e escudo porque lá haviam monstros comuns da floresta, criaturas pequenas, mas mortais; e ele estava pronto para superá-las. Estava pronto para superar-se.
— Eu, o grande Mido – continuou o Kokirí guardião da entrada –, jamais o aceitará como um de nós! Como alguém como você pode ser o favorito de Sária e também da grande árvore Déku? Não é justo algo...
— Link. – Navi levantou-se novamente e voou por sobre Mido. – Vamos.
O garoto olhou para Mido, e sorriu. Entendia como o guarda se sentia, era parte de seu próprio sentimento durante anos. A justiça era relativa demais. Mas não havia tempo de discutir. Correu com toda a velocidade que pôde, deixando o pequeno guarda para trás – com seus resmungos e frustrações. Era verdade, afinal, um fracote sempre seria um fracote: mas apenas se continuasse parado, sem se mover para mudar isso. Link não era um fracote, sabia disso, mas também não ficaria parado para que achassem isso. A Grande Árvore Déku o chamara, e ele iria responder. Afinal, não era mais o garoto-sem-fada.
Afinal, agora era um Kokirí de verdade.
***
A Seguir: Link conversa com a Grande Árvore Déku e conhece a história da criação de seu mundo e profecias que há de vir, quando enfim adentra uma caverna cheia de inimigos e enfrenta sua primeira e maior tarefa.
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