A pequena e bondosa Josi se assustou com a minha volta repentina.
- Já de volta tão cedo, querida? Se alimentou?
Sem desacelerar, segui em direção ao meu canto escondido da biblioteca.
- Não posso falar agora, isso é importante!
Ela tentou me acompanhar com o olhar enquanto eu sumia no meio das prateleiras, preocupada. A flor em seu peito estava linda como sempre.
Coloquei o livro na mesa e vasculhei até encontrar a imagem. Era deslumbrante, flores de todos os tipos estavam pintadas com uma delicadeza e profundidade emocionantes. Virei a página, onde se encontrava a história. Perdi o fôlego. Senti meu estômago revirar, comecei a tremer e senti o suor frio escorrer pela minha pele, meus olhos lacrimejavam. Foi como se o mundo tivesse perdido a cor. Não, não estava certo aquilo, não podia. Virei e revirei a página, alternando da história pro desenho. Não conseguia acreditar. Como flores tão lindas, tão deslumbrantes poderia significar algo tão triste, com tanto sentimento? Eu tinha de encontrar provas para isso. Voltei pra onde Josi se encontrava, e observei mais de perto sua rosa em seu peito. Notei uma aliança em sua mão esquerda.
- O que foi, querida? Está pálida, aconteceu alguma coisa?
- A senhora se importa se eu fizer uma pergunta?- Desviei da pergunta, aflita.
- Mas é claro que não. O que deseja saber?- Ela se acomodou na cadeira, para poder me ver melhor.
- A senhora é casada?
Ela se assustou com a pergunta, deu uma pausa e, tocando na aliança, esboçou um sorriso frágil.
- Já fui, uma vez. Infelizmente o Senhor o tirou de mim faz alguns anos. Ataque cardíaco, tinha uma saúde frágil, meu amado Cláudio.
Meu olhar se voltou novamente pra rosa em seu peito, quando a viúva levou sua mão ao lugar da flor,
sentida pela perda. Comecei a chorar. As lágrimas corriam pelo meu rosto, sem que eu pudesse evitar. Foi como uma facada no meu coração. Tudo o que eu sabia, conhecia, era mentira. Josi, preocupada, veio em minha direção, e me deu um forte abraço. Eu estava desesperada.
- Calma, Liz! Não precisa chorar, é por causa do meu marido? Não se preocupe, está tudo bem! Vai ficar tudo bem...
Eu estava sentada em um banco no jardim da escola. Acabara de me recuperar das lágrimas, e de algum jeito convenci a bibliotecária que eu estava bem.
Fiquei encostada, fitando as flores enquanto estas me encaravam. Aquela simples crença mudou completamente minha visão. Dizia ela que todos somos destinados desde o nascimento. Nossa vida, nossa história, já está definida desde nosso primeiro suspiro. Assim como nossa alma-gêmea. O "amor verdadeiro", por assim dizer, pessoas destinadas a ficarem juntas tem suas almas conectadas. De acordo com o mito, se uma delas se machucar fisicamente, flores iriam nascer da pele da outra, permitindo que ela tenha ciência do sofrimento da pessoa amada. Quanto maior e mais bonita, maior a cicatriz, maior a dor. Não acreditei de primeira, mas quando escutei sobre o marido de Josi, e vi aquela flor imensa no coração da pobre senhora, vi o quão errada eu estava. Lembrei da garçonete de rosto abatido, da enorme flor que tinha em sua cabeça. Meu coração apertou. Por que algo assim tem de existir? Por que só eu posso ver, e as outras pessoas nem se dão conta do que está acontecendo? Minha mente estava cheia, confusa, desamparada. Sentia-me perdida, presa em uma guerra que as outras pessoas não viam ou não queriam ver.
Levantei, os olhos molhados embaçavam minha visão. Encarei as flores com ódio. Como elas podiam ter me traído desse jeito? Elas, que sempre estiveram na minha vida, iluminando, embelezando, me inspirando. Não sabia mais o que pensar delas. Chorei de novo. Lembrei de todas as flores que vi durante esses anos. Deixei as lágrimas caírem, enquanto eu ficava parada lá, em pé, de punhos cerrados em frente às flores daquele jardim. Senti uma mão em meu ombro e virei, assustada. Era Natália, com Vinícius logo atrás. Pela maneira que me olhavam, eu devia estar com uma aparência péssima.
- Liz, mas o que... - antes que Nat pudesse me questionar, me joguei em seus braços. O calor daquele abraço era o que eu mais precisava no momento, como a flor recebendo um sol quente depois de uma noite fria de geada.
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