Treinar com Nikolai e Kazuo era menos cansativo do que treinar com Lazuli, mas talvez tenha sido porque ele se divertira mais.
Kazuo lhe dera uma espada de madeira para que Eugene pudesse aprender alguns dos movimentos básicos da espada, enquanto Nikolai apenas assistia, parecendo desinteressado. Depois de alguns minutos, ele se levantou e disse que lhe ensinaria luta corpo a corpo.
Agora, Eugene estava com o corpo dolorido. Se jogou em sua cama, sentindo-se mais descansado do que antes, ironicamente. Havia desestressado bastante, e a raiva agora dava lugar para a tristeza.
Fechou os olhos, caindo no sono automaticamente.
O presente de Delilah não era um dinossauro de estimação, porque o estoque havia acabado (ou pelo menos era isso que seu pai havia dito). Sua mãe havia feito alguns docinhos para levar para o aniversário, e Eugene levava toda a sua raiva. Dallon ia aprender uma lição. Eugene estava determinado em vencê-lo em todas as músicas de Dance, Dance 2000.
Chegando na nova casa dos Souto, Eugene percebeu que era bem melhor do que a última, e parecia muito mais cara. Era grande. Será que os parentes de Dallon visitariam?
Tocaram à campainha e uma mulher idosa, com metade do tamanho de Eugene, atendeu a porta. Ela tinha a pele escura, a cara toda enrugada e os olhos azuis bem claros, quase como se ela fosse cega. Seus cabelos eram brancos e amarrados em uma trança.
Ela arregalou um olho, observando quem havia acabado de chegar. ― Rosa! ― Ela gritou, com um sotaque espanhol. ― Hay más gente blanca en la puerta!
― Mamá, ya he dicho para no hablar de los huéspedes en esa manera.
― Ellos están trayendo un regalo. ― A velha disse novamente, assim que Rosa chegou à porta. A mulher abriu um sorriso logo que viu quem era, e pediu para que entrassem, se desculpando por sua mãe.
― Oh, ellos són la gente blanca aterradora que vistes en la puerta, abuelita? ― Eugene ouviu uma voz irritantemente familiar dizer em espanhol.
― Dallon Juán Miguel Souto! Si usted contínua asi me voy a coger la chancla! ― Sua mãe gritou, e Dallon riu.
― Olá, gente branca. ― Dallon disse, se aproximando. ― Perdoem minha abuelita. Me deixem pegar seus casacos.
― Ah, claro. ― Disse Gabriel.
― Eu quero falar com você depois, ok? ― Dallon disse, virando-se para Eugene. No meio tempo, Rosa já havia tirado Gabriel e Natalie de perto dos dois. ― Agora, eu vou apresentar a família. Tente não cair no sono ou se sobrecarregar, você não vai lembrar o nome de todos eles.
E, realmente, Eugene nunca lembraria os nomes de todos ali, mas ele se lembrava de algumas histórias. A mulher que atendera a porta, a avó de Dallon, se chamava Monique e ela tinha uma loja esotérica no Canadá. Ela era a Ponte antes de Rosa, e ela tinha histórias incríveis para contar, mas não com os pais de Eugene presentes.
Ele tinha uma prima que chamara a atenção de Eugene. Seu nome era Belladonna, mas todos chamavam-na de Bella. Ela tinha dezesseis anos e morava na Argentina, já que seu pai era de lá. Algo nela era estranho. Ela tinha a pele escura, assim como o resto da família, mas haviam olheiras profundas ao redor de seus olhos e ela era muito pálida. Tinha a expressão meio distante, como se estivesse com algo em sua mente. Ela seria a próxima escolha para Ponte caso Dallon não tivesse aceitado o cargo.
Haviam os diversos tios de Dallon, de ambos os lados da família. Aparentemente, todos ainda eram unidos, mesmo depois que o pai de Dallon falecera. Eugene não sabia porque aquilo lhe soava estranho, mas era, de certa maneira.
Haviam também as várias crianças correndo de um lado para o outro, junto com Delilah. Eugene sabia que nem todas eram parentes, mas ele achava que a maioria ali era.
― Agora eu vou apresentar as crianças. ― Dallon disse, indicando a porta que dava para o quintal.
Havia uma cama elástica e uma piscina de bolinhas cheias de crianças.
― Meu Deus. ― Eugene murmurou.
― É um pesadelo, não é? ― Dallon murmurou de volta.
― Qual é o problema da sua família? Por que são tantos de vocês?
― Sobrevivência. O homem branco mal pode nos escravizar de novo e a gente precisa de mão de obra para conseguir sobreviver.
Eugene não conseguiu conter uma risadinha. Pelo menos aquela parte de Dallon não era falsa, seu humor negro. ― Oy, pendejos, atención! Hay una persona que quiere conocer ustedes!
Eugene não fazia ideia do que Dallon havia falado, mas todas as crianças se alinharam e fizeram uma fila de mais de dez pirralhos para que todos pudessem cumprimentar Eugene.
― Mário, prazer.
― Julia, prazer.
― Kátia, prazer.
E assim continuou. Todas as crianças falaram seus nomes juntos de um “prazer” e apertaram a mão de Eugene. Assim que acabavam, elas voltavam correndo para o que estavam fazendo. Era um bom sistema, Eugene tinha que admitir.
Já haviam se passado duas horas e eles começaram a ligar o videogame para que todos jogassem Dance, Dance 2000. Uma pessoa de cada “núcleo familiar”, como eles haviam chamado, se voluntariava para jogar. Os jogadores eram, no total, quinze pessoas, já que Eugene também estava jogando.
Seu primeiro adversário era a tia Carlota, uma mulher de meia idade que não parecia uma boa dançarina. O estranho é que quando essa dupla fora sorteada, todos da família suspiraram de alívio. Talvez Carlota fosse, na verdade, uma ótima dançarina e Eugene fosse um idiota.
Ele teria que dar tudo de si para ganhar dela e poder enfrentar Dallon numa partida mano a….
Ele perdeu.
Seu fracasso em Dance, Dance 2000 não fora o foco do resto do dia, felizmente. As pessoas eram eliminadas rápido, e os que chegaram nas semifinais eram Monique, Carlota, Belladonna e Dallon. A família estava dividida. Os pais e os tios puxa-saco não sabiam se torciam para Belladonna e Dallon ou para Monique, que era a mãe de pelo menos sete pessoas daquela sala.
Carlota foi eliminada quando dançou com Monique, e Dallon foi eliminado ao dançar com Belladonna, que era bem mais competitiva do que parecia. Seus olhos pareciam brilhar enquanto ela dançava, e ficava a pergunta se era por causa da dança ou da ideia de vencer.
Dallon puxou Eugene de volta para o quintal, e os dois ficaram observando as crianças correrem de um lado para o outro. ― Enfim eu posso conversar com você. ― Ele disse.
― Você nem sabe se eu quero conversar com você.
― Eu tenho uma ideia de que você não quer me ver nem pintado a ouro.
― Ah, por que será? ― Eugene revirou os olhos.
Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, vendo Delilah comandar uma legião de pirralhos, brincando de faz de conta com o dinossauro de pelúcia que a família de Eugene havia dado para ela. Eles, aparentemente, iriam invadir o castelo de bolinhas, que era comandado pelos Líderes Malignos Demoníacos, um outro grupo de crianças que estava dentro do castelo de bolinhas.
― O dinossauro é um dragão. ― Dallon mencionou. ― Delilah é fascinada com eles. Ela quer muito conhecer um. Ela está esperando ter idade o suficiente para poder ir na reunião de família.
― Que reunião de família?
― A cada dois anos nós temos uma reunião de família em Terra Pax para discutir. O princípio comum de uma reunião de família, mas com alguns papos esquisitos, tipo quem será a próxima criança a desistir da vida para lutar por algo do qual ela nunca fez parte. ― Enquanto ele explicava, um cachorro branco se aproximou dos dois. Ele era o cão da família, um akita chamado Arctic.
― Ah, entendi. ― Eugene disse. ― Eu prefiro, pelo menos, saber que um dia isso poderia acontecer comigo, mas o meu melhor amigo, ou melhor, meu guarda-costas, nunca me disse nada sobre isso.
― É sobre isso que eu queria conversar. ― Disse Dallon. ― Eu espero que você saiba que tem algo estranho em Terra Pax. Aquela carta do seu tio prova isso. Eu também recebi uma.
Eugene endireitou as costas, escutando atentamente o que Dallon tinha a dizer. Como assim, tem algo estranho acontecendo em Terra Pax?
― Oy, Luca, que llevas en la mano? ― Dallon gritou, do nada, para um garotinho no fundo do quintal, segurando algo brilhante em sua mão.
― Un cuchillo! ― O garotinho gritou, correndo.
― No! Pendejo, ven acá! ― Os olhos de Dallon se arregalaram e ele começou a correr atrás do garoto.
Várias criancinhas começaram a correr junto com Dallon, e quando eles estavam passando perto da piscina, Arctic pulou em cima de Dallon, inevitavelmente jogando-o na piscina.
Eugene não pôde evitar soltar uma risada. Era algo um tanto cômico, o sorriso desapareceu de seu rosto, porém, quando ouviu a voz angustiada de Delilah gritando. Vários parentes apareceram na porta, vasculhando o perímetro com os olhos de uma águia, mas Eugene se lembrou primeiro.
Dallon não sabia nadar.
Correu por instinto, honestamente. Estava com raiva de Dallon, mas não queria que ele morresse. Nem tirou as roupas antes de pular na piscina quase olímpica. Eram, no mínimo, dois metros de profundidade.
Eugene tinha o coração muito bom para esse mundo.
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