O enorme trem chacoalha.
Os amortecedores especiais instalados no casco do veículo fazem a submersão na água, menos acidentada. No entanto, os compartimentos sempre tremem por causa da resistência da tensão da água.
Eu já experimentei isto muitas vezes; só que, desta vez, não estou sentada. Em vez de relaxar no assento, apreciar a vista e ouvir música. Estou indo para a entrada do depósito.
Preciso pegar o equipamento que o Alvo enviou para ajudar na minha missão.
Ainda me sinto estranha com esta situação.
Aqui vamos nós, chacoalhando novamente...
Não me dei conta que tremeria desse jeito estando de pé.
Tenho que segurar o meu corpo e agarrar o firme no corrimão do corredor, acima da minha cabeça, para não cair.
Agora que submergimos o resto da viagem vai ser tranquila. Talvez eu precise de tomar cuidado extra durante uma curva mais fechada.
A maioria dos passageiros costuma permanecer nos seus lugares durante toda a viagem. Mas, é comum eles esticarem as pernas. O Trem Lula oferece boas alternativas para deixar os assentos: Almoço no vagão Restaurante; relaxar na sala de leitura; comprar holos na loja de presentes.
O que acontece depois do processo de submersão faz brotar um sorriso no meu rosto. Uma bela paisagem subnaútica substitui as superfícies metálicas polidas e sem brilho da junção. Adoro quando os tentáculos de luz invadem o corredor. Suas raias atravessando as janelas transparentes de ambos os lados do vagão conferem a esta paisagem artificial uma nova vida. Eles pintam com uma suave e etérea tonalidade de verde tudo o que tocam. É um momento divino para saborear. Uma das poucas coisas dentro desta nave que pode me colocar num estado de absoluto deslumbramento.
O depósito está na parte de trás do último vagão. Eu tenho tempo para apreciar a vista enquanto me dirijo para lá.
Eu me movo tentando não me distrair com a paisagem.
Um espectacular cenário subaquático se desenrola do lado de fora da Lula. Plantas marinhas, recifes de coral e uma variedade de algas. Tudo decorando as fundações do solo construídas para segurar a Zona D acima da superfície.
A nossa velocidade aumenta.
Livre dos grampos da plataforma de lançamento o trem avança.
Num piscar de olhos, o último dos pilares artificiais da Capital Dome desaparece atrás de nós. Logo seguido pelas paredes metálicas que seguram a região acima do nível do mar.
Esta mudança de cenário dá uma sensação de mudança para um outro mundo:
Uma misteriosa realidade escondida dentro da Imaculada.
Criada pelo homem e mantida intocada.
Adoptada pela própria Natureza.
Os construtores da Imaculada fizeram um grande trabalho recriando uma réplica perfeita de um mar real. Copiando formas e paisagens do verdadeiro fundo do mar. Mas, foi a mãe natureza que decidiu se esconder dentro da Vella e seqüestrar sua criação artificial. Dando vida real e um verdadeiro propósito a tudo aqui em baixo.
De certa forma, ela também acolheu a nós Vellers.
O tunelador se move mais rápido.
Estamos agora cercados por recifes subaquáticos rochosos. O tunelador está passando por uma caverna. Espécies de algas verdes e outras plantas exóticas, cobrem as paredes desta caverna, fora do comboio.
O comboio volta a subir e eu tenho de me agarrar mais.
Saímos da caverna pelo seu outro lado. Agora um fundo de mar negro e verde-escuro se espalha. Tão vasto que chega ao infinito de ambos os lados do vagão do trem. A Lula está a entrando na Região Aberta do Pacífico Interior. Um lugar onde podemos encontrar criaturas marinhas.
Com sorte, veremos um desfile da fauna oceânica perto de nossas janelas.
Os animais, vivendo no mar aberto interno, acostumaram-se às lulas. Com comboios sempre a ir e vir dentro dos seus tubos transparentes. Eles perceberam o quão seguro é nadar mais perto dos tuneladores.
Curiosos e hipnotizados pelas luzes do enorme veículo. Eles seguem o trem a uma distância pequena.
Ontem, o meu Trem Lula foi seguido por um par de baleias Beluga.
Todos ficaram tão surpresos. Os passageiros cobriram as janelas com os seus corpos para olhar para elas e gravar holos. Tamanha comoção me fez perceber os raros monstrinhos brancos. Eles são as criaturas mais encantadoras que eu já vi. Mesmo eu, não pude resistir ao impulso de gravar um vídeo holo e tirar h- fotos para mostrar a Belle e os rapazes.
Oh! Eu não tive a oportunidade de mostrar isso a eles.
Este dia idiota fez-me esquecer os holos das Belugas.
Bem, paciência.
Outros visitantes polares podem aparecer esta noite. Os refrigeradores das zonas estão no período ativo. Seus reguladores vão baixar a temperatura da água de Agosto a Fevereiro. Este procedimento vai manter a água a algumas centenas de quilómetros dos remendos muito fria. Fria o suficiente para gerar ventos gelados e tempestades de neve. É assim que simulamos o Inverno Vella para as épocas de Natal. Devido às águas mais frias, as criaturas polares migram da sua região polar artificial. Torna-se normal encontrar esses animais nadando mais perto das praias ao redor das áreas residenciais e comerciais.
As janelas ficaram cobertas por pequenos pontos coloridos: pequenos peixes de todas as formas e cores juntaram-se à nossa viagem no túnel.
Estas criaturas não sabem que viajam através do sistema solar numa nave espacial. Nem que o mar que sempre viveram é, na verdade, uma versão estruturada de um enorme aquário.
É fácil esquecer das coisas boas quando se está esmagada pela tristeza e autopiedade.
"Obrigado, amiguinhos, vocês me fizeram voltar a sentir que Eu valho a pena."
Pelo menos eles são protegidos por lei.
É proibido pescar, caçar ou fazer mal a qualquer ser vivo a bordo das Vellas. A pena por prejudicar a fauna dentro de uma Vella pode ir de um rebaixamento de categoria a anos de trabalho forçado. Em casos extremos, ou de crueldade excessiva: encarceramento e banimento da sociedade Vella. A única maneira de recuperar o status de cidadão novamente é cumprindo pena no Centro Biológico na Zona B.
Os animais que vivem dentro das Caravelas desempenham um papel importante na sobrevivência das mesmas. Eles ajudam a manter um equilíbrio delicado. Um equilíbrio entre os elementos que criam a vida e a própria vida.
Sem eles e os recicladores de moléculas, não teríamos sobrevivido por tanto tempo no espaço.
Uma coisa que, segundo os livros de história, eles se esqueceram de fazer nos dias da Velha Terra.
É uma pena que eu tenha pouco tempo para apreciar a paisagem hoje.
Ainda não acredito que estou prestes a arriscar a minha vida por causa de uma bomba dentro da Lula. No entanto, aqui estou eu. Excitada com a perspectiva de poder fazer isto.
Bem, que outras alternativas eu tenho? Ser morta se a bomba explodir?
Com esse pensamento em mente, cheguei à entrada da área de armazenamento. Atrás de um balcão largo, há dois homens responsáveis pelos armários. Eu os reconheço pelo peculiar uniforme preto e vermelho da empresa Squid Transports and Co.
Um deles é um rapaz muito jovem e bronzeado, não muito mais velho que eu, suponho. O outro é um homem de meia-idade bem constituído.
Eu tento não agir com nervosismo enquanto me aproximo do mais novo.
Ele repara em mim e se levanta da sua cadeira.
"Olá, estou aqui para recolher um pacote do armário D-2566, está endereçado a Lauren Ellis."
Depois de ouvir o meu pedido, o homem mais velho pede o meu cartão EVO. Ele ergue a sobrancelha. Não está contente por alguém solicitar um pacote durante a viagem, em vez de estar sentado e a desfrutar do passeio subaquático. Ele coloca o meu cartão em cima do balcão e uma luz verde se move de um lado para o outro escaneando a informação.
"Você sabe que não permitimos o acesso aos armários com o trem em movimento senhorita Ellis?"
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