Talvez ninguém nunca tenha dormido tanto quanto Ilídia desde que chegou à hospedaria do rapaz gripado. Muita energia havia sido sugada nesse teletransporte através dos Treze, fazendo tanto a garota como Doze dormir por um dia inteiro.
Ela acorda assustada ao perceber o tempo que passou e, por um momento, a ter consciência real de tudo que fez. Deveria ser responsável por si mesma e falhou no primeiro teste, acordando atrasada. Escondendo seu rosto entre os joelhos, com os braços cruzados, respira fundo e tenta se acalmar. Queria voltar para casa... Um sentimento de urgência, incomodo e arrependimento tremendo que, normalmente, só adolescentes sabem bem como é. Por muitos, esse casal de bichinhos da puberdade é chamado de Drama e Impaciência.
Através da minúscula janela às suas costas, consegue ouvir o barulho dinâmico e tumultuado da cidade. O sol brilha e garoa ao mesmo tempo. Veículos mágicos semi-esféricos de transporte movem-se rapidamente de um lado para o outro. Alguém toca um instrumento de cordas perto da porta da hospedaria. Os passos dos pedestres são ritmados e, de alguma forma, em sintonia com todos os outros. Seu irmão dizia, quando estudavam sobre as sociedades, que as cidades pareciam ter vida própria – muito similar ao nosso próprio organismo.
Contudo, algo a incomoda e a tira do transe, fazendo-a levantar da cama.
Quando Ilídia vai fechar a janela, entende o desconforto: há muito pássaros em Alter. O pio deles são como a alarmes, um barulhento alerta em uníssono. Não há animais na floresta ao redor de sua casa, os Treze e as árvores são os únicos seres vivos que estão lá. Zafrino comentou uma vez, ao fuçar as correspondências dos pais, que nem mesmo espécies próprias do deserto no qual moravam conseguiam passar vivos pelo muro.
Após o segundo uivo de uma fábrica nos arredores, tranca a janela, a porta e sai da hospedaria apressadamente – antes que notassem sua saída e fizesse algum tipo de pergunta. Resta 11 horas até ter que fugir novamente e teria que voltar 1 hora antes para deixar Doze pronto para partir.
Hoje será um dia muito turbulento.
Agora caminhando pelas ruas, os passarinhos parecem não incomodar tanto. Enquanto anda, presta atenção em uma conversa aqui e ali, mas nada que a ajudasse a saber onde fica ou o que é a Triage. Contudo, tem impressão de que aquele nome não era algo... exatamente conhecido. Um sentimento de proibido vigora em si quando pensa em perguntar por informações. Precisa de alguém que tenha olhos e ouvidos em toda parte. O dono da hospedaria não, ele poderia denunciar seus passos aos guardas no momento em que expirasse seu tempo.
Só tem um jeito.
Calmamente, Ilídia dobra uma esquina e anda até entrar nas entranhas da cidade. Aquele lugar é como um tumor no meio sul de Alter, cheio de casas amontoadas, de latão e outros materiais de baixa qualidade. Estranho e proliferam pelo resto da cidade, um parasita. O sol não parece brilhar ali da mesma forma que em outros lugares.
Depois de um tempo caminhando, acha um minúsculo depósito abandonado. – outrora, barraco ou casa de alguém desesperado.
A garota entra rapidamente e fecha a porta.
Magias simples não precisam de qualquer outro ato, apenas conjurá-las da forma que demanda. No caso de uma assinatura falsa, apenas o conhecimento da magia, sua estrutura mental, um instrumento para escrita e canalizá-las através do objeto um novo nome. As que não se encaixam nesse quesito, muitas vezes é necessário verbalizar alguns comandos de origem, desenhar a estrutura simbólica da magia com a mana ou gestos sob um substrato. O mundo é feito de fórmulas, um grande sistema de códigos interdependentes e conjuráveis por seres extranaturais como alguns karman. Esse que planeja fazer não é comum e demanda certo conhecimento de encantamentos antigos de… adivinhação. Livros sobre o assunto, que ela saiba, foram todos destruídos - menos dentro da biblioteca particular e restrita da sua família, em Hor Murun. É exímia com magias relacionadas a manipulação do ambiente. Foi em livros roubados pelo seu irmão sobre tal tema que descobriu, por acaso, a Adivinhação no livro “Encantamentos Arcaicos dos Oráculos das Falésias”. Parcial, porém, o suficiente para entender o conhecimento básico.
Quero encontrar alguém que seja os olhos e os ouvidos do organismo que é essa cidade. Quero saber sobre... algo proibido. pensou Ilídia, desenhando um pequeno símbolo circular sobre a palma de sua mão. A mana brilha levemente, um azul cobalto pulsante. Logo, verbaliza algumas palavras arcaicas, se concentrando muito para acertar a pronúncia. Então, surge um esboço do mapa de Alter sobre sua pele e seis pontos amarelos. Há mais ou menos 1 hora ao sul fica o ponto mais brilhante e decide ir até ele.
Ao sair do depósito, vê inúmeros pássaros levantando voo do telhado das casas. O céu está com bastante nuvens escuras de chuva, seu tempo diminui em um ritmo acelerado.
De todos os lugares, tinha que ser esse? pensaria qualquer um.
O brilho do letreiro “Antro dos Porcos” se exibe no exterior do local, uma casa de banho abarrotada de gente e caindo aos pedaços. Teria de entrar ali, não há como ir aos outros pontos – dois ficam ao leste, um dentro do palácio e dois ao norte. Não sabia quanto tempo levaria para ou ao encontrar a Triage. Doze está sozinho e seus suprimentos no quarto, não pode arriscar a se atrasar novamente e perdê-lo. Ah, se a velha vó Hor soubesse onde a menina está entrando!
Ao adentrar, Ilídia não podia parecer mais suspeita do que já é.
Roupa, idade e aparência física inadequada. Uma música estranha e barulhenta a faz ficar tonta assim que entra. Não há músicos, os instrumentos tocam sozinhos, ela não encontra o mago que provavelmente os controla... mas magos não-de-elite não são proibidos? Sem pudor nenhum, homens e mulheres andam só de toalhas pelo salão úmido. A névoa da água quente meio que proporciona algum tipo a mais de pudor. Contudo, de vez em quando, passa alguém totalmente nu sob suas vistas. No teto tem panos verdes e molhados pendurados nas vigas, teias de aranha e gordura podre de corpo impregnando a madeira.
No final daquele grande aposento, cheio de banheiras com água borbulhante e pessoas suadas, um velho barman olha diretamente para ela – a aura dele brilha em amarelo. Ele começa a limpar um copo de vidro... ou de algo que foi vidro um dia, e balança o pincenê ao fungar. Seu bigode médio está extremamente bagunçado, a menina sente uma vontade enorme de por os dedos lá para desembaraçá-los.
Ao postar-se frente ao barman, um homem seminu aparece e se joga ao seu lado, vomitando no balcão.
- Ah, cara! – o barman quebra o copo no rosto do cliente que passava mal, o qual cai no chão desacordado. Enquanto limpa aquela nojeira, uma mulher extremamente forte puxa o corpo para fora da casa de banhos.
Após um momento de um silêncio desconfortável entre os dois, a menina tosse para chamar a atenção dele.
- Não quero problemas, mocinha.
- E... por que acha que eu faria isso?
Ele dá uma risada curta, sem humor: - Você mal chega à altura dos meus ombros. Não sei o que faz aqui, criança, mas melhor sair logo.
- Quero informações.
- Já falei para sair! – o barman bate a mão em punho sobre o balcão. Ilídia sente alguns olhos em sua direção. Por favor, não treme não treme não treme.
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