Parte 2 - A Preparação
Quando chegaram ao seu destino o abrasador sol do meio dia tinha sido substituído por um menos agressivo sol de meio de tarde. Era uma enorme linha de sal. Um tapete sólido de sal branco e cristalino com 5 metros de largura que se prolongava até onde a vista alcança. Uma divisória entre o prado verdejante onde eles se encontravam e uma planície negra, seca e morta. Embora o grupo o soubesse, era difícil acreditar que era uma linha circular.
- É maior do que eu esperava – a viagem foi preenchida por conversas entre eles, mas o silencio que se tinha seguido ao avistamento da fronteira foi apenas quebrado com o comentário do João. Ele apenas tinha falado numa tentativa de abafar a ansiedade que aquele lugar lhe dava.
Todos olharam para ele, sem saber como reagirem ao comentário ou à planície, enchendo o João de vergonha e embaraço, o que criou um silencio ainda pior. Nem os insetos se ouviam zumbir. Felizmente a Joana tinha outros planos para além de ficar plantada a olhar para uma planície sem vida.
- Não importa o tamanho. É fácil encontrá-la.
- Eu não sei se isto é uma boa ideia. – desde o inicio que a Lara era contra todo este plano e ver a planície não lhe mudou a opinião. Muito pelo contrário.
- Eu não quero ir para ali – o Igor ainda olhava para a planície, de mão dada com o Teófilo, ao qual se tinha agarrado assim que recuperou forças para andar.
No entanto, a Joana, por mais angustiada que estivesse, não se deixava demover. Chegou-se junto ao Igor, pôs as mãos nos ombros dele e baixou-se até fiarem da mesma altura. Ela sempre achara o Igor fofo por ser baixo, mesmo para a idade
- Não te preocupes, nós puxamos-te, certo Teo? Trouxeste a corda, certo?
- Não... – o Teófilo olhava para a cara de choque e desespero da Joana. Ela sempre fora demasiado cuidadosa, mas desta vez tinha sido extra cuidadosa na preparação desta viagem, verificando vinte vezes se o Teo tinha tudo o que era preciso dentro do saco. – depois das dezenas de vezes que me pediste para verificar que a tinha, e eu dizer que sim de todas elas, eu decidi simplesmente largá-la no chão e deixá-la na vila...
O Teófilo tirou a corda de dentro do seu enorme saco, que, sem uma única queixa, ele sozinho trouxera durante toda a viagem.
- Isto não é altura para brincar, Fil! – o João sentia que a Joana estava muito perturbada e queria ajudá-la no mais que pudesse, sendo que ele também estava bastante ansioso e precisava que todos estivessem concentrados, calmos e sérios, senão ele mesmo ia desatar aos berros e a correr de um lado para o outro.
Felizmente o Teófilo parecer calmo bastava para ajudar o João. Eles os dois eram opostos em certos termos de comportamento e personalidade, com o João sempre muito excitado com a mais pequena coisa e o Teófilo com um interesse desinteressado, ou então em momentos de crise, onde o Teófilo acalmava o João para ele mesmo se poder distrair do que estava a acontecer.
O Teófilo e o João sempre se deram bem e sempre foram amigos. Desde o inicio, quando todos lhe começaram a chamar Teo pois Teófilo era demasiado complicado, o João decidiu que se queria destacar e então, em vez de lhe chamar Teo como os outros ou Teófilo como todos os adultos, passou a chamar-lhe fil. Era algo só deles.
- Relaxa que eu trouxe a corda, vês? – o Teófilo fez um meio sorriso para o João enquanto atirava a corda para a Joana
- E o resto?
- Acalma-te, Joana – o Teófilo perdeu o seu meio sorriso enquanto se virava para a Joana – este saco é tão pesado que acho que trouxemos o dobro do necessário.
Todos afastaram um pouco do tapete de sal e sentaram-se no chão, em circulo, enquanto o Teófilo tirava do saco uma taça de barro e um livro.
- Vamos a isto. Anda daí, Igor – a Joana chamou o Igor com a mão e este aproximou-se, ficando sentado muito junto da Joana, quase em cima dela.
- De certeza que sabes fazer isto? – a Lara só queria despachar este disparate perigoso e voltar para casa, onde seriam todos castigados, mas isso seria melhor do que estarem aqui. Para ser honesta, ela nem queria ali estar, mas os amigos tinham-na obrigado a vir, para não dar com a língua nos dentes
- Não te preocupes, Lara – a forma como a Joana disse Lara indicava claramente que não estava para as suas merdas. Sempre fora assim entre elas. – Segundo este livro, isto funciona. E tu consegues ver que o tapete de sal funciona – de forma involuntária todos olharam para o tapete com perto de 5 metros de largura, enquanto a Joana chamava o Teófilo.
Sem precisar que lhe dissessem nada, os primeiros objetos que o Teófilo passou à Joana foram a velha taça de barro e o livro. A Joana pegou no livro. Era velho e a capa de couro, que outrora tivera inscrições, talvez em ouro, estava bastante desfeita, mas felizmente o interior estava intacto. Ou quase. Várias páginas tinham os cantos desfeitos, e imagens borratadas. Era claro que este livro tinha sido usado descuidadamente por várias pessoas, pois a maior parte das páginas possuía manchas diversas, que iam desde sangue, comida a líquidos desconhecidos.
- Nem acredito que roubaste isto tudo – disse o João, enquanto ajudava o Teófilo a tirar de dentro do saco vários frascos cheios de folhas ou líquidos e dois grandes sacos de sal e a pô-los junto da Joana. A Lara pensava o mesmo, mas em vez de o considerar um grande feito, tal como o João, ela julgava a Joana. – ou que roubaste o livro do teu avô. Ele vai ficar doido!
- Todos os nossos pais vão ficar doidos quando voltarmos – a Lara comentou para si mesma, o que não impediu a Joana de a ouvir
- Ele não se importa...
- De certeza?
- Para de ser tão chata, Lara! – o Teófilo não gostava nada da atitude negativa e agressiva da Lara, principalmente porque não ajudavam o João a acalmar-se.
Era por isso que se tinham que despachar. A cada minuto que passava, para todos, incluindo para a Joana, aquela ideia parecia cada vez pior. Felizmente não tinham que esperar mais pois estavam prontos a começar.
Estavam todos sentados em círculo, a alguns passos do tapete de sal, com o sol de tarde alto no céu, pronto a descer. Por entre a relva papoilas vermelhas alegravam aquela planície ondulada. O caminho deles tinha sido preenchido por flores brancas, mas junto daquela planície vazia parecia haver algo que as pintava de vermelho. Durante a viagem ouve algumas manchas de flores azuis ou amarelas, mas ali eram só vermelhas.
De um lado da Joana estava o Teófilo com o seu saco, seguido do João e do outro estava o Igor que observava atentamente o que a Joana fazia, seguido da Lara. Todos observavam receosos a Joana a folhear a o velho livro, à procura das páginas que já quase tinha decorado.
- Encontrei! Vejamos... encher a taça de sal... - a Joana pegou nos sacos de sal e concentradamente encheu a taça que estava à sua frente.
Foi um processo estranho. Por fim o João tinha-se acalmado. Ver a Joana a medir e a despejar ervas, pós e líquidos na tigela com sal conseguiu acalmá-lo. O resultado da mistura foi um liquido branco pouco fluido.
- Já está! – a Joana estava radiante, mas muito focada em avançar. Faltava apenas uma etapa, mas era a mais complicada. – Chega aqui Igor... estica os braços para a frente.
O Igor imitou a Joana, que depois de pousar a taça no chão, exemplificou com os seus próprios braços. O Igor esticou os seus braços magros e trémulos enquanto a Joana aplicava o liquido a secar nos seus pulsos ossudos, que rapidamente se transformou em duas braceletes brancas e rijas como pedra, tal como o tapete de sal.
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