Alguns dias se passaram sem eu conseguir me reencontrar com Miguel. Depois da aula, passei em uma cafeteria pra me esquentar um pouco. Vini tinha ido treinar com seu time e Nat estava tendo aulas de reforço. Como sempre carregava um livro comigo, não me sentia só. Comecei a prestar atenção na movimentação do Café, estava bem tranquilo pro horário. Foi então que percebi; sentado em uma mesa isolada, estava um menino com uma aura que eu já conhecia. Com suas mãos nos cabelos castanhos claros, Miguel não notou que eu havia sentado na sua frente.
- Oi, lembra de mim?- chamei sua atenção.
Ele foi pra trás num susto, mas logo se acomodou.
- Ah, sim, a garota da biblioteca, certo?- ele estava hesitante, olhava pra várias direções, mas sorria.
- Pode me chamar de Liz, se quiser. - segurei uma mão na outra pra ele não notar como eu tremia de nervoso.
- Liz, é? Tudo bem então. O que faz aqui?
- O que eu estou fazendo em uma cafeteria? Vamos ver... estou ensaiando uma dança!
Ele riu. Era a primeira vez que eu via aquela expressão em seu rosto, foi de tamanho brilho que ofuscou meus olhos, mas não me senti incomodada de tão quente que era.
- Me desculpe, foi uma pergunta boba. Mas o que faz aqui na minha mesa?
De novo, os olhos. Aquele verde parecia mudar de tom junto com suas emoções.
- Eu te reconheci e vim ver como você estava. Isso te incomoda? Eu posso sair se quiser.
- Não, não foi isso que eu quis dizer. Não precisa sair.
Paramos de fazer contato visual, era muito estranha aquela situação. Eu queria falar com ele, mas não tinha ideia de como fazer isso. Nunca precisei começar uma conversa, tendo Vinícius e Natália como amigos. Uma sensação nova, e eu não sabia se eu estava pronta. Com a adrenalina no sangue, tomei a coragem que eu precisava.
- Miguel... – ele voltou a olhar para mim – posso saber por que você brigou com aqueles meninos? Ah, se não quiser me dizer, tudo bem, eu só fiquei um pouco curiosa...
Minha voz não conseguia acompanhar minha euforia, e no final estava falhando drasticamente. Me encolhi no assento, envergonhada, sem saber se ele me responderia, ficou um tempo em silêncio. Uma brisa fria veio da janela, aumentando meu nervosismo. Finalmente, ele suspirou e começou a falar:
- Eu realmente não queria te colocar no meio disso, mas já que você quer saber... Pra falar a verdade, a culpa foi daqueles meninos mais velhos. Seus nomes são Thomas, Bruno e Pedro. Eu tenho essa briga com eles há algum tempo já, mas eles não aprendem. São um bando de bullies que implicam com aqueles que não podem se defender, então eu faço isso por eles. Ontem eles roubaram a mochila de um garoto da minha sala, então eu bati neles. Mas o professor chegou e nos separou, e depois não acreditou em mim. Eu os mandei devolverem a mochila e bem... o resto você já sabe.
Não minto, fiquei um pouco surpresa. Eu não esperava que ele fosse daquele jeito. Desde a primeira vez que eu o vi ele era desastrado e com uma expressão tímida, imaginar ele numa capa protegendo os indefesos era algo difícil para mim. Mas eu ainda não podia concordar com aquilo. Ele tinha bons motivos, mas nada justifica violência e eu estava determinada a impedi-lo de continuar a praticá-la.
-Uau! Eu não esperava por isso...
-Nossa, obrigado pela parte que me toca- ele deu risada e levou a mão ao rosto, envergonhado.
-Não foi isso que eu quis dizer! É só que... você parecia diferente, só isso.
Ele espiou pelos dedos e eu me encolhi, deixando meu cabelo cobrir o rosto. Olhar diretamente para aqueles olhos me exigia um enorme esforço. Senti minha cara esquentar, e ele deve ter percebido pois resolveu se divertir com a situação. Miguel se inclinou na mesa, aquele sorriso se aproximando de mim. Senti um calafrio. O que era aquele sentimento?
- Muito bem- ele se afastou, recostando-se na cadeira- então, o que você quer me falar?
Arregalei os olhos. Como ele sabia disso?
- Tá estampado na sua cara que você tem algo a dizer. Vamos, eu não mordo.
Miguel me surpreendeu novamente, que garoto assombroso. Cada minuto que eu passava com ele me deixava de boca aberta, sua personalidade era desequilibrada e seus olhos não mostravam a mesma expressão de seu rosto. De alguma forma, porém, eu me sentia cada vez mais confortável perto dele. Juntei toda a coragem que eu tinha e respirei fundo:
- Naquele dia na enfermaria você me disse que iria dar o troco. Por favor, me diga que não é o que eu estou pensando. Me diga que você não vai atrás deles para arranjar briga outra vez.
Ele ficou em silêncio e olhou para o lado. Comecei a ficar nervosa.
- Miguel, existem outras formas de ajudar os outros sem violência. Essa não é a resposta para tudo. Eu sei que eu não te conheço tão bem assim, mas...
- Quer saber? Você tem toda a razão. – Ele se levantou, a floresta densa em seu olhar quase chegando a queimar.
Meus olhos começaram a lacrimejar, o lugar ficou frio de repente.
- Você não me conhece. Vê se cuida da sua vida, Liz.
Antes que eu conseguisse dizer alguma coisa, ele já estava além do meu alcance. A cafeteria já começava a ficar mais movimentada, meu desconforto voltara. Ele despedaçou a flor que eu tentei plantar em seu jardim e eu senti a sua dor.
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