O Sol surgia acanhado por entre as nuvens naquela tarde. A biblioteca estava mais agitada que o normal, afinal, as provas estavam chegando. Eu estava lendo sobre astrologia, esperando conseguir alguma dica, qualquer coisa que me ajudasse na minha jornada, mesmo eu não acreditando muito no assunto. Escutei uma agitação do lado de fora e espiei pela janela, curiosa. Me surpreendi com o culpado da confusão, era o menino de olhos verdes que havia encontrado no outro dia. Ele parecia discutir com um professor e outros dois alunos mais velhos. O professor parecia protegê-los, e ele não estava feliz com isso. Fez que ia embora, e um deles o segurou pelo braço, irritando-o mais ainda. Voltei a olhar para o livro, esperava uma cena de violência e eu não estava com vontade de presenciar, minha cabeça já tinha preocupações demais. De repente, o barulho começou a ficar mais alto, senti algo me empurrar e tudo ficou escuro.
Abri os olhos ainda meio desnorteada. O que tinha acontecido? Foi tudo tão rápido. Levantei devagar e olhei em volta, estava na enfermaria. Levei a mão à cabeça, doía como nunca. Ouvi vozes e logo fui rodeada de professores, enfermeiro e alguns alunos. Dentre eles estavam os responsáveis da confusão do lado de fora, Vinícius e Natália. Ela não estava nada contente.
- Não se levante tão depressa- o enfermeiro me entregou uma compressa de gelo e fez sinal pra eu colocar onde doía- Foi uma batida forte, essa.
- Eu sinto muitíssimo, não esperava que esses alunos causassem ainda mais problemas!- o professor claramente não conseguira resolver a situação.
- Não precisa se desculpar!- tentei tirar um pouco da tensão que emanava daquela sala- Mas...- procurei os olhos de Vini, pedindo por socorro- O que foi que aconteceu?
O professor suspirou, como se estivesse passando pelo mesmo problema repetidas vezes. Então, colocando a mão no ombro de um dos alunos falou:
- Foi por conta deste aqui. Ele teve um desacordo com um outro rapaz e quando o outro tentou ir embora evitar outros desacordos, ele se exaltou e jogou uma mochila nele. Porém, sua mira não é muito boa, e como estávamos perto da janela aberta, foi por lá que ela foi. A mochila te acertou e você bateu forte a cabeça na mesa.- ele parecia feliz com aquilo, como se finalmente tivesse um motivo concreto para puni-lo.
Olhei para Nat buscando uma confirmação, e ela acenou com a cabeça. Mas é claro, por que não? Eu já tenho tanta sorte na minha vida, isso não é nenhuma surpresa. Suspirei, e reforcei que não havia necessidade de se desculpar. O enfermeiro me deu um remédio para dores e recomendou que eu descansasse um pouco. Logo, os adultos saíram com os alunos mais velhos, me deixando a sós com meus amigos. Natália disparou a falar, sentando-se ao meu lado.
- Mas que falta de noção esses meninos! E você, também, não aprendeu que a janela da biblioteca que dá vista pra quadra não é uma boa ideia? Essa não é a primeira vez!
- Mas é o meu cantinho...- ri da preocupação dela.
- Você tem sorte que o Miguel estava lá. Ninguém tinha percebido que você tinha sido acertada, mas ele viu e logo foi te acudir. Francamente, Liz! Tem que se cuidar mais!- Vini se divertia com a situação, mesmo mostrando estar preocupado.
- Espera aí. Miguel? Quem é esse?
Ele riu.
- Sou eu. - uma voz conhecida veio de algum lugar do quarto, e um menino de olhos verdes saiu por detrás do armário, acanhado.
Ele estava nervoso e não olhava diretamente pra mim. O que ele temia? Só percebi que eu estava encarando ele quando Nat me deu um empurrão de leve.
- Ah, p-prazer! Muito obrigada, me desculpe pelo trabalho que causei.
- Não, não, você não tinha culpa de nada! Eu que me desculpo em te envolver assim.- ele se aproximou, mas parecia mais distante que nunca.
Minha visão devia estar meio turva ainda pois as flores que eu via pareciam dançar pelo quarto. Vinícius deve de ter percebido, pois logo começou a se movimentar pra sair.
- Bom, ela ainda parece cansada, então vamos deixar a Bela Adormecida descansar um pouco.
Ele pegou a compressa da minha mão e deixou em cima do criado mudo.
Natália levantou e me cobriu com o lençol. Logo os dois foram em direção à porta e chamaram Miguel.
-Vamos?
Ele acenou com a cabeça e me encarou. Senti um frio na espinha. Tinha alguma coisa naqueles olhos que me incomodava profundamente. Então ele veio em minha direção, como um leão se aproxima de sua presa, se abaixou e sussurrou no meu ouvido, com uma voz calma e singela:
- Eu não vou aceitar isso. Pode contar comigo de que eles vão levar o troco.
Gelei. Antes que ele se afastasse, segurei na manga da sua blusa e esperei ele olhar pra mim. Minha voz quase não saía.
- Por favor, não faça isso.
O medo estava estampado na minha cara, mas a expressão dele se mantinha firme. O campo aberto de seu olhar se tornou uma floresta densa em questão de segundos. Ele se desvencilhou de mim sem dizer uma palavra e fechou a porta ao sair. Eu estava só. Deitei e fechei os olhos. Aquilo não ia acabar nada bem.
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