— Que maravilha! — disse Pedro, irônico. Se olhasse com atenção, poderia enxergar a fumaça saindo de sua cabeça. — Você vai ter que ficar aqui por mais duas semanas!
— Por que? — o outro rapaz, Lucas, apareceu, apoiando-se no batente da porta, as sobrancelhas erguidas.
— Acabou de passar no jornal. A quarentena foi estendida de novo — falou ao se levantar do sofá —, o que quer dizer que eu estou preso aqui com você — apontou para Lucas.
— Por que você faz tanto drama com isso? Acha que vou te matar? — riu.
— Sim, acho sim.
O sorriso de Lucas desapareceu. — Por que acha que te odeio?
— Eu não acho, eu sei! — suspirou pesado e jogou-se no sofá, as mãos cobrindo seu rosto. — Eu sabia que não era uma boa ideia te deixar ficar aqui.
— Então por que deixou?!
— Porque eu tava fazendo um favor por seu irmão.
— Então é só por causa dele que estou aqui? — perguntou indignado, os braços cruzados.
— Claro que sim! — quase gritou. — A culpa não é minha se sua namorada te expulsou da casa dela. O que eu tenho a ver com você ser um péssimo namorado?!
Lucas fechou os olhos e respirou fundo. — Nós éramos péssimos um para o outro. O término foi recíproco... — enquanto falava, andou em direção ao sofá. — Olha pra mim — disse ao sentar no sofá ao lado do outro rapaz. — Eu cansei, tá bom? Eu cansei de tentar adivinhar porque você me odeia. Então, por favor, me explica, porque eu desisto de tentar descobrir.
— Só pode ser brincadeira! É sério que você vai pagar de inocente?
— Sim, Pedro, é sério! Eu não sei o que aconteceu pra você me odiar tanto assim!
— "O que aconteceu"? Não quer dizer "o que eu te fiz"?
— E o que eu te fiz?
— Você... Você me machucou! Foi no seu aniversário, há alguns anos... Você tinha brigado com seu irmão e veio passar uns dias aqui em casa. Você tava muito chateado, então fomos ao bar pra você se animar um pouco. E... Teve um momento que você me abraçou, um sorriso no rosto, e falou que me amava. E eu... Te beijei.
Lucas ficou quieto. Lembrava-se daquela noite, mas achou melhor não interromper.
— Você me empurrou e simplesmente... Sumiu. Nem sei onde você dormiu naquela noite. Eu te liguei, te mandei mensagens, mas você não respondeu nenhuma... Nós estávamos bêbados, você podia ter fingindo que aquilo nunca aconteceu e eu faria o mesmo, mas é claro que não! Você tinha se afastar, né? Tinha que deixar claro que eu perdera meu melhor amigo! Você nem veio buscar suas coisas, mandou seu irmão. Você sequer... Me deu um "adeus", simplesmente me excluiu da sua vida.
— O que você esperava que eu fizesse?! Eu não sou igual você! Eu não...
— Não é gay? Era só ter me falado!
— Eu não tenho um família que me aceitaria! — gritou, impedindo Pedro de continuar. — Eu não tenho pais que me amariam independente da minha orientação sexual... Eu não tenho uma família que me apoiaria! Eles fariam questão de implorar que ninguém mais soubesse que sou pansexual! Eles prefeririam acreditar numa mentira a me aceitar como sou!
Pedro sentiu seu coração se apertar. Queria abraçá-lo, mas não o fez.
— Eu sumi porque... Porque estava tentando... Ficar em paz comigo mesmo. Aquele "eu te amo" foi de verdade. Eu te amo como amigo, mas não só isso. Eu não esperava que você fosse me beijar! Eu... Eu te amo há tanto tempo... E eu me assustei porque não sabia que você sentia o mesmo por mim. E, se nós ficássemos juntos, significaria que eu teria que enfrentar minha família já que eu não esconderia meu namorado. Eu sumi porque precisava de um tempo sozinho para tomar coragem e me assumir pra minha família. Mas quando eu fui falar com você, você me tratou tão friamente... Você me afastou...
— Eu tava magoado! Porque você... Simplesmente me ignorou, não tentou consertar nossa relação. Eu pensei que era o que você queria: nunca mais me ver.
— Não, Pedro, não — aproximou-se um pouco mais de Pedro e depositou sua mão na bochecha do outro rapaz. — Tudo que eu quero, tudo que eu sempre quis... Foi que você me amasse. Eu...
Pedro o calou com um beijo que foi retribuído. Acariciou os cabelos de Lucas como sonhara em fazer desde o dia que percebeu seus sentimentos por ele.
Separaram-se após alguns segundos, e ambos estampavam sorrisos nos rostos. Lucas tomou coragem e disse:
— Sei que o mundo está acabando ao nosso redor, mas eu não me importo, porque meu mundo está trancado ao meu lado nessa casa.
Comments (0)
See all