Em um instante, Darl praticava com o general no jardim do castelo. Em outro, estava no salão principal com roupas novas, um penteado novo e um nariz ainda irritado pelo perfume que lhe fora aplicado.
O garoto puxou as mangas de sua nova túnica e se perguntou se aqueles detalhes dourados nas bordas eram na verdade ouro. Aquele certamente não era o tipo de vestimenta que podia ser encontrada no guarda-roupas de seu quarto, mas ainda lhe servia perfeitamente. Talvez fossem roupas antigas de Hallerik, supôs, ou ainda feitas sob medida para a ocasião que se aproximava.
Até ser chamado pelo servo momentos atrás, na verdade, ele já havia se esquecido, mas aquele era o dia no qual os barões das outras províncias do reino viriam para um jantar no castelo. Podia não entender bem a razão de viajarem de tão longe para uma refeição, mas, pelas suas poucas experiências com burocracia, sabia que eles não viriam apenas pela comida.
Aparentemente, "preparar-se" significava, no contexto de encontros com nobres, assumir uma aparência ridiculamente extravagante. O general e conselheiro que também aguardavam de pé no salão atestavam essa hipótese, cada um com sua versão de vestimentas especiais, assim como o jovem rei, que se destacava mais que todos com sua grande coroa sobre a cabeça e capa azul que arrastava pelo chão conforme andava em círculos, inquieto.
― Onde é que está ela...? ―, Hallerik murmurava consigo mesmo.
― Talvez devêssemos haver mantido a princesa nos limites do castelo ao menos por hoje? ―, comentou Szeidung.
Até que mais passos foram ouvidos além dos do rei. Todos se viraram para a entrada, e de lá viram Eirkia a se aproximar.
― Falando do goblin... ―, soltou Aston com um sorriso.
― Que cara é essa, maninho? ―, perguntou a princesa diante do irmão. ― Eu disse que viria, não disse?
― Mas está atrasada. Você e você ―, o rei apontou para duas servas. ―, ajudem a princesa a se aprontar.
Elas rapidamente se curvaram e acompanharam Eirkia escada acima, até desaparecerem de vista. Hallerik, por sua vez, continuava a andar em círculos, impaciente. Aparentemente, o atraso da irmã não era tudo que lhe incomodava.
― O senhor anda tenso demais, meu rei. ―, observou o general. ― Nobres são cobras, mas eles não vão lhe morder durante o jantar.
― Ao menos não neste. Se me virem como um alvo fácil, podem dar o bote depois. Eu nunca vou impor tanto respeito quanto meu pai, e eles sabem disso.
― Se não lhe respeitarem, que ao menos lhe temam. Lembre-se, eles são seus subordinados, não o contrário.
― E ainda temos a visita de Sullivan Terceiro na próxima lua. ―, acrescentou Szeidung.
― Meu coração agradeceria se não mencionasse ele...
― Peço perdão, vossa majestade...
― Não importa. Darldollum. ―, Hallerik se virou ao garoto, que imediatamente enrijeceu a própria postura ao ouvir seu nome chamado.
― S-Sim!
― Para evitar problemas, não diga nada a não ser que se refiram diretamente a você. E, caso façam isso, tente evitar dizer algo que seja comprometedor. Entendeu?
― Sim...?
Não, ele não havia entendido. Mas, se seu papel era permanecer calado, isso não seria difícil. Era o que ele fazia melhor, na verdade.
Ainda assim, se algum nobre viesse a lhe dirigir a palavra, isso poderia ser um problema. Darl não tinha ideia, afinal, de que tipo de perguntas poderia receber. Ele nem mesmo sabia os nomes dos nobres que viriam.
Já estava habituado a lidar com a própria ignorância quanto às questões do reino. Contudo, quando elas lhe diziam respeito, sentia que merecia ao menos estar ciente do básico.
Após mais alguns instantes a andar em círculos, Hallerik pareceu decidir descansar um pouco sobre seu trono. Foi quando desceu das escadas uma deslumbrante figura em um vestido verde que Darl precisou piscar algumas vezes antes de confirmar ser Eirkia.
― Quanto tempo eu não visto um desses...? ―, ela se perguntava enquanto brincava com a borda da saia.
Seu volumoso cabelo, normalmente solto, também estava agora preso em uma longa trança que caía sobre o ombro esquerdo como uma serpente vermelha.
Darl pensou em fazer algum comentário, mas logo seus pensamentos foram interrompidos pelos passos de um guarda que se aproximava com pressa.
― Meu Lorde ―, ele chamou e se curvou. ―, nossos visitantes se aproximam.
― Ótimo. ―, respondeu Hallerik. ― Vamos recebê-los.
Então, o rei, seguido por seu conselheiro, seu general e sua irmã, começou a contornar a grande fogueira que queimava forte como nunca diante do trono. Após notar que ficaria para trás, Darl fez o mesmo. Ele, ao menos, acreditava que devia seguir o rei como os demais.
Quando, em direção à entrada, passaram pela mesa de jantar, o garoto percebeu que havia um grande lençol sobre seu conteúdo. Pelo volume dos objetos que se salientavam sob ele, a mesa já estava arrumada.
Eirkia, que seguia mais a frente, refreou os passos até andar ao lado do novo Hraekhan.
― Eles te disseram o que falar? ―, cochichou.
― Não. ―, Darl balançou a cabeça. ― Na verdade, disseram pra eu ficar calado.
― É. ―, riu sob a mão. ― Boa escolha.
Depois de haver recusado acompanhá-la com Skeivarr pela cidade, o garoto pensara que talvez viesse a agir diferente consigo quando retornasse. Era bom ver agora que estivera errado.
O jovem rei parou diante da grande porta do salão principal, Aston e Szeidung aos lados. Eirkia se moveu a um espaço oblíquo atrás do irmão e fez um gesto com a mão que Darl identificou indicar que se posicionasse da mesma forma no lado oposto.
Após pouca espera, revelaram-se duas figuras também em vestes extravagantes escoltadas por guardas. Sem dúvida, eram os tão aguardados barões.
― Sejam bem-vindos ―, ergueu a voz Hallerik, após a dupla subir os degraus e pisar sobre o tapete vermelho do salão. ―, barão Eiser Bresch de Suntskon, barão Murvard Shemors de Verderon.
― Meus pêsames por nosso antigo lorde, Vandur Hraekhan. ―, curvou profundamente o tronco um dos homens. Ele era esguio e ostentava uma espessa barba negra. ― Que vossas montanhas sejam sempre altas.
― Vida longa ao novo rei. ―, inclinou a cabeça o segundo visitante. Era um homem loiro gorducho com um curioso cavanhaque que se unia no estufado espaço sob seu queixo que talvez pudesse ser chamado de pescoço.
Ambos eram visivelmente bem mais velhos que Hallerik, possivelmente de idades próximas à do antigo rei. Fazia sentido imaginar, visto o perfil da corte, que postos importantes eram preenchidos por pessoas mais velhas. O rei atual, cuja coroa fora herdada precocemente, devia ser uma rara exceção à regra.
― Acredito que queiram conhecer o recém-resgatado membro da Família ―, o jovem rei moveu-se para o lado, abrindo o campo de visão para a pessoa atrás de si. ―, Darldollum Hraekhan.
O garoto, que não sabia como reagir, buscou ajuda com o canto dos olhos, e avistou Eirkia a fazer um gesto semelhante a um assentir. Sem tempo para confirmar entender o que queria dizer, ele curvou a cabeça brevemente.
― Um... prazer. ―, forçou-se a dizer.
― Foi mesmo uma bênção de Yahlov haverem-lhe encontrado. ―, sorriu o barão esguio. ― Estou ansioso para ouvir sua história.
Com sorte, não seria Darl aquele a contá-la. Na verdade, ele mesmo mal se lembrava de como era a história forjada de sua origem, senão pela parte de pertencer a um ramo distante da Família que vivia em um vilarejo remoto.
― Princesa Eirkia realmente cresceu desde a última vez que estive aqui. ―, o outro visitante pôs a mão no queixo inflado enquanto fitava a princesa, pessoa em quem ele parecia mais interessado do que Darl.
― Devem estar exaustos da longa viagem, além de famintos. ―, sugeriu Hallerik. ― Por que não nos sentamos e aproveitamos o banquete?
O jovem rei se virou e caminhou sobre o tapete vermelho ao longo do salão, seguido por pelos demais.
Naqueles breves instantes que se passaram, Darl já havia tido que falar muito mais do que esperava, mesmo que houvessem sido apenas duas palavras. Antes que possivelmente se tornasse um problema, então, aproveitou quando ele e Eirkia estavam deslocados ao fundo para questionar sobre os nomes dos visitantes.
― Quem é quem? ―, sussurrou ele.
― Eles não te disseram nem mesmo isso? ―, surpreendeu-se a princesa.
O garoto desinformado balançou a cabeça em resposta.
― Não esquece: Murvard é o gordo, Eiser é o outro.
― Por que isso rima?
― Faço assim pra lembrar. ―, riu. ― Szeidung me fez decorar os nomes e títulos de todos os nobres do reino.
Enquanto discretamente trocavam cochichos, Murvard, o gordo, que andava adiante, virou-se brevemente para trás. A dupla, ao notar o olhar sobre si, imediatamente se calou e se distanciou.
Um grupo de servos habilmente puxou o lençol que forrava a mesa de jantar, revelando não apenas uma refeição extravagante, mas também pratos, copos e talheres luxuosos. Até a toalha que forrava a mesa era diferente da usual. Era como se tudo e todos naquele castelo houvessem assumido uma forma mais ostentosa para aquela ocasião.
Hallerik foi o primeiro a tomar seu lugar, na cabeceira, de costas para a grande fogueira. À sua direita, sentaram-se Aston e Szeidund; à esquerda Eirkia e, ao ver o padrão que se formava, Darl. Por fim, ao lado do garoto, ficou Eiser, o barão esguio, oposto a Murvard. Assim, todos os sete lugares haviam sido ocupados.
Por mais que Heisondr, até onde Darl sabia, sempre comesse suas refeições na mesma mesa que os demais no castelo, naquele dia ele não estava presente. A razão, talvez, fosse a ter nenhuma relação com aquela ocasião, visto que sua área de perícia costumava envolver mais o místico e menos o político.
Aos poucos, todos encheram seus pratos e copos. Havia uma abundância especial de carnes naquela mesa, fosse bovina, ovina ou frango, além de legumes e verduras cortados de mais formas do que Darl imaginara ser possível.
Quando uma jarra chegou às suas mãos e ele começou a despejar o conteúdo em seu copo, notou que, pela cor e odor daquele líquido, devia ser vinho. Com as lembranças desagradáveis que fizeram uma visita mais uma vez à sua mente, decidiu por não encher o copo completamente e se satisfazer com metade.
A refeição prosseguiu em silêncio por alguns instantes, período ao longo do qual apenas o tinir de talheres contra a cerâmica dos pratos e o crepitar da grande fogueira que queimava atrás do rei eram ouvidos.
― Vinho malaridiano! ―, subitamente, exclamou o barão ao lado de Darl ao tomar um gole de seu copo. ― Está a nos indulgenciar demais, vossa majestade.
― Eu não poderia servir nada além do melhor para celebrar uma visita sublime como esta, não concordam? ―, sorriu o rei.
― Falando em Malaridia ―, disse Murvard. ―, Anders Sullivan ainda não veio cumprimentar nosso jovem rei, acredito?
― Oh, ainda não.
― Estão três semanas adiantados, senhores. ―, acrescentou Szeidung.
― É mesmo bom ouvir. ―, Eiser parecia legitimamente aliviado.
― Bebida é a única coisa boa que vem das terras daquele homem, eu vos digo! ―, riu o barão gorducho.
― Cuidado com o que diz, Murvard. ―, advertiu Aston, bem-humorado. ― Ele pode ouvir.
― Ora! Eu não tenho medo de superstições.
― E eu que ouvi que seu segredo para sempre vencer os desfiles de cavalos era a fase da lua sob a qual eles nasciam! ―, zombou o outro barão.
Todos os adultos ali gargalharam. Eles estavam a se dar tão bem que Darl se perguntava qual era a razão de toda aquela apreensão que precedera a chegada dos nobres. Talvez Hallerik realmente apenas se preocupasse demais. Ele sempre parecera tenso a todo momento, de toda forma.
Darl ainda dava seu melhor para não se esquecer dos nomes dos convidados, mas, vendo que não havia mais razão para temer, permitiu-se saborear sua fatia de carne.
Comments (7)
See all