Estava tudo calmo naquela casa no campo, ela se encontrava num vilarejo afastado da cidade. Naquela casa moravam duas pessoas, uma senhora de 56 anos chamada Emma, e sua neta; uma garotinha de 9 anos chamada Helena. Elas viviam felizes naquele vilarejo, Helena não tinha muitos amigos mas adorava brincar com um gato de pelúcia rosa, feito a mão pela sua avó.
Helena tinha uma aparência simples, amigável e gentil. Era uma garota muito animada e generosa, sempre queria ajudar os outros e estava o tempo todo sorrindo e exalando amor por onde passava. Não muito diferente de sua avó, uma senhorinha simpática que adorava fazer bolo de cenoura. Ambas viviam muito bem naquela casinha, sem problemas, sem empecilhos. Não havia nada para reclamar. Pelo menos era o que elas achavam, até o início daquela tarde, naquele dia tão bonito e ensolarado.
Helena estava brincando no jardim com o seu gato de pelúcia, nada muito diferente do cotidiano, até que decidiu entrar em casa novamente, pois sentiu o cheiro da comida de sua avó. Animada, chegou pulando até Emma, dizendo bem alto:
— Vovó Eeeemma! — Abraçou sua avó com força —O que você ta fazendo!? Posso ajudar?
— Pode sim, Hel. — Emma fez uma feição confortante, fazendo com que Helena se sentisse muito bem. — Pode pegar alguns limões pra mim, por favor?
—Mas é claro! Pronta para o serviço! — Assim Helena foi correndo até a cesta de frutas para pegar os limões. — Aqui está chefe!
Emma deu uma risadinha.
Após alguns minutos, Emma colocou a sobremesa que estava fazendo na geladeira e sentou em sua cadeira para descansar, logo em seguida Helena sentou em seu colo. Fazendo cafuné nos cabelos de Helena, Emma comentou:
— Sabia que você tem os cabelos ruivos iguaizinhos os de sua mãe? Ela sempre saia correndo quando eu ia escovar, era uma figura. — Parou o cafuné e olhou pensativa. — Se bem que você não é muito diferente.
— Pode parar! Sou uma mocinha comportada, não faço mais essas coisas — Ela segurou o seu gato de pelúcia. — Viu só? O Shawn concorda comigo.
Após umas risadinhas, Emma olhou para Helena com um olhar diferente do comum.
— Que foi, vó?
—Ah, nada... só lembrei de uma coisa, não se preocupe com isso. Por que não vai brincar lá fora? — Emma dava um sorriso disfarçado.
—Ah, pode ser. Volto logo!
Quando Helena saiu de casa saltitando como sempre fazia, começou a resmungar enquanto caminhava com Shawn em suas mãos.
—Por que a vovó sempre fica assim quando fala da mamãe? Eu também quero saber dela, poxa! Quer dizer... Deve ser difícil para a vovó falar algo, eu lembro de ter ouvido a vovó falar com minha tia algo sobre morte brutal... eu nem sei o que significa direito, mas deve ser ruim, né, Shawn? — Segurou o gato de pelúcia com as duas mãos e olhou para ele — Você me entende, né? Tudo que eu já vi da mamãe foram alguns quadros que ela estava junto com o papai. Engraçado que do papai ela fala, né?
Ao falar isso, Helena deitou numa pequena colina que tinha a algumas ruas de distância de sua casa e começou a observar as nuvens, analisando seus formatos, imaginando... Helena gostava muito de fazer isso quando o céu estava cheio de nuvens, ela se sentia feliz, apesar de ter muita curiosidade sobre quem seria sua mãe, ela sabia que um dia sua avó ficaria confortável em lhe dizer tudo. Helena tinha certeza que ficaria feliz em saber.
Sem perceber, Helena começou a fechar os olhos lentamente, até cair no sono. Após alguns minutos acordou com algumas risadas e abriu os olhos, quando levantou, viu que haviam três garotos aparentemente adolescentes, segurando o Shawn e esticando a pelúcia de Helena, que ao ver isso, obviamente sentiu a obrigação de intervir.
— O que vocês estão fazendo com o Shawn!? Larga ele agora!
O garoto mais alto começou a rir e segurou a pelúcia sozinho, dizendo:
— Cala a boca, vadia mirim! Acha que eu vou deixar você de boa depois de ter dedurado que eu estava fumando semana passada? Eu sei que foi você, sua idiota. — Ele segurou em cada mão uma perna do gato de pelúcia e começou a puxar. — Agora acho que ele merece uma amputação.
Helena vendo aquela situação foi correndo até o garoto, mas o outro da esquerda a empurrou ela no chão, que caiu sentada em uma poça de lama que estava no canto, sujando seu vestido todo. Então diante de tudo aquilo, lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, mas isso ao invés de gerar compaixão nos garotos, fez eles rirem ainda mais.
— Uma menininha patética igual você — Disse isso colocando o pé em cima de Helena. — É melhor não entrar no meu caminho de novo! — Depois de arrancar uma perna da pelúcia, começou a puxar a outra.
Helena estava encolhida, mas não conseguia ficar quieta vendo aquele bem tão precioso, que sua avó, a pessoa que ela mais amava no mundo, tirou um pouco do seu tempo para fazer. Enquanto os garotos riam alto, Helena começou a dizer:
— Por favor... foi minha a vó que deu... eu não falo mais com sua mãe... — Ela segurou o pé do garoto, como uma tentativa desesperada de faze-lo parar.
— Cala a boca! — Disse o garoto sem nenhum pingo de piedade.
Helena começou a mudar sua feição, cerrar seus dentes e apertar o pé do garoto.
— Eu... Falei para soltar ele... AGORA! — Ao dizer isso, gerou uma pressão no ar tão grande que os três garotos foram mandados pelo menos dois metros para trás.
— Que porra foi essa, mano? — Os três olharam para a Helena, que estava com uma expressão que nunca viram antes. — É melhor ficar longe dessa merda, vamos sair daqui!
Quando os três garotos saíram correndo, mesmo sem entender nada, Helena pegou os restos de Shawn, os abraçou e voltou andando para sua casa, novamente resmungando.
— Que droga! Como eu vou explicar pra vovó toda essa sujeira? Por que eles tinham que aparecer? Mas que dia chato!
Ela só não sabia que o que esperava ela, era pior que alguns Bullys. O pior dia de sua vida estava predestinado para começar naquele momento. Quanto mais Helena chegava perto de sua casa, mais sentia calor e o cheiro de fumaça ficava mais forte, até que ficou difícil de respirar e de manter os olhos abertos. Helena começou a ficar desesperada quando começou a pensar em onde estava a sua avó, milhões de coisas começaram a passar pela sua cabeça. Aquilo não era cena para uma criança vivenciar.
Quando chegou em sua casa, estava tudo devastado, sua porta caiu e quase acertou sua cabeça, Helena não esperou e entrou na parede de chamas gritando pela sua avó.
—Ei! Vovó! Cade você!? Por favor aparece... eu preciso ouvir sua voz... — Ela engasgou antes de terminar a frase, após ver aquele cenário horrendo.
Sua avó Emma caída no chão, com a barriga perfurada, seus pés sendo dominados pelo fogo e muito sangue espalhado pelo chão. Helena não se aguentou e vomitou quando viu sua avó naquele estado, mas ficou paralisada quando ouviu uma voz grave falar com ela. A voz era tão imponente, que Helena se sentia pressionada contra o chão a cada palavra que aquela pessoa dizia.
— Vejamos... Então você é a garota? Não parece ter aquele potencial todo que me disseram. Bem, de qualquer modo, se nosso rei queria tanto te pegar, deve ser mesmo.
Enquanto Helena levantava a cabeça para ver a pessoa que estava na sua frente, esta pessoa dava alguns passos em direção à Helena. Passos fortes, poderosos.
Helena finalmente viu com clareza quem estava na sua frente, só não conseguia acreditar. Era um homem elegante, alto, com um cabelo bem penteado, lembrava um homem de negócios, mas estava com as mãos ensanguentadas, tinha garras no lugar de dedos, uma face ameaçadora, olhos negros e asas negras enormes. Helena ficou ainda mais assustada.
— Quem... quem é... — Helena não conseguia terminar a frase por estar completamente amedrontada.
— Quem sou eu? Ugh, corta o showzinho. Até parece que um ser demoníaco que nem você ficaria triste por eu matar aquela velha. — Ele olhou para a Emma caída no chão e deu um sorriso. — Até porque essa aí já tava quase, né.
— Não fala assim da vovó... — Helena mal conseguia falar, por sua voz estar tremula, devido o choro. — Ela ta bem...
— Que saco, você é uma criança mesmo, achei que seria mais divertido, agora entendi porque ele mandou um classe baixa para cá. Você é só uma menina frágil, né? — Ele se agachou e olhou bem nos olhos dela. — Pois fique sabendo... que nós só te localizamos por conta do poder que você liberou mais cedo, você lembra? Se sua vozinha está morta agora, é culpa sua.
Helena tapou suas orelhas e começou a gritar enquanto chorava, aquelas informações eram terríveis para ela absorver, ela não conseguia, ela estava perdendo o controle de si.
— Fica quieto... fica quieto... fica... FICA. QUIETO. — Ao gritar a ultima palavra, aquela mesma pressão no ar aconteceu, afastando os objetos ao seu redor e quebrando todas as peças de vidro daquela sala, seus gritos ecoavam por todo o vilarejo.
Aos poucos a aparência de Helena começou a se contorcer encolhida no chão, suas costas começaram a criar um volume estranho, e de dentro de suas costas começaram a nascer asas negras, as veias em volta de seus olhos começaram a saltar, suas íris ficaram amarelas e seus globos-oculares começaram a escurecer, suas unhas se tornaram garras e em sua cabeça nasceram dois chifres, sua face não era mais de uma garota inocente, agora era uma face animalesca, onde só conseguia expressar ódio.
Naquele momento, naquele cenário caótico, era possível ver uma pequena garota diferente, um pequeno demônio. Pela primeira vez, Helena despertou a sua segunda face.
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