Parte 4 - A Conversa
O grupo recuou, pois a presença de magia era bastante óbvia, para não dizer assustadora. Mas nada aconteceu.
- Muito inteligente. – o Igor continuou a sorrir enquanto se virava para a sua mão direita. Depois virou os olhos repentinamente para o grupo, fixando a sua energia, vibrante de alegria e malícia, na Joana – mesmo muito inteligente.
O Igor voltou a rir-se
- Mesmo muito inteligente. Consigo mexê-lo, e mais nada. Bem, quase nada. – o Igor soltou um risinho e começou a mexer nas suas braceletes de sal, mas afastou as mãos quando percebeu que não as conseguia partir. – adicionaram mais umas coisas à mistura, senão nem o conseguiria fazer falar.
O Igor continuava a sorrir de forma falsamente acolhedora, com a cabeça levemente inclinada para a direita e com o olhar a saltar entre os amigos.
A Joana estava arrepiada. Tinha imaginado aquele momento tantas vezes na sua cabeça, vezes em que conseguiam, vezes em que o destino do Igor era igual à daquela planície, vezes em que não conseguiam tirar o Igor daquele lugar. Centenas de conversas na sua cabeça, mas aquela era a pior, porque aquela era real. Porque aquele não era o Igor. O Igor agora era só um hospedeiro para uma criatura magica. Uma marioneta a ser controlada. A sua ausência era arrepiante. Aquele sorriso rasgado, vitorioso e presunçoso, mas ao mesmo tempo meigo, calmante e chamativo e aqueles olhos brilhantes e vibrantes não eram dele. E isso confundia a Joana e dificultava-lhe o raciocínio.
- Isso foi muito arriscado. Vocês devem mesmo muito querer falar comigo.
Enquanto o Igor se voltava a rir a Joana deu um passo em frente
- Precisamos da sua ajuda
- Ajuda? – o Igor inclinou a sua cabeça para o outro lado e o seu sorriso tornou-se ainda mais manhoso. Parecia que estava a pensar se os iria ajudar ou não. Como resposta, simplesmente soltou um riso. Foi um riso diferente, uma gargalhada até. Forte o suficiente para o obrigar a curvar-se e a fechar os olhos.
- Por favor – o João também deu um passo em frente, mas não se aproximando mais do que a Joana – houve vários problemas estes anos e os nossos pais estão desesperados. Por favor ajude-nos...
- Mas como posso eu ajudar-vos... – o Igor estendeu a mão para a frente, mas o ar ficou sólido e ele não conseguiu avançar – se nem consigo passar este tapete de sal que construíram?
O Igor sorria de gozo e malícia, mas lá no fundo vi-a se alguma nostalgia e tristeza.
- Foi preciso, segundo o livro, ias destruir tudo!!
- Como é que sabes?
- Está escrito no livro
- E?...
- E basta olhar para essa paisagem morta! – a Joana acrescentou.
O Igor parecia divertido com toda aquela conversa
- Mas lembrem-se que nem tudo o que parece é - pela primeira vez o Igor levantou os pés e deu alguns passos. Onde ele tinha pisado e onde ele pisava crescia relva a fervilhar de vida. Mas era relva azul. Enquanto dava uns passos o Igor voltou a olhar para eles de uma forma presunçosa. Era óbvio que se julgava superior. – típico dos humanos, julgar algo sem saber todos os detalhes. O mundo não pode morrer. Nada crescia simplesmente porque eu mantinha a energia presa no solo. Nos últimos séculos tenho esperado e armazenado energia. Está tudo no chão, à espera de crescer. – o Igor parou, desviou o olhar e centrou-se nas suas mãos – Eu ia mudar o mundo. Fazê-lo mais bonito – o olhar dele tornou-se melancólico enquanto o sorriso presunçoso desaparecia – e agora estou aqui... presa. Parece-me que não são assim tão incompetentes os humanos...
O Igor continuava a sorrir, mas de uma forma tão triste e sem se virar para o grupo. Ele queria esconder a cara, por isso virou-se um pouco mais. O Igor soltou um pequeno riso.
- Eu ia criar um mundo novo... e agora... todo este poder preso dentro de um espaço tão pequeno!! – o Igor gritou com a sua nova voz imponente. – como um oceano inteiro dentro de uma chávena de chá!!
- Mesmo assim todo o teu território é maior do que a área d’ As Três Vilas – o João decidiu intervir, sem saber se ia ajudar ou não
O Igor soltou um riso histérico, ainda virado de costas para o grupo, como se se estivesse a rir de toda aquela situação, ou talvez de si mesmo. O Igor virou-se levemente para o grupo.
- Sabes querido, eu penso que vos posso ajudar, mas vou precisar de algo em troca
- NÃO TE VAMOS LIBERTAR! – aquela devia ter sido a primeira vez que o Teófilo abria a boca para falar desde que o Igor tinha passado o tapete de sal e tinham invocado aquela coisa.
Como resposta o Igor colocou a mão sobre a bochecha e inclinou a cabeça enquanto virava o olhar para o rapaz que lhe tinha acabado de falar.
- Não te preocupes. Liberdade não é a primeira coisa na minha lista de prioridades. Além disso sei que é um preço que não estão dispostos a pagar. – ele parecia tão inocente e inofensivo, mas com aquela voz não havia maneira de deixar de ser arrepiante. E quando, mais uma vez, se virou para a Joana, gelou-lhe os ossos. Mas foi por um motivo diferente. Ela conseguia sentir, naquele sorriso e naquele olhar, o que ele ia pedir.
- Quero-o a ele.
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