- Você já fez algo tão ruim que se perguntou por dias se era mesmo você?
- Com certeza. Situações como essas não são fáceis de se compreender.
- E o que você fez pra que tudo isso sumisse?
- O que você faria?
- Eu daria tudo pra saber. Daria tudo só pra visitar todas as realidades infinitas em que eu já passei por isso e ter a chance analisar como alguém que acompanhou de longe. Poder me julgar sem estar falando comigo mesmo, entende? Acho que não. Mesmo assim, daria tudo pra conseguir entender o que aconteceu. Eu não acho que me entendi, também.
- A verdade é que ninguém se entende por completo. Não entendemos as paredes que nos protegem à noite, não entendemos o frio na barriga quando pensamos em perder alguém, não entendemos a chuva de segunda que aparece quando ninguém espera e nem como as feridas param de sangrar. É irônico pensar que não nos entendemos em tantos níveis que, quanto mais precisamos nos encontrar, mais procuramos ajuda em outra pessoa.
- Dói saber que tudo aconteceu porque fui fraco comigo mesmo. Que tudo o que eu fiz aconteceu porque vivi no que se passava na minha cabeça e nem por um momento fui capaz de olhar além de mim.
- Dói ser o motivo do choro de alguém.
- É. Mas como você sabe aonde quero chegar?
- Eu não sei, e não saberia nem que você me contasse. Mas, com o que está ao meu alcance, só me resta supor a causa da sua tristeza.
- Eu tô triste porque a vida parece um jogo de quem erra menos, e eu errei de todas as maneiras possíveis. Me sinto preso numa armadilha que eu mesmo plantei, num fogo cruzado com duas pistolas que só apontam pra mim. Me sinto com as mãos cheias de sangue num tribunal, incapaz de me lembrar do que aconteceu. Se você quer saber, tô triste porque não fui eu mesmo.
- Mas afinal, quem é você?
- É o que eu vou tentar descobrir.
Saí de frente ao espelho e me preparei para caminhar na manhã de segunda-feira. Começou a chover.
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