“Segure o elevador!”, ela ouviu ele gritar enquanto as portas do elevador se fechavam. Ela apertou o botão e segurou-o para manter as portas abertas. “Obrigado!”, ele falou enquanto entrava correndo no elevador e pressionava o botão do Térreo. O elevador parou e ele saiu novamente correndo. Ela observava enquanto descia para o subsolo.
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Mesmo horário, outro dia, mesma situação. As portas do elevador fechavam e ele corria para conseguir chegar ao elevador. No tempo entre o sétimo andar, onde trabalhavam, e o Térreo, ela perguntou, “Porque está sempre correndo desse jeito?”, “O ônibus às vezes se adianta, e tenho que correr para não perdê-lo”.
O elevador parou no Térreo e ele saiu correndo novamente, antes que mais perguntas pudessem ser feitas.
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Ela estava saindo de casa, mais cedo do que o normal naquele dia, pois precisava finalizar alguns projetos para uma reunião à tarde. De carro, passou pela parada de ônibus, onde reconheceu ele, aquele que passava dia sim, dia também correndo por ela para pegar o ônibus a tempo. “Então ele mora aqui”, ela falou para si, e continuou dirigindo. Naquele dia, ela ainda pensou nele algumas vezes, e porque não tinham se reparado antes.
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Era o início da época chuvosa, e pelas janelas via-se o céu enegrecer à medida que as nuvens inchavam. O vento assobiava e parecia gente, ou talvez assombração. Ele olhava para o guarda-chuva apoiado em sua mesa e pensava se seria capaz de resistir a chuva, pelo menos tempo o suficiente para que esperasse o ônibus.
Ela saiu alguns minutos mais tarde naquele dia, e não se encontraram no elevador. Ela desceu de elevador até o terceiro andar, sacou o dinheiro em um caixa eletrônico, e depois desceu de escadas até o subsolo. Pegou o carro e manobrou para sair da sempre lotada garagem. Estava tão escuro que parecia noite, apesar do sol ainda não ter, tecnicamente, se posto. A saída do estacionamento dava bem próximo à parada de ônibus. Lá, ela o viu parado, tentando segurar o guarda-chuva para que não fosse levado pelo vento, enquanto tentava se proteger da chuva. Pelo visto, também o ônibus se atrasara, e ele esperava lá, se encharcando.
Ela parou o carro próximo à parada, “Precisa de uma carona?”, ele olhou com um pouco de receio, mas acabou entrando quando percebeu que a chuva estava forte, e nenhum ônibus se aproximava. “Obrigado”, “Nada”. Foi nesse dia que descobriram que moravam no mesmo prédio, inclusive no mesmo andar, a duas portas de distância. Ron e Lara, se apresentaram.
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Ela saía de manhã e não o via, nem ele a ela, porque saíam em horários diferentes - por questão de minutos - quando ela terminava de se arrumar para sair, ele estava pegando o ônibus. Também entravam no trabalho em horários diferentes. Ela sempre chegava alguns minutos antes, enquanto ele chegava alguns minutos depois em razão da demora do ônibus. Tinham horários diferentes de almoço - ela almoçava cedo para evitar filas, 11h45, e ele 12h30. Mas o horário de saída era basicamente o mesmo. Ela gostava de sair um pouco mais tarde, para que não pegasse congestionamento na saída da garagem, enquanto ele saia correndo para pegar o ônibus a tempo.
Mas, um dia quando saiu de casa alguns minutos mais cedo, e ele um pouco mais tarde porque dormira demais, se encontraram nas escadas - novamente ele correndo para tentar pegar o ônibus, quase a derrubando no chão. Ela fez menção de cair para frente, mas ele a segurou. “Obrigada”, “Desculpa. Estava tão corrido… eu preciso”, “Pegar o ônibus”, “É…”, “Posso te dar uma carona, estou indo para o trabalho mesmo”, “Não seria problema…”, “Não”.
A partir desse dia, ela começou a sair um pouco mais cedo, e ele a dormir um pouco mais. Chegavam no mesmo horário ao trabalho. Em pouco tempo, estavam saindo no mesmo horário. Almoçando juntos.
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Ela tinha ido fazer algumas compras no mercado, coisinhas bobas, e uma garrafa de vinho - por que não? -, terminava de subir o último lance de escadas antes do terceiro andar onde morava quando escutou uma voz familiar dizer em voz baixa, “Desculpa, mas eu não posso te deixar entrar”, “Porque, tem alguém aí contigo?”, uma voz mais grossa e alta, “Não, não é nada disso. E por favor, fale baixo que a essa hora meus vizinhos estão dormindo”, “Eu não estou falando alto”, “Está, por favor, vá embora”. Ela ouviu o homem bater sobre algo firme, inicialmente assustou-se pensando que o homem que gritava teria batido no outro, mas quando subiu viu Ron encolhido, contra a porta, o medo e a necessidade de manter-se firme. “Me deixe entrar para conversarmos melhor”, “Vá embora, já disse que não temos nada que conversar”, “Eu te liguei e tu bloqueou meu celular”, “Sim”, “Por que? Achas que tens o direito de fazer isso?”. Ele fez menção de entrar e Ron travou o seu caminho. “Não posso deixar você entrar”, “Então realmente tem alguém aí contigo”, “Não tem ninguém”. O homem segurou o braço dele, tirando-o do caminho com força, “Tu sempre foi um bostinha mentiroso, que grita que nem uma menininha na cama”.
“Parabéns, isso foi machista, homofóbico e babaca”, Lara segurava o braço do homem, “E acho melhor você soltá-lo neste exato momento, antes que eu faça algo que ambos nos arrependamos”, “Guria, tu não te mete”. Ela virou o braço dele e com força tirou-o do caminho. “Melhor que vá embora antes que eu chame a polícia”. Ele gemeu de dor, e decidiu ir embora. As compras de Lara estavam jogadas no chão. “Eu te ajudo a juntar suas coisas”, “Obrigada”. Eles juntaram as compras e ele a ajudou a levá-las para dentro do apartamento. “Obrigada”, “Eu que agradeço”, “Não tem problema”, ela abriu o vinho, “Aceita uma taça?”, “Agradeceria muito”.
Naquela noite, ele não tentou se explicar, não falou quem era o homem ou o que ele fazia ali. Um amante, um ex-namorado? Não importava. Eles só beberam o vinho, comeram salgadinhos, apagaram no sofá e se atrasaram para o trabalho.
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Ela encontrou a aliança em uma caixa escondida no guarda-roupa. Tinham terminado há anos, mas ainda guardava aquilo. Ela que decidira terminar, porém ainda tinha aquilo. Aquela lembrança. Jogara quase tudo fora, mas aquilo restara ali, uma marca. Ela guardou novamente, escondendo-a, para que nem ela encontrasse.
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Ele apareceu no prédio onde trabalhavam, com um ramalhete de flores. Ron não tinha ido trabalhar naquele dia em vista de uma consulta médica, mas o homem não sabia. Era o melhor. Ela estava na portaria recebendo uma encomenda. Ele não a tinha reconhecido. Falava com a voz mansa, doce, com a recepcionista. “Poderia entregar para mim, por favor? É para uma pessoa muito querida”, “Deve ser mesmo”.
Ele foi embora, e ela olhou para o ramalhete em cima do balcão. A mulher chamou alguém para levá-lo. Lara queria roubá-lo e jogá-lo no lixo, para que Ron não o visse. Mas não sabia se ele gostaria disso. Ela lembrou da aliança, e o coração parecia levar um choque. Entrou no elevador, junto de uma pessoa com as flores, que tinha um aroma delicioso que lhe deu náuseas.
***
Era noite do dia das flores. Ela estava em casa, tinha achado uma caixa de fotos. Queria queimá-las uma a uma, em um ritual de magia ou qualquer coisa parecida. Ela fumava, a primeira vez em mais de meia década. Uma lágrima caiu de seu rosto, e ela a secou com o dorso da mão. As cinzas do cigarro caíram em sua coxa nua - usava um curto short naquele dia quente. Queimou, deixando uma marca, ela limpou a coxa e então procedeu a queimar-se voluntariamente com o cigarro - outra coisa que achou que não voltaria a fazer. Mas aqueles sentimentos estavam dentro dela, abafados durante todos aqueles anos, e uma parte de si sabia que um dia teriam que voltar à tona.
Escutou uma batida na porta. Ela abriu. “Aceita uma taça de vinho?”, Ron perguntou, os olhos vermelhos, “Claro”. Ela pegou as taças e ele sentou no chão em cima do tapete e perto das fotografias. Os rostos de um homem na fotografia estavam queimados de cigarro. Alguns dava para vislumbrar parte do cabelo ou da mandíbula, em outros era um total mistério. Ron sabia que não devia perguntar quem era.
Não sabiam do que falar, então ficavam em silêncio, com as fotos, as taças e o vinho. “Recebi flores hoje”, finalmente tocando no assunto, “Eram muito bonitas”, “Eu as vi”, “É…”,, “E?”, “E eu não sei”, “O que não sabe?”, “Ele fez merda, mas, sabe, já foi, é passado. Ele mandou mensagens para Ana”, irmã dele que morava em outro estado, “disse que tá fazendo tratamento. Que queria me ver. Pedir desculpas”. Ela acendeu outro cigarro e serviu mais vinho. “Nunca tive um relacionamento tão longo quanto com ele… A gente tinha as desavenças, mas quando ele estava bem, era muito bom. E se ele está se tratando… Talvez seja hora de eu dar uma chance”, “Eu não sei… No outro dia...”, “Foi outro dia. Dessa vez ele até lembrou que sou alérgico a rosas, e escolheu outras flores. Até colocou no bilhete”. Queria dizer algo, mas ela não achava que deveria ser ela a dizer isso, então engoliu suas palavras. Depois disso, tentaram mudar de assunto. Ela guardou as fotos e eles assistiram um filme. Uma comédia romântica, para deixar o clima mais leve, e um filme de terror trash dos anos ‘90 para esquecer a vida.
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