― Privet, malen’kaya lisa. ― Disse Nikolai, avistando Kazuo sentando com as costas apoiadas em uma árvore, livros flutuando ao seu redor.
― O que você está fazendo aqui? ― Kazuo perguntou.
― Eu estava te procurando. Não quer treinar comigo?
― Agora não, estou ocupado. ― Kazuo fechou a cara.
― Pra que todos esses livros?
― Para o Eugene. O garoto não vai sobreviver aqui se estiver aprendendo só com Lazuli.
― Mas Lazuli ficou na faixa dourada em mais de três provas do Conselho. ― Ele disse, sentando-se ao lado do Kitsune. ― Eu acho que aquele Dracae é confiável para ensinar o garoto.
― Mas não adianta se ele só estudar quando Laz estiver por perto. Esses livros são para ele estudar em casa, justamente. ― Kazuo disse. ― Enquanto ele faz o dever de casa, ou algo assim.
― Não quer fazer a merenda dele e ajudar a estudar para as provas de matemática, também?
― Vai tomar no cu.
― É a segunda vez que me dizem isso hoje. Vocês são criaturas vis e frias.
Nikolai suspirou, e então teve uma ideia. Antes que Kazuo percebesse o que ele estava prestes a fazer, Nikolai já era um grande lobo negro de olhos cinzentos, encarado o Kitsune como um cachorro pidão. Kazuo não gostava de machucar animais, e quando ele estava com muita raiva de Nikolai, era isso que o bastardo fazia. A raiva dele acabava diminuindo com o passar do tempo, olhando para aquele lobo gigante agindo como um filhote de raposa.
Nikolai jogou-se no chão, sua cabeça deitando na coxa de Kazuo. Seu rabo balançava gentilmente, e Kazuo sabia o que aquela cara significava.
― Eu não vou me transformar para ficar brincando com você, Nikolai!
O lobo bufou, desviando o olhar, mas não se mexeu. Parece que Kazuo estava preso com aquele cara até que decidisse realizar um de seus desejos. Kazuo suspirou, cansado. ― Eu treino com você quando eu acabar de fazer minhas anotações nesse livro.
O rabo de Nikolai começou a balançar mais energicamente, e Kazuo revirou os olhos, sem acreditar que uma criatura daquele tamanho pudesse agir daquele jeito. Voltou à sua leitura. Tinha que acabar logo com aquilo, assim o sofrimento terminava mais rápido.
― Eu vou te destruir, Kazuo. ― Disse Nikolai, sorrindo enquanto subia na arena do arsenal.
O lobisomem desenhou um círculo no chão, e derrubou algumas gotas de sangue em cima. Em um piscar de olhos havia uma espada negra e prateada em suas mãos. Ele a apontou para o Kitsune, que ergueu uma de suas sobrancelhas.
― Você já está sangrando e eu nem encostei em você. ― Kazuo disse, girando seu pulso direito. Uma espada branca e dourada, muito similar à de Nikolai, surgiu.
― Muito engraçado, senhor raposa. ― Nikolai disse. ― Me desculpe se magia não é tão fácil assim para os lobisomens.
Kazuo deu de ombros, entrando em sua posição de combate. Nikolai seguiu o exemplo.
Kazuo desferiu o primeiro golpe, e Nikolai o defendeu com destreza. As espadas batiam uma contra a outra e eles se rodeavam na arena como se fossem parte de uma dança sem melodia. O barulho de metal contra metal era o ritmo, e seus pés seguiam a batida com graciosidade.
Os dois estavam acostumados a lutar um com o outro. Se conheciam desde a infância afinal, é claro que já teriam lutado pelo menos uma vez. Com o tempo, passou a ser por diversão ao invés de raiva. Eles lutavam, e lutavam, e lutavam. Já conheciam todos os golpes sujos, manias e expressões um do outro. Conseguiam se ler como se fossem dois livros abertos, e mesmo assim isso não estragava seus treinamentos. Sempre havia algo novo, sempre havia um resultado diferente.
Eles não contavam as vitórias e derrotas, mas eles não precisavam. Aquilo não era uma competição, era simplesmente uma maneira de aprender um com o outro e ficarem mais fortes, coisas que os dois queriam. Não, precisavam.
Kazuo tentou acertar a coxa de Nikolai, mas isso deu uma abertura para o lobisomem arrancar a espada de suas mãos. A arma voou para longe, e Kazuo estava completamente aberto a qualquer ataque de Nikolai.
O Kitsune girou os punhos, e dois chicotes apareceram em suas mãos.
― Os chicotes são novos.
― Convivência com a Aeris. ― Kazuo deu um sorriso zombeteiro.
― Imagino. ― Nikolai riu.
Os dois continuaram lutando, e Nikolai percebera que não havia como derrotar o outro só com uma espada. Ele a jogou para longe, e Kazuo instantaneamente soube o que ele estava prestes a fazer.
O lobo preto estava lá novamente, e corria direto para o Kitsune, que de repente não sabia o que fazer. Seus sentidos o confundiram, e ele se encontrou preso no lugar onde estava.
O lobo saltou, fazendo com que Kazuo caísse. As patas enormes de Nikolai pressionavam-lhe o estômago, e ele bateu no chão, desistindo da luta.
― Essa foi nova. ― Kazuo disse, sentando-se e recuperando o ar.
― Eu queria vencer essa. ― Nikolai deu de ombros. ― Como você mesmo sempre diz, é preciso usar as fraquezas de seu oponente para vencer uma luta difícil.
Antes que Kazuo pudesse responder a provocação, uma voz estridente e irritante chegou em seus ouvidos. ― Ora, ora, o que temos aqui.
― Cai fora, Watanabe. ― Kazuo rosnou, franzindo o cenho.
― E deixar o desonrado da família Okumura sozinho com um saco de pulgas? ― Watanabe riu. ― Nem pensar. Dizem que não se pode deixar pessoas da mesma laia andarem juntas.
― Deve ser triste não poder andar com os outros cuzões, não é, Watanabe? ― Nikolai respondeu, voltando para sua forma humana.
O Kitsune pareceu ofendido por dois segundos, mas logo começou a rir falsamente. Kazuo sentia uma vontade cada vez maior de dar um soco na cara dele.
A porta do arsenal se abriu novamente, e uma bagunça loira entrou pela porta, com terra em suas roupas e um olhar confuso. Ele logo avistou os três homens brigando na arena, e deu um breve aceno para Kazuo, que teve sua mente iluminada por uma ideia.
― Watanabe, você tem que ir embora. ― Disse Kazuo, virando-se para o outro Kitsune. ― Fomos incubidos da tarefa de treinar Eugene. Como ele é uma Ponte em treinamento, apenas Representantes têm o direito de assistirem, por questões de segurança.
Eugene parecia ainda mais perdido, mas ele decidiu entrar na onda de Kazuo. ― Sinto muito, Sr. Watanabe. Você queria usar o arsenal? ― Ele perguntou, educado e tímido.
Watanabe franziu os olhos para o garoto, e Nikolai sorria incrédulo, observando a situação. O Kitsune logo foi embora, esbarrando no ombro de Eugene.
― Vocês dois são muito parecidos. ― Disse Nikolai, deitando-se no chão. ― Dá para ver mesmo sem observar por muito tempo.
― Obrigado, garoto. ― Disse Kazuo.
Eugene assentiu. ― Não foi nada. Mas eu quero pedir uma coisa a vocês.
Nikolai grunhiu, virando-se de forma que sua barriga estivesse voltada para o chão, e se transformou em lobo de novo. Kazuo revirou os olhos. ― Só porque é Lua Cheia você acha que tem a desculpa de se transformar toda a hora?
Nikolai simplesmente o ignorou e começou a lamber sua pata.
― O que foi, Eugene?
― Vocês podem me ajudar com o meu treinamento, realmente? ― Perguntou o garoto. ― Não que tenha algo de errado com o treinamento de Lazuli, mas… eu queria outras opiniões.
Kazuo e Nikolai se entreolharam, e o kitsune podia jurar que vira um olhar presunçoso no rosto do lobo, como se ele soubesse sua resposta.
― Tudo bem. ― Kazuo disse, semicerrando os olhos. Nikolai parecia rir com a situação. Então ele havia acertado a resposta do Kitsune.
É. Seria uma longa noite.
Comments (0)
See all