Saí correndo da biblioteca, acabei me distraindo e me atrasei para o jogo. Quando entrei na quadra, avistei Vini e Natália de longe, mas eles não estavam muito animados. Natália olhou em minha direção e eu sorri, acenando, mas ela não acenou de volta. Ao invés disso, ela deu um abraço em Vinícius e veio na minha direção, cabisbaixa.
- O que houve? - perguntei.
- Nada. Eu não vou ficar pro jogo, depois me conta como foi. Já pedi desculpas pro Vini por isso.
Ela tinha uma expressão séria e não olhou nos meus olhos nem por um segundo. Senti um nó na garganta.
- O que houve? - repeti, preocupada.
- Não precisa se preocupar, é coisa minha. - forçou um sorriso e continuou - Não deixe de aproveitar por minha causa. É um jogo importante, certo? - ela me deu uma piscadela.
- Mas...
- Nada de "mas". Te vejo amanhã. Até mais.
Virou as costas e foi embora, antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. Aquilo me deixou inquieta, ela nunca escondeu nada de mim, o que poderia ter acontecido para deixá-la daquele jeito? Me virei para onde Vini estava, mas não o encontrei. Ele também não parecia animado, e se aquilo afetar seu desempenho no jogo? Senti uma mão no ombro e dei um pulo. Estava tão imersa em pensamentos que nem percebi Miguel se aproximando.
- Miguel, você veio! - deixei escapar um suspiro, aliviada.
- Bom, eu disse que ia vir, não é mesmo?
- Pelo menos alguém cumpre o que diz... - pensei alto.
- Como?
- Nada. Vamos achar um lugar bom pra assistir!
Tentei esquecer o que tinha acontecido, minha preocupação estava se transformando em raiva. Eu não entendia o porquê de ela ter agido daquela forma. "Um jogo importante"! E ela é o que? Eu poderia ajudar, fosse o que fosse. Não havia flores ao seu redor, eu não sabia dizer o que poderia ser. Aquilo me incomodou.
Desde que aprendi seu significado, comecei a entender melhor os problemas das pessoas apenas por suas flores. O tamanho, a cor, o local, se havia folhas, ramos ou espinhos. Eu decifrara uma boa parte, bancando a detetive de minha própria história. Mas esse não era um mistério que eu desvendaria só com um olhar. Ela era a minha melhor amiga, eu tinha de fazer mais que isso.
Respirei fundo. Vini era quem precisava de mim naquele momento, e eu torceria por ele. Além disso, estava empenhada em formar uma amizade com Miguel e aquela era minha oportunidade. Antes do jogo começar, no entanto, algo diferente me prendeu a atenção.
Lírios. Vibrantes lírios. Não, por favor, de novo não.
Olhei à minha volta, as pessoas despreocupadas ansiavam pelo começo do jogo. Não encontrei Miguel, ele estava comigo poucos momentos antes, como consegui o perder? Suei frio. Olhei para os lírios novamente, esperando que falassem comigo, que me dissessem o que fazer. Tinha algo de diferente neles, eles não tinham a mesma sensação da última vez. Percebi que apenas meu braço direito se cobria de flores, e não eram muitas. Tentei me acalmar com essa informação, mas ainda estava nervosa, o jogo estava para começar.
- Miguel! - Avistei-o de longe, suspirando. - Onde você estava? Vem logo!
- Desculpa, desculpa! Fui pegar algo pra beber, mas acabei esbarrando na grade no caminho.
- Como?! Onde, me dê seu braço, deixe-me ver! - acabei agarrando seu braço direito sem pensar, ele retraiu de dor.
Não consegui ver direito, ele puxou o braço para si por instinto, cobrindo com a manga comprida da blusa.
- Como você sabia onde estava machucado? - seu rosto estava confuso e quase assustado, seus olhos mostraram um verde denso e escuro.
As palavras fugiram da minha boca. Eu estava tão surpresa quanto ele, ainda que eu achasse possível, não esperava que acontecesse. Tentei enrolar da melhor forma que eu consegui, forçando um sorriso.
- Intuição feminina? Ah, olha só o jogo vai começar, senta aqui!
Apontei para a quadra, de onde surgiram os jogadores - mas Vini não entrou com eles. Procurei outra vez, achando que talvez eu estivesse enganada, mas nem sinal dele. Até que Miguel me cutucou e apontou para um canto da quadra, onde vários jogadores se encontravam sentados em um banco, Vinícius entre eles.
Aquilo não era normal. Vini era um dos melhores do time, senão o melhor, por que deixariam ele para fora da jogada? Reparei que ele era o único que usava a jaqueta do time. O que ele tentava esconder? Fiquei impaciente por um tempo, Miguel percebeu e tentava me distrair de várias formas. Tentei prestar atenção na plateia por um momento, esperando que suas flores me dessem um suporte. Algumas meninas assistiam animadas a partida. Foi então que uma delas deu um grito agudo, paralisando quase todos. Nesse momento, um girassol surgiu em sua cabeça. Na quadra, um círculo de jogadores preocupados - ou curiosos - se formou ao redor de um deles. Um empurrão levou o menino a bater a cabeça na trave, parecia muito sério. A torcida se transformou em confusão, preocupando os adultos do local. A menina do girassol já não estava mais ali, deve de ter ido ao encontro do garoto, quem eu não sabia se ainda estava consciente. Sem fazer muito alarde, a equipe médica retirou-o com cuidado, o jogo já deveria voltar ao funcionamento normal.
Voltei meu olhar para Vini novamente, e este estava discutindo com o técnico de seu time, eles precisariam de uma substituição. Poucos segundos depois ele aparentemente conseguiu convencê-lo, uma vez que estava dentro do jogo dessa vez. Fiquei um pouco aliviada, mas algo ainda me deixava incomodada. Ele ainda usava a jaqueta.
- Como você está? - senti uma mão em meu ombro.
Havia muito barulho, então Miguel tinha de se aproximar para que eu conseguisse escutá-lo. Senti meu rosto esquentar cada vez que sua respiração chegava ao meu pescoço.
- O quê? Ah, sim... - desviei o olhar, sem saber como reagir.
- Você está mais distraída que o normal. - Brincou.
- Sério?! Desculpe...
- Ele vai ficar bem. Não se preocupe tanto.
- Quem? O menino que se machucou? Ah, sim, eu sei disso e...
- Não. - ele me interrompeu, sério - Vinícius.
Aquilo me surpreendeu. Ele me fez encará-lo, e eu podia ver que ele estava falando sério. Tamanha foi a intensidade que meus olhos se encheram de lágrimas, senti o peso do meu corpo demais pra suportar.
- Você tem certeza? - falei entre soluços, minha voz quase não saía.
Sua voz saiu calma e doce, como quem tentava animar uma criança:
- Tendo você como amiga? Absoluta.
Olhei para Vini outra vez. Ele jogava agressivamente, porém de forma cuidadosa. Seu rosto estava tenso, me perguntei se eu conseguiria tirar essa tensão dele. Pensei em Nat. Pensei em nosso trio, em todas as vezes em que estivemos presentes uns para os outros.
Sequei as lágrimas. Voltei-me para Miguel, quem estava se esforçando para me acalmar. Será que o trio poderia ser quarteto? Sorri. Ele sorriu de volta. Joguei-me em seus braços e ele cambaleou um pouco, não parecia acostumado a receber abraços.
- Obrigada.
Ele me abraçou de volta, ainda meio tímido. As flores em meu pulso já não estavam tão pesadas, seu perfume já não me incomodava. Eu estava tranquila.
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