As coisas mudaram em Trindade para Ada. Mesmo que no começo ele não desejava notoriedade isso já não era mais uma opção. Agora pendurada na parede da taberna estava à cabeça de um javali sorridente e sentado na mesa logo abaixo o garoto que tinha se tornado um projeto de herói local. Nos últimos tempos Ada já não trabalhava mais em tempo integral nas minas, ele e Chaminé adotaram uma nova profissão como mercenários locais que podem ser contratados para qualquer serviço, nada é pequeno demais ou tão grande que não pode ser resolvido por um pagamento aceitável. Lidar com pequenas criaturas que apareciam nas minas, coleta de ervas para o boticário local, escolta de animais até à estação de trem na cidade mais próxima, até mesmo ajudar a trocar encanamentos da casa da dona Geralda que mora no final da rua. Ada e Chaminé eram autoridades locais em ajudar a população, tornando-se assim heróis a serviço do povo.
Sentar-se na mesma mesa em que conheceu Bruce para jantarem se tornou tradição, mas hoje ele está jantando sozinho, Bruce está investigando coisas que pareceram muito chatas para ele achar que valia apena prestar atenção e lembrar-se futuramente. O comparsa melhorou com o tempo, mas ainda era muito melancólico e complexado. Sentado em sua mesinha favorita com um sorriso bobo no rosto e aproveitando uma refeição melhor do que podia pagar quando chegou ao vilarejo, lá é onde se encontra Ada todas as suas noites, Marcia até manda alguns pãezinhos ou batatinhas adicionais.
A rotina noturna da taberna foi quebrada com a entrada de duas figuras inesperadas, não fazem parte das faces que compõem a pequena vila. A primeira é baixa, com a pele bem branca e cabelos pretos muito escuros e usando um gorro azul marinho mesmo não estando frio ou chovendo, ela é extremamente simpática com o velho Barbosa, contudo Ada logo nota que se trata de simpatia exagerada e forçada, do tipo que é completamente desonesta. A que veio atrás é alta, bonita e esbelta, enquanto a baixinha conversa com o anfitrião ela se mantem calada. O velho Barbosa aponta na direção de Ada que fica confuso e começa a olhar para os lados como um idiota e ao notar que não tinha mais ninguém em volta aponta pra si e faz uma expressão de confuso, as garotas se aproximam da mesa e perguntam se podem se sentar, ele concorda acenando com a cabeça.
Ao chegarem mais perto o garoto pode analisar melhor às figuras destoantes. A baixinha expressa um sorriso forçado e continua tentando simular simpatia, Ada sabe que ela é rabugenta e grossa, a impressão de simpatia que ela tenta passar é clara de alguém que acha gente simpática e educada irritante, quase cômico vê-la passar por essa situação. A moça bonita o deixou confuso, parecia ser alguém cheia de vida e empolgada, quando chegou perto da mesa ela esboçou um pequeno sorriso que pareceu ser muito honesto e carinhoso, mas ao se sentar ele não olhou em seus olhos e ganhou um ar melancólico e frustrado, Ada sentia que era como o que antes foi um dia ensolarado e empolgante e se tornou nublado e depressivo.
A baixinha introduziu a conversa:
-O taberneiro disse que você é uma espécie de ajudante local, que você e seu parceiro ajudam as pessoas! –Disse com a mesma atitude forçada, parecia estar tentando imitar uma criança. –Isso parece incrível, nós somos antigas colegas de trabalho do seu parceiro, viemos para checar como ele está e descobrimos isso, ficamos tão felizes. Nós adoraríamos poder falar com ele, pode chamá-lo?
Ada sabia que algo não estava certo, ele já tinha uma ideia de quem Bruce era. Não seria estranho ver outros cruzados querendo saber dele, mas eles nunca tinham vindo até agora. Não tinha certeza de como conduzir a situação
-Ele não está por aqui, me disse aonde ia, mas honestamente eu não dei muita atenção e acabei esquecendo. Ele não fala muito, mesmo assim, nem tudo que ele fala parece ser importante. –Falou de forma indiferente sobre o assunto, talvez se bancasse o idiota elas iriam largar o osso. –Vocês são amigas dele? Ele não fala muito sobre o passado, é bom ter vocês aqui, podem me ajudar a aprender mais sobre ele!
A baixinha pareceu se irritar, mas se controlou. Era possível ver seus olhos passando uma energia de que queria apagar Ada da existência, ela prensou os lábios ainda sorrindo e deu um suspiro, porém antes de voltar a falar foi interrompida pela alta.
-Bruce era uma pessoal incrível dentro da organização, mas há um tempo ele saiu e ninguém sabe o motivo. Todos acharam que era uma fase, ou que estava em uma missão sigilosa, só que depois que ele não voltou e ficamos sabendo que estava aqui viemos investigar. –O que disse lhe passou confiança, ela parecia ser honesta no que falava, mas o tom dela passava preocupação não com Bruce e sim sobre o que estava acontecendo. –Talvez você nos possa con...
Antes que terminasse foi interrompida pela nanica que ficou mais irritada, só que agora com outra pessoa além de Ada.
-Não seja idiota! É claro que ele está bem, ele é um dos melhores! Ele só achou os motivos dele para sair e teve todo direito de fazer isso. –Quase perdeu o tom quando interrompeu a parceira, aquelas palavras não eram honestas, havia um rancor oculto no que dizia um sarcasmo agressivo por trás daquilo.
-Eu ia adorar ajudar vocês garotas, mas eu não sei onde ele está. Então, não me resta nada além de falar para se juntarem a mim nessa refeição e esperar até ele dar as caras. Podemos compartilhar histórias assim eu posso saber mais sobre o passado dele e vocês aprendem mais sobre o presente. –Tentava ser diplomático, aquilo era muita confusão e tentou abordar da maneira que acreditava ser a melhor.
Assim que concluiu a frase Ada foi pego de surpresa. A mesa explodiu subitamente atirando ele contra a parede com o forte impacto, sentiu alguns estilhaços perfurarem sua pele e veio ao chão caído sobre seus joelhos. A taberna inteira se assustou, no entanto antes que qualquer coisa fosse feita a baixinha esbravejou.
-Fiquem todos onde estão! Nós somos cruzadas a serviço da grande ordem, isso é uma missão oficial e qualquer um que tente atrapalhar será considerado um criminoso. –O tom que possuía antes tinha se esvaído e agora ela revelou a verdadeira face, a voz autoritária e fria combinava com o semblante cruel que expressava. –Carla não fique parada, esse é um inimigo da ordem!
A moça alta não sabia como reagir à situação de início ela hesitou e ficou tão surpresa quanto Ada, mas ao ouvir a ordem não deu chance para ele ter reação. O agarrou pela gola da blusa e atirou pela janela em direção à rua. Rolou pelo chão e foi se levantando devagar, sentia um gosto metálico na boca por causa do sangue, além de fortes dores pelo corpo, os dois impactos consecutivos foram demais para ele. Enquanto se levantava viu as duas saindo da estalagem, tentou abrir a base e entrar em sua postura de combate, mas sentia muita dor e não pode fazer a postura de maneira adequada.
-Carla ele está se levantando, use sua herança nele! –A nanica gritou, mas não como uma ordem, havia ódio em sua voz, nem mesmo seu pai depois de todo treinamento e tudo pelo que faz Ada passar o trataria daquela forma.
-Ele não está em condições. Se continuarmos nesse ritmo vamos matá-lo. –Ela tentou argumentar, contudo sua voz era condescendente, ela sabia que não ia fazer diferença, falava mais para si do que para tentar impor-se.
A pequena se enfureceu, seu rosto ganhou um olhar de desprezo e ódio. Ada nunca tinha visto uma expressão de tanto desgosto por outra pessoa.
–Como se atreve a questionar uma ordem direta? Se ele morrer que morra, mas nunca ouse me questionar de novo! Ainda não entendeu quem está acima de você? –Sua voz expressava rancor e tinha um tom de superioridade. –A missão é clara, se ele não pode nos mostrar onde está aquele porco desertor eu vou fazer Bruce dar as caras acabando com seu amiguinho novo!
A moça alta teve arrancado de si qualquer orgulho e força de vontade, ela abaixou a cabeça e o corpo ficou como se não o controlasse mais, uma marionete perante as ordens da outra. Estendeu o braço na direção de Ada, mas sem ter a coragem de olhá-lo no rosto. Ele ainda tentando manter a postura quando o corpo foi tomado por um peso enorme, o colocando de joelhos no chão, sentiu os pequenos estilhaços de vidro e madeira que estavam encravados em sua penetrar mais. Não conseguia se mover, era como ter sacas e sacas de grãos sobre os ombros.
A Moça se aproximou até ficar a poucos metros de distância dele, sacou algo longo que carregava nas costas, o objeto estava coberto por um embrulho, um pano vermelho enrolado ao longo de algo comprido e fino, carinhosamente a moça bonita desenrolou o objeto, porém havia pesar em seu olhar, como se não quisesse que as coisas chegassem aquele ponto. Quando revelado Ada viu que se tratava de uma lança, ela a apontou em sua direção e entrou em uma postura de combate, se preparando para o que estivesse por vir.
-Não se mova, não tente reagir, vai ser melhor assim. Não quero derramar mais sangue hoje do que o necessário. –A moça disse aquilo não com tom de ameaça, mas como um pedido. O que estava acontecendo era contra sua vontade, contudo não tinha o que era necessário para ir contra as vontades da outra.
Ada buscou o chão com o braço para se apoiar e se sentou, cruzando as pernas.
-Você está certa, não pareço ter muita saída dessa situação. Melhor eu seguir o que diz. – Estava pensando no próximo passo, o que fazer. Esperar por Bruce? Tentar enfrentá-las sozinho naquele estado? Só lhe restou analisar a situação e se preparar da melhor maneira possível. Não iria deixar o amigo se machucar, não podia deixar mais alguém morrer por suas fraquezas.
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