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Lilian foi para a sala do médico-gerente receber instruções, deixando Stevan para trás. Não que isso importasse muito, mas ele estava curioso. Quero dizer, ela certamente tinha um irmão - disso não tinha dúvidas, afinal de contas ele mesmo já dera aulas para ele. Mas até onde sabia eles tinham pais - ao menos um casal de responsáveis apareciam vez ou outra em algumas reuniões de pais e mestres. Ele achou estranho e desrespeitoso, por isso perguntou a uma jovem enfermeira o porquê daquela cena.
- E quem é você? - perguntou Laura com desconfiança.
-Sou o professor dela e do irmão dela. - verdades à parte, ninguém precisava saber que ele só estava dando aula para os formandos e o segundo ano do ensino médio.
-Aah. - Laura desviou o olhar pelo caminho que Lilian seguia. - E ele sabe que a avó faleceu?
-Não só sabe como foi dispensado das aulas por causa disso. Então acho que não será necessário uma criança assinar os papéis, os pais deles logo devem chegar. - Laura suspirou.
-Tem um minuto, professor? - ele arqueou a sobrancelha direita - Estou afim de um cigarro, vamos lá pra fora.
-Laura… - Caio chamou a atenção da enfermeira.
-Que é? Não posso mais fumar ou paquerar um cara gatinho? - ouvindo o que ela acabou de dizer, foi impossível conter a careta e o comentário ao se virar para Stevan - Nah, não se preocupe, professores não ganham o suficiente para eu me interessar.
Caio suspirou e balançou levemente a cabeça em negação.
-Tá, mas cuidado com a boca, você sempre fala demais. Não cause mais problemas pra Lily!
-Okay, okay.
Laura saiu fazendo sinal para que o professor a seguisse.
Ela os guiou sem muita pressa pelos corredores até uma área aberta de fumantes felizmente deserta. Lá ela apalpou os bolsos procurando algo, até encontrar no bolso traseiro da calça um chiclete sabor melancia, ela o ofereceu ao professor que recusou e logo começou a falar. Vez ou outra ela parava para fazer uma bolha e encarar o professor, e Stevan estava com a impressão de que ela o analisava, para saber até que ponto ela contaria. Talvez, esta foi a causa, mas ele teve a impressão de que se expresse qualquer emoção - pena, raiva, ou qualquer coisa - a enfermeira a sua frente se calaria.
Ele a escutou quieto e impassível, como já fizera várias vezes antes com outras pessoas. Mas a indignação tomava conta dele. Talvez a história não fosse objetiva e já estivesse poluída pelos pensamentos da enfermeira, mas a cada frase ele sentia mais e mais dó de Linda e mais e mais raiva da mãe de Lilian - carinhosamente sendo chamada de vadia mesquinha pela funcionária do local. A princípio ele pensou que fosse exagero, porém lhe pareceu sensato presumir que a família de Linda não era a única a abandonar o membro mais velho da família num asilo, então tinha algo que ela não estava lhe contando, provavelmente o que o outro enfermeiro a proibiu de contar.
-Obrigado. - agradeceu ao se despedir. - Agora tenho que dar aula, mas mais tarde eu volto para buscar a Lilian. Por favor não a deixe ir de ônibus. Não acho que ela esteja em condições…
-Não se preocupe, ninguém nunca está em condições de andar de ônibus. Se você vai dar carona para ela, eu enrolo ela aqui.
-Mais uma vez, obrigado por me contar tudo.
-Contar o quê? - ela se virou dando de ombros - Lily é um doce, só isso que eu te falei. Mas como professor dela, você já sabia, né?
-Sim.
Stevan se despediu e foi para a moto. Durante todo o caminho até a escola e durante o restante do intervalo algo o incomodava. Ele sabia que a média absurda de Lilian na escola só seria conseguida com algum sacrifício pessoal ( deixar de ir ao cinema, sair com os amigos…), mas ela dedicava boa parte de seu tempo - até metade do ano passado - para divertir os idosos da instituição onde sua avó ficava - a enfermeira, Laura, disse que era por causa do namorado que foi embora e que, também, ajudava a animar os velhinhos. Mas e se não fosse só isso? E se ela ter parado de visitá-los estivesse de alguma forma relacionado com o incidente da semana anterior? Improvável. Stevan pensou em várias teorias e depois derrubou-as. Ele não sabia o que pensar. Estava mais perdido que cego em tiroteio, todavia sentia-se na obrigação de fazer algo pela aluna.
No final de sua jornada de trabalho ( um pouco antes das 16h ), ele foi ao asilo de idosos, na esperança de encontrar a aluna, porém, de fato, vê-la esperando-o escondida no refeitório o surpreendeu.
-Vamos? - se aproximou com cautela da garota, para não assustá-la, que somente acenou com a cabeça.
Lilian estava apática, parecia que sua alma havia sido roubada, porém a jovem se recusava a pedir ajuda, temendo pelo pior. Stevan tentou convencê-la a deixá-la na porta de sua casa, mas a menina se recusava. No entanto, por fim a menina cedeu, guiando-o até “sua casa”.
Lilian se sentiu surpresa ao perceber que havia se surpreendido ao ouvir música alta ao se aproximar de sua casa. Por isso ela se repreendeu por ser ingênua o suficiente para achar que Rafael teria alguma consideração pela avó recém falecida, não é como se ele gostasse dela, para começo de conversa. Porém, mesmo assim, sentiu seus olhos arderem com as lágrimas que ela se recusava a deixar escorrer.
Ela pediu para o professor estacionar a moto em frente ao portão e o mesmo não fez menção esconder sua confusão.
-O que está acontecendo? - perguntou.
-Nada. É só uma festinha pra comemorar o aniversário do meu irmão. - mesmo com um sorriso forçado as últimas palavras pareceram mais amargas que o habitual, por um segundo ela pensou, realmente, estar cospindo veneno - O mundo não pode parar simplesmente porque mais uma pessoa morreu, não é? - ainda sorrindo ela sentiu uma lágrima descer (como ela se odiou por isso...), por isso, antes que se humilhasse mais na frente do outro, ela entrou apressada.
Sentiu o olhar do professor nas costas até o último segundo possível. Por que ela não podia ter um minuto de paz?, ela se perguntou diversas vezes quando era chamada por estranhos que não se importavam. E quando um deles tentou apalpá-la, o corpo foi mais rápido do que a mente, ela se defendeu e atacou, causando um avolroço na festa. E quando Rafael veio conferir o que estava acontecendo, ela sentiu vontade de atacá-lo. Jogar a bandeija, que segurava, e tudo nela, em cima do irmão.
Antes que pudesse atacá-lo, Rafael colocou as mãos sobre os ombros dela, fazendo-a se contrair involuntariamente ao leve aperto - que apenas deixou as pontas dos dedos do mais novo descoloridas, e quando ele lambeu os lábios antes de perguntar se ela estava bem, tudo o que fervia dentro dela foi substituídos por medo instintivo. E antes que ela pudesse pensar, ela já estava se desculpando de um jeito que achou que faria com que Rafael lhe batesse menos.
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