Adiante na ascendente rua principal, erguiam-se mais altas muralhas e torres. Além de seus portões já derrubados, um grande e branco castelo no topo da colina, muito semelhante aos muros que o cercavam.
Era consideravelmente diferente daquele de Weidmar, que se assemelhava mais a uma grande casa, construído da madeira das lendas da fundação de Hraelund, que suportara até mesmo as garras e o hálito do Grande Dragão Vermelho.
Este era uma verdadeira fortificação rochosa, com pequenas aberturas que deviam servir tanto como janelas quanto pontos onde arqueiros se estacionavam. De seu topo erguiam-se duas torres, além de corredores guarnecidos.
Ao ar, balançavam muitas bandeiras com o brasão de Alken, mas estas agora pareciam tão efêmeras quanto o reino derrotado que representavam.
Mais corpos estendiam-se pelo chão colina acima. Entre eles, andavam soldados de Hraelund. Eles fitavam Darl conforme passava, seus olhos surpresos, mas nenhum ousava dizer-lhe uma palavra.
Algo dizia-lhe que a batalha já estava encerrada.
Antes de ter a chance de entrar no castelo, de sua porta, saíram dúzias de soldados. Além deles, as familiares figuras de Hallerik e Aston, além de um homem arrastado pelos braços por mais dois soldados.
Ele vestia belas roupas, e tinha uma coroa sobre a cabeça. A conclusão que o garoto chegara logo de imediato era a de que se tratava do rei de Alken.
— A fúria de Yahlov ainda cairá sobre vocês! —, mesmo que não andasse com os próprios pés, esbravejava. — Podem ter vencido esta batalha em terra, mas o Abismo espera por vocês!
— Devia estar grato por termos poupado sua família. —, Hallerik, que andava adiante, respondeu. Ele nem mesmo olhava para trás conforme falava.
Os soldados no exterior reuniam-se ao seu redor. Eles sussurravam coisas entre si, e pareciam zombar do rei capturado.
— Darldollum? —, o general que acompanhava o rei notou a presença do garoto, apesar da distância. Contudo, nada mais disse.
A atenção de todos estavam em outro lugar, de toda forma.
— Sua falsa piedade de nada significa! —, continuava a gritar o capturado.
— Homens! —, ignorando-lhe, de frente às dúzias de soldados, o jovem rei de Hraelund levantou a voz. — Que destino devemos dar a este assassino?
Suas palavras ecoaram no novo silêncio, até que a resposta foi ouvida, vinda de incontáveis bocas como um trovão.
— Fogo! Fogo! —, clamavam.
Com um sorriso sádico no rosto, Hallerik virou-se para trás e, enfim, encarou o capturado.
— Ouviu isso, Vengarl? Eles querem fogo. Vocês também levaram tantos de nós à fogueira, não foi?
O rei capturado apenas permaneceu paralisado, boquiaberto. A coroa que já se fixava perfeitamente em sua cabeça, por fim, caiu. Ela rolou pelo chão, até pousar aos pés daquele que agora reinaria sobre suas terras e seus súditos.
Hallerik abaixou e recolheu o adorno, o qual ergueu aos céus, e foi respondido com os punhos erguidos e extáticos urros de glória dos soldados que participaram da batalha.
Esse êxtase cheirava a morte e sangue.
Sobre o ombro de Darl bateu uma mão. Ela pertencia a um soldado que estava ao seu lado, mas jamais havia visto na vida. Ainda assim, olhava-lhe como um velho amigo. Havia um sorriso tão sincero em seu rosto que embrulhava o estômago do garoto.
Aquela batalha havia sido vencida tão rapidamente graças ao poder do deus em seu corpo, graças aos seus feitos no muro exterior. Ainda assim, ele não sentia que fazia parte daquela vitória.
Ele não compartilhava o júbilo daqueles que retornariam aos seus lares com os sorrisos manchados de sangue.
Aquilo não parecia fazer-lhe sentido.
O sol parecia escuro. O chão parecia brilhar.
Darl olhou para o horizonte, e este parecia girar.
Tentou trazer as mãos próximas ao rosto, mas elas não estavam mais lá.
O mundo havia tornado-se escuro.
Naquele escuro, havia diversas luzes. Não sentia frio, por mais que esperasse por tal.
Aquele era diferente dos sonhos que tivera nos quais o deus falava consigo. Em vez de um vazio sem fim, parecia caminhar pelos confins de uma memória.
Prateleiras erguiam por todos os lados. Em seus nichos, havia incontáveis livros.
Naquela imensidão de conhecimento, havia uma alma frustrada por sua ignorância.
— Por que eu não encontro?! Ele é importante, isso eu sei, mas não há qualquer registro! É como se sua existência houvesse sido apagada deste plano...
Aquela alma debruçava-se sobre uma mesa, sobre a qual uma coleção de livros espalhava-se, fechados e abertos.
Sua voz era como a fria chuva. Sua cabeça era coberta pela solitária noite. Seu rosto sem feições continha apenas uma negra cruz.
Até que ergueu sua visão e caminhou em sua direção.
— Talvez... na Beira do Mundo...
Quando ergueu a mão, contudo, conteve-se.
— Ira seik Hraeer, Hraeer wahaay. —, veio sua resposta.
Os livros entraram em chamas, as prateleiras ruíram. O conhecimento deu lugar ao caos, e por esse caos tudo foi engolido.
Apenas escuridão restava.
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