Parte 8 - Epílogo
O Igor andou por tempo incerto, sem se cansar, até chegar a uma torre em espiral. Era velha e enorme. Parecia de um outro tempo, pois por mais velha e estragada que estivesse, não deixava de estar majestosa. A base da torre estava num dos extremos de um edifício retangular.
O Igor entrou pelo extremo do edifício que estava virado para ele, aquele sem a torre. Entrou pela abertura onde teriam estado grandes portas de madeira, mas agora nem as gigantescas dobradiças de ferro se viam.
Enquanto se aproximava do edifício era como que se estivesse em transe. Logo que o viu ficou perdido na sua magnitude, no seu aspeto destruído, mas impetuoso, como se ali estive há mil anos, decrépito e destruído, mas ainda aguentasse mais mil. Mas logo que entrou o transe desfez-se. Lá estava ela, à direita do Igor. Estava sentada numa enorme rocha. Uma parcela do telhado que tinha ruído, e o Igor apenas não tinha reparado no enorme buraco pois tinha-se aproximado pelo outro lado do edifício.
O Igor avançou pelo chão de terra até chegar junto da senhora misteriosa.. Talvez houvesse pedra por debaixo da terra, mas só se via terra castanha, macia e triste, diferente da terra preta sem vida do exterior. A senhora sentava-se descontraída no fragmento de telhado. Um dos detalhes que saltava logo à vista eram as suas hastes, tanto porque eram grandes como porque pareciam feitas de madeira. Eram hastes horizontais sendo que se esticavam para os lados. Tanto no meio como na extremidade da haste, esta esticava-se para cima, dando à senhora o que pareciam ser quatro antenas de madeira.
A senhora parecia olhar para o Igor, embora fosse difícil pois ela usava um véu, um manto, feito talvez de pele de um qualquer animal que por ali tivesse andado nos tempos em que ainda havia vida naquelas planícies, que lhe tapava a cabeça, os olhos e os ombros. Para além do manto tinha um longo vestido, feito de milhares de pequenas penas castanhas.
Mas talvez não fosse um vestido, pois após dar mais uns passos lentos o Igor percebeu que essas mesmas penas também se encontravam nos braços da senhora, agarradas a ela até cotovelo, onde se passava a poder ver a mesma pele do rosto, macia e branca como a neve.
O Igor parou a uns passos da senhora, não por estar assustado ou ansioso, mas porque sentiu que devia parar, e ficou a vê-la levantar-se. Ela era majestosa. A forma como arrastava o seu vestido no chão de terra ao aproximar-se do Igor era de cortar a respiração. Ela chegou junto do Igor e parou durante uns segundos. Os dois quase que se analisavam um ao outro.
- Olá... – ela falou na voz que se tinha apoderado do corpo do Igor, mas já não era forte e imponente, estava muito mais calma e alegre. O Igor já tinha ouvido esta voz alegre e cativante a conversar com ele, enquanto a mesma voz, mas desta vez imponente e austera, falava com os seus amigos.
Esta era a senhora que o tinha controlado, mas já não precisava de impor respeito e medo, então mostrava um lado totalmente novo. Ela destapou a cabeça, mostrando o seu cabelo negro e os seus olhos cinzentos, quase brancos, cintilantes. Os mesmos olhos que os amigos do Igor tinham visto enquanto esta senhora o controlava.
O Igor agora estava tão perdido na imensidão daqueles olhos cinzentos, tão meigos e curiosos que era difícil para ele falar.
- Olá... – demorou e foi a medo, mas conseguiu tirar esta simples palavras da sua garganta. – como é que te chamas?
A senhora riu-se desta pergunta. Parecia-lhe pouco apropriado perguntar-lhe o nome quando tanta coisa estava a acontecer? No entanto o riso dela não pareceu tão inofensivo para o Igor, que se encolheu um pouco mais e virou a cabeça para baixo.
A senhora estendeu a sua mão para o queixo dele e com os seus longos dedos com unhas negras, delicadamente virou-lhe a cabeça para cima. As suas unhas eram compridas e afiadas, típicas de um animal selvagem, mas não magoaram o Igor, pois tal como os animais selvagens, conseguiam ser cuidadosas
- Não estejas nervoso – ela era alta. Se estivesse completamente direita não havia maneira de o Igor a conseguir olhar nos olhos. Mas felizmente ela estava levemente debruçada. O que ajudava o Igor que adorava os olhos daquela senhora de pele branca. – chamo-me Jacklee...
- Eu sou o Igor. – disse ele abruptamente. Não que ele se sentisse desconfortável ou nervoso junto de Jacklee, mas estar junto dela fazia-o sentir-se estranho. Sentia todo o seu corpo a enlouquecer por ela estar tão próxima. Não como quando falou com aquela rapariga ruiva que visitou a vila há umas semanas atrás. Isto era diferente.
- Eu sei quem és. Não é preciso estares nervoso.
- Eu não estou nervoso! Eu... eu... só estou um pouco tonto...
A Jacklee voltou a rir-se. A senhora que estava a falar com o Igor era completamente diferente da que tinha falado com a Joana.
- Deve ser por causa de toda a magia que está no ar... – a Jacklee olhou de forma tanto desafiadora e orgulhosa para o Igor – eu sou uma criatura mágica muito poderosa.
- Consegues fazer magia?!
-Sim! Olha à tua volta
O Igor olhou maravilhado para o chão coberto de relva azul, com manchas de luminosidade devido às grandes janelas e buracos nas paredes. A sala enchia-se de azul. Cresciam vinhas nas paredes e pelo chão espalhavam-se flores. Não das laranjas, mas sim uns pequenos sinos brancos muito bonitos. Musgo verde também crescia nos fragmentos de paredes e telhado que se espalhavam pelo chão.
- Sabes porque é que aqui estás?
O Igor olhou para a Jacklee, sem saber o que fazer.
- Para... para fazer a minha mãe orgulhosa?
- Sim, isso também... – embora tivesse um sorriso na cara, a Jacklee estava triste. Ela não sabia bem porquê. Nunca se sentiu mal pelo que fazia às pessoas, mas este rapazinho era diferente. Seriam todos os seres humanos assim? – tu estás aqui para me ajudar... presa no chão está esta magia. Aprisionada. Impossível de lhe chegar... mas com a tua ajuda eu posso chegar-lhe. E usá-la para fazer crescer as mais belas florestas!
Jacklee estendeu os braços ao céu. O seu entusiasmo contagiou rapidamente o Igor, que ficou com os olhos a cintilar, enquanto perguntava:
- A sério?! O que eu tenho que fazer?
- Nada... só tens que estar aqui... – Jacklee pousou-lhe a mão no ombro – estou a tratar disso desde que passaste a barreira
A Jacklee apontou para a porta por onde o Igor tinha entrado e este, logo que viu o exterior, começou a correr.
O Igor passou entusiasmado por entre a erva azul que crescia desde o inicio, onde já começavam a aparecer esporádicos arbustos e flores de todas as formas e cores imagináveis. O Igor continuou a correr por entre árvores cada vez maiores e mais frequentes até estar completamente rodeado de arvores enormes e robustas, que tapavam o sol com as suas folhas azuis; arbustos de todos os géneros e feitios e ainda mais flores.
O Igor corria de forma alegre e despreocupada, fazendo barulho que assustava animais selvagens. Pássaros que se empoleiravam nas arvores.
- De onde é que estes vieram?
- Fui eu que os fiz – Jacklee tinha chegado ali demasiado depressa para quem caminhava tão calmamente, mas isso não preocupou Igor. Enquanto ela se aproximava ainda mais de Igor, um bando de azulões que o Igor tinha assustado voou para junto dela e pousaram nas suas hastes. Jacklee pareceu não se importar. Muito pelo contrário, ela olhava para eles alegre e orgulhosa.
Jacklee sentou-se no chão e fez sinal ao Igor para se juntar a ela. Calmamente o Igor sentou-se ao lado de Jacklee e pousou a cabeça no seu colo. Era confortável, com todas as penas. Enquanto os azulões cantavam nas hastes de Jacklee, esta não resistiu comentar.
- Tinha tantas saudades destes. Fi-los de memória. Sempre adorei azulões.
O Igor olhava simplesmente para ela, com os olhos cheios de curiosidade e espanto. Absorto pelo cenário onde se encontravam. Jacklee olhava para baixo, com os seus olhos cinzentos cintilantes fixos no Igor, rodeada por raios de sol que esporadicamente atravessavam as nuvens e a folhagem cada vez mais densa.
- Queres que eu te mostre mais?
- SIM!! – o Igor saltou de entusiasmo tão depressa que nem viu o que aconteceu Jacklee.
Quando deu por si, tinha enormes asas à sua frente. Quando estas se abriram revelaram ao Igor uma criatura parecida com uma coruja, castanha com pintas brancas, mas maior que um urso pardo.
Embora parecesse uma coruja, também era bastante diferente, com a sua grande boca com dentes afiados em vez de bico e os seus olhos completamente negros, com pontos brancos como um céu estrelado. E hastes maiores do que as anteriores e muito mais complicadas. Inexplicáveis até. Também possuía longas pernas com pés de águia e uma longa cauda de penas, que se arrastava pelo chão como a cauda de um pavão.
O Igor recuou, assustado e maravilhado. Não sabia o que fazer, até que ouviu a voz de Jacklee, dentro da sua cabeça. A dizer-lhe para não se preocupar, para não se assustar. A dizer-lhe para subir para as costas.
E o Igor obedeceu e subiu para as costas de Jacklee, que logo levantou voo, rompendo por entre os ramos das árvores. Voou para a torre, subindo e subindo, até chegar ao seu topo. Cuidadosamente o Igor sentou-se no que restava da parede exterior da torre circular enquanto Jacklee voltava ao normal e se sentava com ele.
O sol punha-se, o que criava um ambiente mágico, com o céu alaranjado e as folhas a arroxearem-se ao longe. A mancha de floresta continuava a crescer, de tal forma que nem se conseguia distinguir exatamente de que direção é que o Igor tinha vindo.
- É tão grande... – o Igor estava maravilhado com a magnitude do território da bruxa. De facto, virasse-se para onde se virasse, o Igor não conseguia ver a fronteira da planície. O Igor não sabia quanto tempo tinha caminhado, sabia que tinha sido durante muito tempo, mas não se lembrava da maior parte da viagem.
- Sim. Vai demorar algum tempo para tratar de tudo.
- Jacklee? – o Igor continuava nervoso. Havia tanto que ele queria perguntar. Tanto que ele queria ver. Tanto que ele queria saber.
- Sim?
- Quando acabar de te ajudar, posso voltar para a minha mamã? – o Igor não teve coragem para se virar para Jacklee. ele estava tão nervoso por fazer esta pergunta. Ele queria ficar com Jacklee. Ver tudo o que havia para ver e ajudá-la.
O coração de Jacklee começou a pesar-lhe porque no fundo o Igor não queria estar ali, o que era desanimador pois ela tinha uma oferta para lhe fazer. Um dos principais motivos para ela querer o Igor especificamente, para além da sua imaginação fértil e presença animadora, típicas de qualquer criança.
- Claro que sim. – a Jacklee sorriu com a luz laranja a iluminar-lhe o rosto. – mas eu tinha uma proposta. Eu podia ensinar-te a fazer magia...
- A serio?
- Sim, mas se começarmos não te vais poder ir embora por muito muito tempo. Podes não voltar a ver a tua mãe.
- E se eu for ver a minha mãe e depois voltar?
- Não...
O Igor virou-se bruscamente para Jacklee. Ele não sabia se estava zangado, ou desanimado
- Porquê?
Jacklee colocou a sua mão no queixo de Igor, virando-lhe a cabeça. Ela sorriu para ele.
- Não nos vamos preocupar com isso agora. Tens muito tempo para pensar em tudo. Vamos só aproveitar a vista... estou ansiosa por trabalhar contigo. – os dois voltaram a olhar para o terreno sempre a mudar. – O que é que achas de um lago ali ao fundo?
E os dois ficaram a falar do que podiam fazer, com uma alegria e excitação deveras infantil, enquanto pássaros levantavam voo e aterravam. Enquanto o sol baixava e baixava, até desaparecer no horizonte. E pirilampos levantavam voo, com as suas luzes roxas, verdes ou amarelas.
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