Passei a noite em claro pensando por onde eu poderia começar. Decidi ir pelo caminho mais fácil, por onde fosse mais acessível. A escola seria meu alvo. Seria difícil, eu não poderia sair por aí perguntando pra pessoas aleatórias se elas estavam se cortando. Iriam achar que eu estava enlouquecendo ou algo do tipo. Não, teria de ser discreta, pensar em alvos específicos e me aproximar. Como uma leoa se aproxima de sua presa, eu descobriria se era a presa certa.
Vesti a blusa mais quente que eu tinha, ventava muito lá fora. Eu caminhava lentamente pelos corredores da escola, observando a tudo e a todos. Eliminaria primeiro as pessoas floridas, eu não tinha um único arranhão. Um nerd de óculos lia um livro em um canto do lado dos armários, um moreno alto conversava seriamente com algum professor. Tentando impressionar uma garota, um loiro falava muito alto no fim do corredor, enquanto um menino baixinho contava suas moedas para o lanche. Um grupo animado de quatro garotos passou por mim, conversando sobre o filme que viram no dia anterior.
Era mais difícil do que eu imaginei que seria. Passando por uma sala, a porta abriu de repente e alguém esbarrou com força em mim, quase me derrubando. A pessoa agarrou meu braço impedindo a minha queda, mas não a dos livros que eu carregava. Levantei os olhos e me deparei com um belo par de olhos verdes, de cabelo embaraçado e um olhar desamparado. Me perdi na imensidão daqueles olhos, sentia o verde da vegetação me cobrir enquanto o cheiro das flores dava uma sensação boa de paz. Logo despertei, e sem tentar fazer com que me soltasse, abaixei numa tentativa de alcançar meus livros. Fui surpreendida por uma voz desesperada, seus braços se mexiam freneticamente.
- Nossa me desculpa, foi um acidente!- ele gaguejava, o suor escorria em seu pescoço.- Ah! Deixe que, deixa que eu pego isso pra... ai! Você!
Estava tão atrapalhado que conseguiu derrubar o mesmo livro três vezes, até que levantou em um gesto exagerado e me entregou os livros, estendendo os braços.
- Me desculpe! Já vou agora!- ele olhou pra dentro da sala de novo e, desviando de mim com cuidado, se apressou para o sul do corredor.
Por detrás, Vini apareceu com calma e delicadeza.
- Que cena engraçada de se ver! Por que acha que ele corria tanto?- comentou.
Fiquei encarando o fim do corredor, sem mexer um músculo, fascinada pelo acontecimento.
- Não sei dizer.
Segui com Vini o resto do caminho, sem deixar de perceber que tanto o menino que eu perdera de vista quanto aquele que me acompanhava não possuíam flores. Mais tarde, a chuva caía como se avisasse o que viria a acontecer, mas eu já não sentia mais o mesmo vazio de antes. Sentia algo mais.
Estava nublado. A chuva já havia parado, os pássaros cantavam menos do que o normal e as flores não exalavam um cheiro muito forte. Tudo se mantia calmo. A janela aberta deixava entrar uma leve brisa, que abraçava meus cabelos pretos e o desarrumado topete castanho da pessoa à minha frente. Ele brincava com a caneta, murmurando o enunciado do exercício. Sua expressão era calma e serena, ainda que um pouco confusa. Me voltei para a janela, o céu mostrava um brilho reconfortante, ainda que trouxesse frieza. Entretida em meus pensamentos, não percebi que Vinícius começara a me observar. Retornei ao meu caderno, fingindo estar concentrada. Ele parecia ansioso, suspirou, e fez o mesmo.
- Ei, Vini.- sussurrei.- Você acredita em destino?
O menino demorou um pouco pra entender a pergunta. Acomodou-se na cadeira, e levou a mão à cabeça, pensando.
- Não tenho certeza...- abaixou o olhar e voltou a brincar com a caneta.- Eu acho que não. Afinal, qual a graça de ter sua vida inteira já definida? Parece injusto você não poder escolher o que fazer da sua vida. É meio estranho pensar assim.
Encostei na cadeira, pensativa. Fazia sentido a ideia dele, mas como eu poderia negar o que eu via? Comecei a imaginar se seria possível possuir mais de uma alma-gêmea pra uma única pessoa. Afinal, as pessoas se juntam e se separam o tempo todo. Se fosse esse o caso, seria a minha busca em vão? Senti novamente a brisa estremecer-me. Precisava saber de Natália seus ideais. Se isso me ajudaria ou não, não sabia dizer. Mas conhecimento não ocupa espaço e minha aventura estava apenas começando. A brisa bateu de novo, dessa vez trazendo um pouco do perfume das rosas com ela.
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