Parte 3 - A Chamada
O momento estava quase a chegar e a Lara estava cada vez mais ansiosa e desconfortável. Ela não conseguia evitar coçar as costas da mão. Era um tique nervoso que tinha desde que era muito nova.
- E se algo de mau acontece?
- Não te preocupes – o João tentou reconforta-la - ela não pode fazer nada a partir do tapete. Por isso só temos que puxar. E o Fil consegue puxar qualquer coisa porque ele é o mais forte.
O João apontou para o irmão da Lara e para a Joana que apertavam a corda à volta da cintura de um Igor cada vez mais pálido.
- Eu não quero fazer isto
- Temos que fazer isto – a Joana não ia aceitar que o Igor os abandonasse agora, eles tinham que fazer isto – os pais precisam que façamos isto por eles. Vamos deixá-los orgulhosos.
- A minha mãe vai ficar orgulhosa?
- Claro...
Fixaram-se mais uma vez no espaço morto e começaram a dirigir-se para lá. Todo o grupo os seguia, mas a Joana e o Igor foram os únicos a pisar e a caminhar sobre o tapete de sal.
Quantos mais passos o Igor dava menos confortável a Lara se encontrava. A cada passo que ele dava, a necessidade de correr para ele para o apanhar e para o levar para longe da Joana crescia. Mas ela sabia que seria inútil. A Joana era muito mais rápida do que ela, quanto mais com o Igor ao colo. E ainda havia o Teófilo que o agarrava com uma corda.
Pararam os dois juntos, a Joana e o Igor, no final do tapete, a um passo da área morta. O João, o Teófilo e a Lara olhavam ansiosos para eles e, por um segundo, também o Teófilo quis puxar o Igor e correr com ele para longe
- Vou deixar a mamã orgulhosa?
Esta pergunta deixou a Joana perto de quebrar. Isto era preciso para ajudar toda a gente, mas ninguém lhes tinha pedido nada. Ela tinha-se obrigado. A Joana olhou para o Igor e para os amigos. Tinha-os obrigado a eles também.
A Joana conteve as lágrimas e forçou um sorriso enquanto disse:
- Claro. Muito orgulhosa.
Isso bastou para aumentar a vontade do Igor, ofuscando um pouco do seu medo. Para se manter concentrado repetia estas palavras para si mesmo como um mantra.
- Muito orgulhosa.
A Joana agarrou a corda e guiou-se por ela para junto dos amigos. Não que precisasse de ajuda para voltar, mas mais pela necessidade de contacto físico. Ela deixou o Igor a olhar para a zona morta, a preparar-se repetindo o seu mantra. Assim que chegou junto dos outros, a Joana agarrou o braço do João e puxou a corda duas vezes, o sinal para o Igor avançar.
O Igor olhou para a planície, virou-se para os amigos, respirou fundo, repetiu o seu mantra e saltou.
Nesse momento o único pensamento na mente de todos foi puxar o Igor, mas nos segundos que se seguiram ninguém se mexeu. Nem a Lara, nem a Joana, nem sequer o Igor. Todos se mantinham os olhos nele, que se mantinha imóvel.
Até que soltou um riso poderoso e rompante com uma voz feminina que não era nada a dele e se virou para eles. Tinha os olhos cinzentos, quase brancos e cintilantes ao ponto de quase soltarem luz. No entanto, embora parecesse que soltavam alguma alegria, talvez escondida por entre toda a luz e seriedade do olhar, eram frios, vazios e penetrantes.
- Cometeram um erro fatal! – o Igor continuou naquela voz poderosa e destemida, que soltava poder e paralisava o grupo, tanto pela sua intensidade como pela surpresa. Um sorriso de gozo rasgava-lhe o rosto indicando que para o que quer que estivesse a controlar o Igor aquilo era uma brincadeira.
Sempre a olhar para o grupo, o Igor levantou a mão direita e estalou os dedos de uma forma completamente banal, se não fosse pelo estalido quase ensurdecedor e o grupo recuou assustado.
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