Numa dessas viagens, estive em São Paulo e me deparei com este grande casarão na rua Maranhão, número 341 em Higienópolis. Passando por lá, trombei com esse jovem de cerca da minha idade com pouco menos de altura e corte militar. Em primeiro plano, pedi minhas mais bem dadas desculpas por pensar se tratar de um infante. Era um jovem ordinário, que parecia morar naquele casarão de branco.
- Meu Deus, mil perdões, me distraí com o lugar.
- Ah, tudo bem, jovem. Está tudo bem contigo?
- Sim, sim. – concordei com a cabeça em condizente com minhas palavras. – você está bem?
- Estou sim, tudo bem. Mas você não parece ser daqui, está perdido?
- Ah, definitivamente não sou. Vim de Minas Gerais, são meus primeiros dias aqui, vim de passeio.
- Que curioso! Sou de Minas Gerais também, moro aqui com meus pais e meus dois irmãos. – ele afastou rapidamente o corpo depois se aproximou um pouco, puxando mais assunto. Parecia feliz.
- Mora... aqui? – apontei o dedo em sincronia com a indagação, assustado com a possibilidade de ser um jovem mais que classe alta.
- Ah, não... Nossa casa é longe, mais perto da periferia. Moramos do lado da pista de um aeroporto, na verdade. Eu só frequento aqui nos dias de semana.
- Ah... e o que faz? – minha opinião mudara um pouco em razão da reação do jovem, já estava achando que era alguém que trabalhava na limpeza e manutenção da mansão. Devo ter soado um pouco preconceituoso.
- Estudo. É como se fosse uma ordem escolar.
- Isso é uma escola? – perguntei, pensando comigo mesmo a que ponto havia chegado para que uma mansão daquelas fosse uma escola. Nesse ponto minhas opiniões quando se tratava do jovem mudavam a cada segundo.
- É como um instituto católico, sabe?
- Ah, entendi. Você quer ser padre, então?
- É um dos meus objetivos agora. Quero que se torne realidade, por isso estou aqui.
- Cara, você tem muita coragem, sabe? Não seria capaz de seguir um rumo desses. – um clássico adolescente não muito condizente com a Igreja Católica como eu não poderia ser mais omisso do que numa situação dessas.
- É, realmente bem complicado, mas sei de tudo que essa vida me priva e acho que vou conseguir. Aliás, qual o seu nome?
- João Victor, muito prazer, e o... – antes que eu pudesse terminar a frase, ele me interrompeu, parecendo estar entusiasmado com algo.
- Nossa! É um nome muito legal. E bíblico também! Definitivamente eu colocaria no meu filho. Quem escolheu?
- Meu pai. Minha mãe queria um nome diferente, de acordo com o que a tia dela pediu, mas ele não quis.
- Entendi... eu amaria meu filho independente do que fosse. Posso te contar um segredo, cá entre nós? – ele colocou a mão no meu ombro, dando um sorriso bem sincero.
- Pode falar. – me atentei, um pouco preocupado com o que ele diria, ainda sem entender a lógica por trás da vontade de ser padre.
- Eu posso não concordar com o que você diz. Mas saiba que fico muito feliz em ver você defendendo seus ideais desse jeito. Estou orgulhoso do homem que você se tornou, filho.
A situação não fazia o menor sentido, mas eu tive por alguns momentos a grande certeza de que eu falava com o jovem conhecido como meu pai. Esse lugar não existe mais e o casarão já é só um museu. Mesmo assim observei sua versão mais nova se despedir e após alguns segundos se virar com um daqueles sorrisos genuínos que eu não esqueceria nunca mais. Meu celular vibrava em meu bolso, a tela acesa sinalizava uma notificação do meu pai atual, agora há milhares de quilômetros de distância, dizendo “Te amo mais do que meu coração aguenta”.
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