Já haviam se passado algumas horas, Ingrid andava de um lado para o outro sem parar, Carla podia sentir a impaciência dela. A população a sua volta claramente insegura, mantinham-se afastada as rodeando, tecendo comentários sobre a situação. Falavam sobre elas terem agredido seu protetor e amigo, que foram cruéis covardes atacando de surpresa o pobre garoto Ada que não tinha feito nada, perguntavam se seriam os próximos a serem feridos, queriam saber o motivo de estarem atrás de Bruce. Carla não se sentia a heroína que sempre buscou ser, não estava inspirando aquelas pessoas, só as trazia medo. Não sabia o que fazer, não tinha o que era necessário para alterar a situação. Quando olhava para o prisioneiro se sentia pior ainda, o garoto a encara como se soubesse o que passa por sua cabeça, havia compaixão em seu olhar sentia sua empatia com ela e isso a encheu ainda mais de culpa.
-Você parece nervosa, como se carregasse arrependimentos. Quer conversar? – Aquela pergunta não foi irônica. O semblante caridoso lhe passando segurança a quebrou mais do que já se sentia quebrada. Devastador estar fazendo aquilo com alguém que mesmo depois de tudo não matinha rancor. Podia sentir ele realmente se preocupar com ela. –Algumas situações são difíceis, você deve estar passando por muita coisa, ele também está. Tente não pegar pesado com ele. –Sabia que o garoto se referia a Bruce, queria saber o que tinha acontecido com a Lenda que ele era. O que o garoto queria dizer? O que levou alguém tão renomado e desertar da Ordem?
-Não se preocupe comigo, se quer ajudar seu amigo deveria ter revidado quando teve a oportunidade, essa situação não tem mais volta. Quando se rendeu você selou o destino dele. –Exteriorizar aquilo parecia a mutilou ainda mais, como podia falar aquilo com tanta naturalidade. Mas não podia abandonar sua amiga. –Não é por mim é por ela, temos uma missão e se isso vai ajudá-la precisa ser feito!
-Vai ficar tudo bem, eu confio nele, ele vai saber como resolver essa situação. Caso ele não de conta eu ainda estou aqui. –Seu tom confiante não de forma arrogante, mas cheio de fé ele não possuía dúvidas em Bruce isso o enchia de confiança. Ela já teve essa confiança em Ingrid e em si, porém isso foi degradado pelo tempo. –Se eu achar que ele fez a escolha errada vou ajudá-lo! Vou dar meu máximo para chegar ao melhor resultado possível! Se isso é o melhor para sua amigar tudo bem. Eu entendo você seguir esse caminho.
-Não tem mais como voltar atrás. Se você acha que tem o que é preciso para impedir o que vai acontecer aqui hoje, impeça! –Aquelas palavras não tinham valor, o garoto estava a poucos ferimentos de desmaiar, já sabia como aquela situação ia acabar, mas queria só ter que tirar uma vida.
As nuvens cobriram a lua e as estrelas, o céu tornou-se como seu espírito apagado e incerto. Queria rezar para sua Santa, contudo diante de toda desolação que causava se sentia indigna. Perguntava-se em que momento perdeu o que o garoto e Bruce têm. Ao olhar para Ingrid só sentia era remorso e desamparo. Não tinha como ajudá-la a ir além daquilo, ir atrás do melhor caminho possível. Queria poder saber tudo que passava por sua cabeça, queria poder mostrá-la que podiam superar tudo juntas, porém não tinham esse tipo de relação. Estavam juntas, mas não lado a lado, independente do quanto a amava, Ingrid não era capaz de depositar seu destino na mão dos outros, ela não se sentia segura no abraço, sempre houve distância, ela sempre será insegura, a família a havia quebrado demais. Depois de um tempo perdida em seus próprios pensamentos a voz do prisioneiro roubou sua atenção.
-A lança que você carrega, preta com esse aço vermelho a atravessando é uma das réplicas do “Ferrão de Santa Kiana” né? Fiquei sabendo que dois anos atrás a notória Bruxa de Campo das Lebres foi morta por uma das seguidoras de Santa Kiana. Disseram-me que ela salvou várias crianças do covil da Bruxa e derrotou tanto a bruxa quanto um soberbo que a servia.
-Era um glutão não um soberbo! – Carla respondeu por impulso sem pensar direito.
-Você conhecesse a história! – O Garoto ficou empolgado, sua voz deixou isso bem claro. –Conhece a seguidora ou foi você? Eu sempre quis conhecer ela pessoalmente, diziam que ela era bem inspiradora, espalhando a palavra da esperança e a filosofia de Kiana pelo continente.
-Outra cruzada também ajudou! Inclusive ela que derrotou a bruxa, não a seguidora. Eu conhecia as duas, mas não as conheço mais, acho que nem elas se conhecem mais. – Sentia-se ficar cada vez mais vazia por dentro, como se perdeu tanto nos últimos tempos? Como deixou de ser a pessoa que era?
-Lillia nunca precisou dos olhos para ver, ela vê com o coração. O mundo nos cega com a escuridão das moléstias, no entanto para seguirmos em frente é preciso acreditar em um mundo melhor...
Carla interrompeu Ada para completar o discurso mais famoso da santa que seguiu desde entrou na ordem.
-Precisamos enxergar com o coração. –Ao completar o discurso sentiu os olhos marejarem e a garganta apertar, um calor sutil em seu peito, a chama da esperança que havia apagado se reacendeu em seu peito, pequena e tímida, mas estava acesa.
-Meu pai sempre disse que as entidades da esperança são as mais sabias, porque elas sabem que o motivo de viver é simplesmente não desistir para conquistar um destino melhor. Espero que a seguidora de Santa Kiana e você possam se conhecer novamente.
O silencio voltou a tomar conta do ambiente, contudo a cabeça de era um turbilhão de pensamentos que a deixava inquieta e cada vez mais confusa. Quando olhava para Ingrid via que ela não tinha qualquer interesse pelo que acontecia a sua volta, nem pelas pessoas, nem por Carla e o prisioneiro, só sua obsessão por Bruce.
Uma figura caminhou em direção as duas, vindo pelo caminho que tinham chegado à vila, estava fumando, coberto por um enorme casaco de chuva marrom escuro extremamente puído, carregando uma mochila de alça transversal. Quando chegou perto Carla não conseguia acreditar no que estava vendo. Ela conhecia Bruce, mas aquele homem era uma mera sombra de quem ela era. Uma figura extremamente magra que deixava os ossos da face como queixo e maçãs do rosto extremamente definidos, barba mal cuidada e falhada, cabelos longos e desgrenhados, roupas maltrapilhas e sujas e fedia a álcool e cigarro. O Homem que estava diante de si não parecia com um dos prodígios de sua época, mas sim com um indigente, um bêbado depressivo.
Ele parou a poucos metros de Ingrid largou a abolsa no chão e levantou as mãos para o alto indicando não ter intenções violentas. Ingrid se aproximou dele uma aura negra tomava conta de si, seus olhos obsessivos encarando-o como sua próxima presa. Bruce foi o primeiro a falar
-Eu não esperava visitantes da ordem, muito menos que fizessem meu amigo prisioneiro. Também esperava tão pouco que isso viria da caçula dos Corin. O que está acontecendo aqui? – A voz, ela reconheceria aquela voz e o tom calmo, porém imperativo ele falou com autoridade, aquele é Bruce sem dúvidas.
-Você não tem direito de exigir nada, seu porco traidor! - Ingrid não conseguiu se segurar apertou o passo na direção de Bruce. –Nós fomos mandadas para te caçar seu desertor maldito, você abandonar seu posto trouxe consequências irreparáveis! Seja lá o motivo não será bom o suficiente seu covarde, meu irmão está morto graças a você.
Esbravejando estapeou Bruce em seu rosto. Junto da agressão veio a explosão causada pela herança de Ingrid que o arremessou contra o chão, não foi forte o suficiente para matá-lo ou ferir gravemente, contudo forte o suficiente para fazê-lo cair. Bruce não conseguiu levantar-se. Seu olhar ficou perdido, ele claramente não esperava por aquilo, seu corpo não se movia ele simplesmente ficou lá, em choque pôr o que pareceram ser minutos antes que Ingrid o chutasse o acertando com mais uma explosão ele foi arremessado para trás.
-Diga algo seu covarde! Diga que a culpa é sua e que se arrepende, ou minta e diga que a culpa não foi sua, mas diga alguma coisa! Eu quero ouvir você desesperar enquanto eu te mato! - Ela Berrava. Estava claramente fora de si. Seus olhos obsessivos travados em Bruce, seu rosto um espelho do ódio em seu coração, sua voz era como o rugido.
Bruce tentava se levantar do chão, claramente estava tonto cambaleou enquanto se apoiava para ficar em pé. Seu rosto foi tomado por desespero, com a voz hesitando e incrédula perguntou:
-Thomas está morto? Não! Não é possível! Como? O que aconteceu? –Sua voz perdia o tom entre perguntas, os olhos se encheram e as lagrimas escorreram sem parar pelo rosto.
-Ele morreu em missão, se você estivesse lá poderia protegê-lo, mas você debandou seu covarde! Ele estava sozinho quando foi pego na emboscada de um. É sua culpa! Eu vou vinga-lo, tirar a sua vida por não ter salvo a dele, nada mais justo.
Ingrid andava claramente movida por sua sede de sangue em direção a Bruce, seu ódio deixando o ar pesado. Fechou o punho para acertá-lo mais uma vez. Ele se levantou, porém estava claramente com o espírito quebrado. Já havia desistido antes daquela notícia, aquilo só terminou o serviço. Ele nem mesmo levantou a defesa para se proteger. Em tom melancólico respondeu:
-Faça... Mate-me, você está certa. Faça da maneira que mais possa tirar sua dor, é tudo que posso te dar. Minha vida já não vale mais nada, se eu morrer vai fazer com que possa seguir com a sua. Então faça!
Ingrid antes que pudesse acertá-lo foi quebrada por aquelas palavras, ela parou e começou a acertá-lo com socos em seu peito, chorava ao ponto de soluçar e berrava frase atrás de frase botando todos seus sentimentos para fora.
-O que você se tornou, um covarde! Ele morreu porque você fugiu, ele morreu! Eu nunca mais vou ter ele de volta, tiraram de mim a primeira pessoa que me tratou como alguém! Tiraram de mim a primeira pessoa que conseguiu me amar! Ele não vai mais voltar e é porque você não estava lá para salvá-lo. Ele sempre acreditou em você, você era o melhor amigo dele e agora ele está morto porque escolheu a pessoa errada para cuidar das costas dele! Eu vou te matar e vou tirar de alguém o que foi tirado de mim, algo que não pode ser recuperado!
Carla chorava junto de Ingrid nunca havia se sentido tão fraca e tão inútil em toda sua vida. Estava lá travada sem poder ajudar ninguém. Presa em um turbilhão de emoções e não tinha como ajudar a mulher que ama. Não ia conseguir impedi-la de se tornar um monstro, não ia conseguir impedir a morte de um inocente, havia falhado com Ingrid, consigo e com sua deusa. Se aquilo era fazer parte da ordem, sabia que tinha feito a escolha errada para sua vida. Como aqueles que protegiam a humanidade possibilitariam algo tão cruel de acontecer. Sentia um grito abafado na garganta que não consegui soltar para acabar com aquilo.
Subitamente o chão se moveu, perdeu o equilíbrio e a concentração. Soltou um grito agudo de susto enquanto caiu e acertou a bunda no chão, Ingrid voltou sua atenção para a direção do grito. O prisioneiro correndo na direção de Ingrid o mais rápido que podia armou o punho para desferir um soco, Ingrid levantou a defesa paras se proteger do golpe. O garoto, no entanto, passou reto por ela e acertou um soco certeiro no meio do rosto de Bruce que foi arremessado para trás e caindo no chão. Ingrid aproveitou a oportunidade, o garoto estava de costas para ela, um alvo fácil, ela estendeu a mão em direção a ele para explodi-lo. Contudo Carla interveio, ativou sua herança para que não pudesse pegá-lo, o poder veio de maneira tão rápida e forte que Ingrid foi colada junto ao chão e batendo o maxilar e quase perdendo consciência. O garoto começou a esbravejar para Bruce que surpreso tentava se levantar do chão.
-Tu é muito babaca! Eu já te disse que você não tem que proteger os outros! Se você realmente acha que o irmão dela ia te culpar e ia querer que você morresse para pagar por isso você não era amigo dele! Ele morreu fazendo o que escolheu para vida dele, tudo que você e essa nanica desgraçada estão fazendo é manchar a imagem dele. Não tem caminho fácil Bruce, te matar não vai mudar nada. Se você quer morrer faça você mesmo, não de a ela a oportunidade de sentir-se mais culpada, quando te matar e descobrir que isso não preenche vazio nenhum. Não é porque você foi pra floresta e enterrou aquele anel lá que você se livrou das suas responsabilidades. Você precisa parar de querer viver correspondendo às expectativas dos outros como um covarde. Viva fazendo o seu melhor, mesmo que isso seja mais difícil, é isso que faz a diferença!
As palavras do garoto eram para Bruce, contudo arrancaram Carla de sua zona de conforto. Decidiu que tinha que tomar uma atitude, passou tanto tempo tentando não magoar Ingrid que se esqueceu de fazer o que era certo. Levantou-se foi até a amiga que está jogada no chão furiosa e imobilizada.
-Carla me solta agora! Eu vou acabar com isso de uma vez! Eu vou matar esses dois desgraçados! – Ingrid berrava com ela, dando ordens como sempre fazia, mas ela já não era mais a mesma máquina.
-Ele está certo. Seu irmão era melhor do que o que está fazendo. Ele acreditava que você é melhor do que isso e eu também. Não posso mais ficar fazendo só o que sou mandada e tentando te proteger de tudo, eu preciso fazer o que é certo, isso vai acabar agora! –Em um movimento rápido com o cabo da lança Carla acertou a nuca de Ingrid a deixando inconsciente. Quando se virou para o garoto ele estava sorrindo em sua direção, um sorriso tão inocente e gentil que a certificou de ter feito a escolha certa. Chorando de alegria retribuiu o sorriso. –Obrigada!
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