Era uma manhã silenciosa.
O sol reluzia fraco no horizonte, seu brilho era refletido na neve que cobria o solo do jardim e a cobertura das construções. Um vento frio porém gentil soprava, curvando as colunas de fumaça que subiam das incontáveis chaminés de Weidmar.
Era a última manhã que Darl passaria na cidade antes de partir ao cerco de Alkerfell.
Estava só sobre o telhado do castelo, local que frequentemente compartilhava com Eirkia. A princesa, contudo, lá não estava. Ainda nenhuma palavra havia dirigido a ele nos últimos dias.
E, logo, o garoto perderia sua última chance de conversar com a única amiga que podia dizer possuir.
Por que eles haviam, de repente, tornado-se como estranhos?
Se Eirkia desejava algum tempo para si, o garoto podia compreender. Mas já estavam quatro dias a passar pelo outro nos corredores sem sequer trocar uma única saudação.
Sempre que a princesa encontrava os olhos do garoto sobre os seus, desviava o olhar. Em algumas ocasiões, chegara a refrear o caminho que fazia apenas para não passar pelo dele.
Talvez, quando visse Darl, lembrasse do recém-falecido pai, que tinha planos questionáveis para os dois. O pai cujo coração parara diante de seus olhos.
Ainda assim, mesmo que fosse egoísmo de sua parte, Darl queria vê-la. Queria ter ao menos mais uma conversa com ela antes de partir.
Ele sabia que, se partisse sem o fazer, arrependeria-se para sempre. Ou, ao menos, por um tempo suficientemente longo para que lhe movesse a fazer algo. Assim, o garoto pôs-se de pé outra vez, e retornou ao interior do castelo.
Todas as vezes que conversaram, havia sido pela iniciativa da princesa. Ela era definitivamente uma pessoa extrovertida, e sem medo de empurrar sua vontade aos outros, mesmo quando era contrária à dos adultos.
Ela dizia o que pensava quando assim desejava. Esse era um traço o qual Darl não podia compreender, mas profundamente admirava.
E invejava.
Enquanto caminhava ao longo dos corredores, veio à mente do garoto o fato de que, nas manhãs, Eirkia era tutelada por Szeidung.
Aparentemente, o homem, que além de ser gerente e conselheiro do rei, também cumpria o dever de transmitir à princesa conhecimentos sobre o reino, política e outros assuntos dos quais Darl nada compreendia, mas ouvia com prazer quando saíam dos lábios de Eirkia.
Assim sendo, naquele momento, ambos estariam em uma sala no térreo, ligada ao salão principal, semelhante àquela cuja porta era utilizada por Heisondr sempre que viajava até sua torre mágica.
Naquela hora do dia, normalmente, o garoto estaria com o Arquimago, fazendo parte de mais de seus experimentos. Porém, talvez por haver mais nada a descobrir, ou por ser seu último dia no castelo, não fora chamado.
No salão principal, Darl parou diante da sala. Como podia ver fracos feixes de luz deixar seu interior sob o estreito vão entre a porta e chão, concluiu ainda estar sendo usada. Neste caso, deveria apenas aguardar.
Seu plano era simples, porém, provavelmente, eficaz. Ele esperaria até que Szeidung e a princesa deixassem a sala. Quando o fizessem, saudaria seu alvo.
Até então, apenas dissera "bom dia" em reposta ao cumprimento de outra pessoa. Contudo, se era necessário dizer apenas essas duas palavras primeiro, até mesmo ele conseguiria. Assim, Eirkia seria forçada a reconhecer sua existência e, consequentemente, responder.
Tudo que restava, então, era aguardar. Eventualmente, se ali permanecesse, veria a porta abrir-se, e seu plano entraria em ação. Como a manhã não estava mais em seu início, talvez não devesse esperar muito.
Na verdade, aparentemente, as lições da princesa não tinham um momento exato para acabar, muito semelhantes aos experimentos que o garoto participava com Heisondr toda manhã. Às vezes acabavam horas antes do almoço, outras quando a mesa já era arrumada pelos servos. Era constante apenas o fato de que se finalizava antes da refeição do meio-dia.
Darl não tinha ideia de como sabiam quando era a hora do almoço, visto que o sol tinha alturas máximas diferentes ao longo do ano, mas acreditava não estar distante.
A mesa que no salão era arrumada uma vez para cada refeição ainda não estava lá. No momento, havia apenas uma serva a varrer o chão, que dificilmente parecia empoeirado aos olhos do garoto.
Assim, diante da porta, ele esperou.
Mas ninguém deixava a sala. Talvez não devesse aguardar muito mais, mas já esperava tempo suficiente para questionar a escolha que fizera.
Ainda assim, agora que lá estava de pé ao que lhe parecia um tempo considerável, não podia simplesmente desistir. Quanto mais esperasse, menos teria que esperar.
Mas já estava cansado de esperar.
Era uma possibilidade baixa, mas, talvez, a sala diante da qual aguardava, já estivesse vazia.
Via luz deixar seu interior, mas isso não era garantia que estivesse ocupada. Talvez a janela houvesse sido deixada aberta, apesar de ser inverno, ou outra pessoa já a utilizasse no momento, e as lições já haviam acabado antes mesmo de Darl chegar.
O garoto remoía essa possibilidade quando pensou ouvir algum som do interior. Foi então que teve uma ideia.
Se pusesse o ouvido contra a porta, poderia ouvir o que ocorria do outro lado. Se nada escutasse, a sala estaria, provavelmente, vazia. Por outro lado, se ouvisse as vozes de Szeidung e Eirkia, não restaria mais dúvidas.
E assim fez.
― ... e a mais duas semanas a leste de Convius, está Malaridia, a capital de Tsandrid, nossos maiores aliados. ―, ressoou a voz que devia pertencer ao calvo conselheiro. ― Posso garantir que o melhor vinho é de lá. ―, pareceu rir.
Apenas a voz de Szeidung era ouvida, mas seu tom deixava claro que ensinava a alguém. E esse alguém só podia ser a princesa.
― Rei Anders Sullivan também é uma figura curiosa. ―, continuava. ― Ele não usa uma coroa, como os demais reis, mas uma bengala, que também é passada junto ao trono para cada geração.
Enquanto Darl pressionava o ouvido sobre a porta, uma serva que varria o chão entrou em seu campo de visão. Com as mãos, ela habilidosamente conduzia a vassoura, mas seus olhos estavam fixos no garoto.
Seu olhar podia ser descrito como um de reprovação.
Não era como se o garoto tivesse más intenções. Na verdade, estava tão acostumado a espiar conversas alheias com a princesa que custou a notar o quão suspeito devia parecer no momento.
E por que aquela serva não parava de olhar para ele? Se ela partisse para prosseguir com seu trabalho em outro trecho do castelo, poderia permanecer lá e continuar a ouvir. Contudo, ela apenas varria o mesmo local no chão, com olhos fixos nos de Darl.
Talvez, se ele a encarasse de volta por mais tempo, cedesse e saísse. Então assim fez.
O garoto e a serva encararam-se naquele local, sem mover um pé ou desviar o olhar. Ele, com a cabeça pressionada contra a porta. Ela, a varrer o mesmo ponto do salão.
Foi uma feroz disputa de olhares, na qual nenhum dos dois atrevia-se a piscar. Era natural; aquele que piscasse, aquele que vacilasse primeiro, sairia perdedor.
― Bem, aqui acaba sua lição de hoje. Aproveite o resto do dia para... Bem, para o que quiser.
Antes de Darl pudesse interpretar as palavras que chegavam ao seu ouvido, a maçaneta girou. E a porta abriu.
Como abria para o interior da sala, seu corpo perdeu o apoio que mantinha e, consequentemente, o equilíbrio. Ele cambaleou para o lado até parar pouco antes de esbarrar contra Szeidung.
Quando ergueu seus olhos, viu a expressão confusa do conselheiro e, atrás dele, a princesa.
Estivera tão focado em derrotar a serva que acabara por esquecer seu plano.
Agora, tudo estava perdido. Não havia como ele simplesmente acenar e dizer "bom dia" naquela situação. Mas também não podia permanecer lá diante do caminho dos dois. Só havia uma coisa que podia fazer.
Então ele correu.
Ele correu para longe do salão principal, subiu as escadas e partiu para seu quarto, onde fechou a porta e atirou-se de bruços sobre a cama.
Era frustrante. Era deplorável.
Darl fora incapaz de sequer cumprimentar uma pessoa. Talvez houvesse conseguido se não fosse pela serva que lhe julgava tanto com os olhos. Mas, por mais que tentasse procurar um culpado além de si, apenas retornava ao mesmo ponto.
Não havia garantia, de toda forma, de que, quando a porta fosse aberta, seria capaz de desejar bom dia a Eirkia. Ou que, mesmo se conseguisse, ela responderia. Ele perseguia uma frágil esperança.
Agora que havia estragado seu plano pela manhã, o que poderia fazer?
Talvez pudesse preparar outra forma de falar com a princesa até o fim do dia.
...
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