04° Estrofe
Não era raro que alguém se ferisse gravemente na corrida. O fundo da ilha voadora era repleto de pedras flutuantes, desde umas pequenas que atrapalhavam, até grandes como furgões e que podiam ser mortais se atingidas em alta velocidade.
Nem todos os alunos estavam dispostos a desviar e usavam sua magia para tirar as rochas voadoras do caminho. O que tornava as coisas bem perigosas para quem vinha ao lado ou atrás.
A segunda ameaça eram os aônis. Criaturas mágicas bem perigosas que os feiticeiros encantavam para servirem de segurança.
Aripós pareciam enormes raízes saindo por baixo da terra, mas eram monstros espinhosos que tentavam agarrar os corredores que se aproximavam.
Aminhandus eram um tipo de aranha que atingiam proporções assustadoras, desde o tamanho de um gato a um cavalo.
Para piorar haviam as lapides. A academia tinha uma tradição milenar de enterrar as cinzas de seus mais afeiçoados professores, com objetos mágicos embaixo da ilha. Alguns levavam seus tesouros favoritos ou segredos perigosos para o túmulo. Por isso as lapides possuíam todo tipo de feitiços de proteção. Desde os que transportavam que se aproximasse para a parte de cima da ilha a ataques mortais.
A maioria dos corredores tinham vocação para aventureiros e frequentavam as aulas de exploração. Em vez de terem os tradicionais cajados e varinhas, possuem objetos mágicos multifuncionais.
Eram espadas, pistolas, carabinas, livros, punhais, correntes e todo o tipo de coisa que usavam para lançar feitiços. Parecia até um show de fogos de artifício.
Safira possuía dois machetes mágicos de bronze. Funcionavam ao mesmo tempo como machetes e varinhas mágicas.
Com elas Safira cortava as pedras, repelia feitiços e atacava os aônis que surgiam. Tudo em alta velocidade.
Após a metade da ilha começou a passar pelos outros corredores até ficar na liderança. Competindo cabeça a cabeça com mais três alunos mais velhos.
Diferente dos outros na subida final ela voltou a ficar de ponta cabeça e deslizar no musgo preso a ilha. Finalmente surgiu no mirante em primeiro lugar espirrando ervas, terras e musgo.
Safira teve uma corrida excelente, passou por alunos maiores e mais velhos, desviou de galhos que agarraram vários participantes e repeliu vários ataques, vencendo a corrida.
“Grande corrida Safira.” A cumprimentavam por onde passava. “O que planeja fazer nas férias?” Perguntavam.
“Parece que eu fiquei popular.” Safira falou para a irmã. “Krakapow!”
“Você sempre foi popular.”
Seus amigos a receberam com gritos, assovios e abraços.
Uma das melhores amigas de Safira eram a viscondessa Margarida de Calêndula, a herdeira do clã de nobres mais pobres e menos influentes de toda Licorne. Era um pouco rechonchudinha, tinha um rosto redondo e rosado, cabelos castanhos encaracolados e um sorriso contagiante.
Sua outra melhor amiga era Rubi Iómpampé de Rocha. A filha adotiva da rainha Parafina a piedosa com o velho rei Iómpampé.
Era neta de uma prima distante do rei e fora adotada pela família real ainda bebê.
Tinha lindos cabelos crespos negros em cachos longos cercando seu rosto como uma flor de pétalas negras, olhos de um castanho que parecia vermelho e a pele brilhante com uma deliciosa cor de chocolate amargo.
Ela era um tipo raro de tsonome felino e passava quase todo o tempo em sua forma venna, meio garota e meio pantera. Como os nobres só apareciam em sua forma humana ninguém tinha ideia de sua verdadeira identidade.
Sua presença era meio que um segredo já que a rainha havia proibido a maioria dos trabalhos feitos por magos no país. É de se esperar que em um lugar onde pode se encontrar os proclamados deuses andando pelas ruas, não existissem ateus, mas muitos magos eram ateus.
Claro que era impossível negar a existência dos titãs que como já foi dito podiam ser encontrados pelas ruas. O que os magos não acreditavam eram na sua divindade. O maior motivo para isso eram os magos de alto nível, os abadari que eram mais poderosos que os chamados pequenos deuses.
Não era preciso dizer em voz alta que ateus consideravam os titãs um bando de charlatões superpoderosos que tiravam Organização da boa vontade dos outros para serem adorados.
Para os grandes devotos como a rainha Parafina aquilo era uma heresia sem tamanho, por isso quando pode, proibiu os trabalhos dos magos e fez o máximo para bani-los do império.
Além desse fato a maioria dos alunos já tinham uma animosidade contra os nobres por terem excessivos privilégios. Como entrarem na academia sem precisar passar pelos dificílimos exames de admissão e terem garantia de receber a licença especial de mago no final do curso.
Estudantes normais precisavam demonstrar talento e trabalhar muito duro por uma licença especial. Não era raro que uma vila inteira se juntasse para custear o curso de alguma criança brilhante.
A própria academia e o conselho branco tinham regras que impediam que nobres fizessem parte da área administrativa e com muito mérito eram permitidos como professores.
E falando em professores e abadaris, elas foram abordadas por Ravengar o antigo mago real que após ser dispensado pela rainha, foi dar aulas na academia. A maioria fugiu, deixando as quatro que foram impedidas por uma vinha cheia de espinhos que cresceu com um gesto da mão dele.
Safira cumprimentou o professor Ravengar com seu perpétuo sorriso esticado e longos cabelos crespos em volta de suas entradas. Estava sempre a incomodando com histórias de quando era o mago da corte na cidade do porto e quando era professor do seu pai o arquiduque Turquesa. Estava sempre querendo que ela se comportasse como uma Dama da alta sociedade, coisa que Safira particularmente achava ridículo e reservava para ocasiões especiais. “Boa tarde professor.”
“Então vocês quatro estavam naquela corrida ridícula.” Ele puxou a orelha dela. “E posso ver por essa prancha que estava arriscando a vida tentando ganhar esse jogo idiota só para impressionar seus amigos desordeiros.”
“Eu não tentei, eu ganhei.” Ravengar tirou o sorriso dela com uma cajadada na testa. “Au!”
“Muito pior. Isso só quer dizer que de todos você foi a que mais arriscou o pescoço.” Ele colocou a mão na testa e suspirou. “O que eu vou fazer com vocês? O que eu vou fazer com vocês?”
Marquesinha reclamou. “Professor, não nos trate como crianças. Daqui a três dias seremos legalmente adultas.”
“Eu as tratarei como crianças enquanto comportardes como crianças.” Ele bateu o cajado no chão e fez um barulho alto. “Não esqueça de todo o esforço que tantos fizemos para que as duas pudessem morar aqui em segurança.”
As duas abaixaram a cabeça chateadas. “Desculpe professor.”
Ravengar tirou quatro envelopes da roupa. “Eu pretendia lhes entregar isto. Mas seu comportamento realmente me desmotiva.”
“Esse é o cartão de feiticeiro reconhecido pelo conselho Branco e a União de guerreiros que o senhor nos havia negado?”
“Exatamente. Com este cartão vocês são adultas perante a lei de Licorne e mais quase duzentos países. Com isso podem entrar em cidades sem pagar taxas, possuem acesso a qualquer transporte, entrar em qualquer país afiliado e ter acesso a uma inigualável liberdade.” Ele apontou seu dedão. “Isso é uma grande responsabilidade.”
Safira quase pegou um envelope tremendo de excitação. “Com isso podemos fazer trabalhos de aventureiras como podem caçar animais e criminosos! Shakalaka!”
“Viste? Já começaste a falar asneiras.” Ele bateu nela de novo. “Sabemos que muitos nem querem ir para as férias e já pretendem ingressar em um ofício com o cartão. Durante esta semana todos foram relembrados das responsabilidades e deveres deste cartão. Os mais velhos deveriam instruíram os alunos do modulo anterior ao uso correto deste privilegio. Não aprenderam nada?”
“Sim senhor. Aprendemos.”
“E quanto a você Rubi? Enquanto está se divertindo nessa irresponsabilidade, seu irmão está lá no conflito do Norte arriscando a vida liderando o exército imperial.
Rubi se encolheu e forçou um sorriso. “Mas mestre. Magmático está brigando contra o Abadari e o senhor é um dos maiores arquimagos Abadaris. Não devia estar contra ele e apoiar minha atitude pacifica e antiguerra?”
Ravengar deu um croque nela também. “Não brinque com assuntos de tamanha seriedade sua peste. Pressionam-me para que tome uma posição quanto a situação Abadari e também partirei hoje. Não posso garantir-lhes que estarei aqui ao voltarem, por isso decidi entregar-lhes os cartões mesmo sabendo que estão despreparadas.”
Safira esfregou o braço e desviou o olhar. “Tudo bem professor. Eu sei que eu não mereço. Vou me esforçar para merecer o cartão ano que vem.”
“Fico feliz em ouvir isso.” Ele entregou os envelopes. “Considerem meu presente de bom fará.”
As meninas gritaram, lançaram feitiços, pularam abraçaram e beijaram o professor.
“Estou feliz por vocês, mas também preocupado. Lá fora as coisas não são festas e brincadeiras como na academia. Terão que amadurecer.”
“Festas e brincadeiras?” Safira reclamou. “Não deixam a gente fazer nada. A única coisa legal de estudar que é a mágica, somos proibidas de usar.”
Ravengar ameaçou bater nela e saiu reclamando.
Safira esfregou a cabeça dolorida. “E ainda dizem que eu sou a favorita dele.”
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