“Ainda faltam dois dias de viagem e já nem sinto minha bunda”, não se sentia nem um pouco feliz com a missão que que recebeu. Escolta é um trabalho bem chato e parado, no máximo alguns bandidos ou bestas pela estrada. Fora isso só a monotonia e o silencio. A caçamba do caranguejo balançava muito, mas era o único veículo que podia ir por aquele terreno. Um pequeno blindado com pernas robóticas e um par de garras para içar cargas e obstáculos que podiam encontrar. Ia sentado atrás, junto do prisioneiro. Mesmo que a cabine de comando possuísse assentos mais confortáveis fazia muito barulho com todas aquelas alavancas, marchas e freios preferiu ir atrás. O prisioneiro foi dado como extremamente perigoso, “melhor ficar de olho nele para que não apronte nada”. Esperando alguma ação ou discussões acaloradas, contudo, tudo que ele fazia era ficar sentado o encarando, para alguém que era considerado extremamente violento e de pavio curto não parecia bater com a descrição.
O prisioneiro se encontra acorrentado às paredes da caçamba do caranguejo, suas mãos presas por enormes algemas de ferro unidas sem quaisquer correntes, não permitindo movimento, assim como grilhões lhe atam as pernas. Castro achava um pouco de mais, podia derrotar esse cara com facilidade, porém os superiores foram bem claros que ele devia chegar inteiro a Nevasca. O prisioneiro era definitivamente de lá, um estereotipo do povo do extremo sul. Cabelos loiros tão claros que chegavam a serem brancos, olhos azuis, ossos do rosto bem definidos com maxilar e queixo largos, atlético, alto e forte com ombros largos e braços musculosos, uma figura bem rígida e bruta como a terra de que veio. No entanto, não importava o quão forte e resistente fosse, um humano não podia derrotá-lo. O tedio finalmente o venceu e resolveu implicar com o prisioneiro.
-Sabe pra onde você tá indo? Precipício gélido, a pior prisão de Constela! Fica entre as montanhas perto de Nevasca, uma enorme depressão congelante e lá embaixo fizeram uma cadeia especial. Já ouviu falar? –O prisioneiro deu um sorriso cínico e negou com a cabeça o provocando que deixou Castro bem irritado. –É pra onde vermes como você vão para apodrecer. Às vezes os guardas esquecem uma janela aberta e alguns prisioneiros morrem congelados ou perdem algum membro.
-Deve ser desagradável né? Dormir e acordar com o braço congelado. Vamos fazer assim, você vai comigo e eu enfio meu braço no seu rabo pra ele não congelar.
-Engraçadinho né. Eu também faria piadas pra tentar me distrair do fato que vou morrer sozinho e congelado em um fim de mundo. Você vai morrer jogado em uma cela qualquer e ninguém nunca mais vai dar a mínima pra você. Assustado?
-Não tenho medo de você, nem das suas prisões sargento! Já me enfiei em lugares piores e já lidei com gente muito mais amedrontadora que você.
A voz do prisioneiro era calma e isso ia o irritando, testando sua paciência cada vez mais. Sentiu seus ossos rangerem e a sede de sangue foi o cegando. Aquele sentimento, a necessidade de se provar quando questionado começou a tomar conta. Todavia conseguiu conter-se.
-Você era um ladrão de tecnologia né? Valeu a pena, roubar cargas da armada? Agora você vai pro mesmo lugar que o pior tipo de criminosos, tipos como você, traidores, assassinos, a escoria da escoria. – Encarava o prisioneiro nos olhos, vendo suas reações, queria saber que tipo de pessoa era ele para ser considerado tão perigoso.
-Era só trabalho. Não foi minha culpa se vocês tinham os brinquedos mais interessantes. Se querem me prender como traidor, tudo bem! Vocês conseguiram me pegar, parabéns, aproveite a vitória o gosto doce dela tenta a ser substituído pelo amargo do fracasso.
-Você é só um perdedor, que fica tentando pagar de fodão. Você não passa de um covarde que ganhou a vida roubando dos outros e eu achando que você podia ter algum valor. Só que não tem nada de interessante em você seu patife. Não sei como falaram que era perigoso. É só por causa dessa herança que te torna resistente? Grandes merdas. Eu acabaria com você fácil.
-Então faça! Seja homem suficiente pra isso ou eles andam distribuindo esse uniforme pra todo tipo de merdinha arrogante? -Respondeu com a expressão mais fria possível.
Castro estava prestes a perder a razão, mas um canalha desses não valia sujar as mãos. Pelo menos queria que a razão tivesse vencido, mas a emoção tomou conta. O sangue ferveu. Estava sendo testado, questionado. Queria provar para aquele merda que ele estava errado. Levantou-se de forma furiosa e foi até o prisioneiro, o agarrando pela garganta com apenas uma das mãos o ergueu no ar com facilidade. Apertou a garganta o sufocando e o rosto do prisioneiro foi ficando roxo devido à falta de ar.
-Eu vou te mostrar que deveria ter medo. Estou louco pra socar sua cabeça contra essa parede de ferro sem parar e testar o quão resistente você é. –A voz mudou de tom completamente, sentia o sangue ferver pelas veias, seu braço tomado pelas ramificações negras que eram suas veias. –Se depender de mim você não vai chegar até aquela prisão.
-Vamos, faça! Depois quero ver o que seu superior vai fazer com você, seu monstro de merda. -Sua voz estava fraca, quase inexistente devido à falta de ar.
Retomou a consciência. Não podia matá-lo, suas ordens não permitiam, ia levantar muitas suspeitas, mas como desejava. O soltou de volta no banco e retornou para o próprio lugar. Ficaram em silencio novamente, passaram se horas, mas na cabeça de Castro foram eras dele matando várias e varia vezes aquele saco de bosta. O Caranguejo parou de forma repentina, pode ouvir um barulho semelhante ao de uma chaleira fervendo água vindo do lado de fora. Em seguida um dos soldados bateu na porta da caçamba e a abriu.
-Senhor! O motor superaqueceu, vamos ter que fazer uma pequena parada enquanto resolvemos. Não é um problema incomum nessas máquinas, mas não estávamos esperando, devido a não estarmos carregando grande carga.
-Resolva o mais rápido possível, quero concluir isso logo e jogar esse canalha na prisão. –Ordenou para o soldado, achando tudo muito conveniente demais.
Os soldados experimentais eram mais inteligentes do que ele esperava, sendo racionais e práticos, bem diferentes dos podres comuns. Comunicavam-se bem e sabiam fazer suas funções. Era só os conduzir de maneira eficiente para trazer bons resultados. Se tudo ocorresse como planejado ao final da missão seria muito bem gratificado. Uma risada veio do prisioneiro.
-Achando algo engraçado meliante?
-Sim, isso é tudo muito divertido! Você perguntou se valeu a pena roubar da armada, valeu muito! Por exemplo, eu sei que esse modelo superaquece, mas não pelo que vocês acham. Mesmo sem carga o mau uso das pernas sobrecarrega o motor e ele esquenta com facilidade. Felizmente, eu tinha uma ideia de quanto tempo ia demora a acontecer.
Entendeu o ele quis dizer no mesmo instante. Entretanto, ao correr para fora os disparos já haviam começado, era uma emboscada. Começou a bradar com os soldados para entrarem em posição, contudo o inimigo estava se aproveitando do terreno. Escondendo-se na mata a volta, assim, dificultando a visibilidade e ocultando sua posição. Dois disparos acertaram um soldado a seu lado, perfurando-o o peito. Normalmente o suficiente para matar alguém, porém os soldados experimentais não estavam mais vivos, seus corações já não batiam mais, e seus corpos se moviam por magia profana. O soldado levantou-se e começou a efetuar disparos na direção de onde sofreu o ataque. Outros soldados foram sendo feridos, mesmo assim, continuavam atacando. Sentiu um impacto por seu corpo, o acertaram, as balas conseguiram penetrar sua carne, mas não trespassavam nem mesmo faziam ferimentos profundos, sentiu o um pouco de dor, contudo estava acostumado já tinha sofrido ferimentos piores. As armas não eram efetivas o suficiente contra ele, nem mesmo contra os soldados, a vitória estava garantida era só questão de tempo.
A troca de disparos continuou, pode ouvir os inimigos gritando de dentro da mata enquanto eram feridos, diziam que as armas e suas habilidades não eram efetivas, que deveriam recuar. Seu ego foi se inflando cada vez mais “Que espetáculo”, pensou, “Estes soldados, com eles posso acabar com tantos inimigos, os superiores vão ficar tão satisfeitos. A dominação vai ser mais fácil do que o esperado”. Todavia foi surpreendido um objeto veio caindo em parábola na direção da cabine do caranguejo e de alguns soldados. Uma granada, que quando explodiu levantou poeira de todos os lados, os fragmentos e o impacto quebraram a formação, soldados caíram no chão sem se mexer e castro foi arremessado contra a lataria da máquina, alguns soldados estavam definitivamente mortos desta vez. Sentiu um ferimento na perna, sangue molhando sua perna e roupas. Um fragmento da granada rasgou parte de sua coxa, o sangue negro escorreu pela perna e pingou no chão, seu ego que foi se construindo e inflando foi partido em um único ataque. Mais uma vez os sentimentos começaram a borbulhar dentro de si fazendo o sangue ferver. Sentiu parte da consciência se esvaído, seu orgulho tomou conta.
Pode ver algo no fundo da mata, o que antes parecia ser apenas um monte de terra e folhagens se levantou. Um autômato, grande como um boi, o enorme corpo desproporcional feito em latão e ferro, começou a correr na direção da esquadra carregando uma barra de ferro que deveria ser peça de alguma outra maquina. O frenesi o fez correr de encontro ao monstro metálico, contudo quando se chocaram o corpo maciço da engenhoca foi mais forte e a inercia fez castro ser arremessado mais uma vez em direção ao caminhão. Ao cair no chão viu o autômato usar a peça de ferro para acertar os soldados, a força bruta da besta de metal os esmagou como se fossem insetos sendo derrotados um a um. Suas armas não eram capazes de fazer grandes danos a lataria.
A batalha teve uma reviravolta, mas o orgulho não o deixaria desistir. Antes que a besta de metal terminasse de exterminar seus soldados Castro tinha que matá-la. Não ia ser difícil, parecia ser um modelo improvisado, algo que antes deveria trabalhar na fazendo ou indústria não era feito pra combate, ou seja, falhas a mostra. Pode ver entra as ferragens a bateria que o mantinha funcionando. Levantou-se rapidamente, ao se aproximar o autômato tentou acertá-lo com a clava improvisada, porém Castro era mais rápido e desviou facilmente dos ataques. Assim que viu uma abertura passou por debaixo do braço metálico enquanto ele fez um arco para atacá-lo, saltou nas costas do monstro e enfiou os braços dentro das ferragens segurando os cabos da bateria, apoiou as pernas contra o corpo de metal e fez todo esforço físico que conseguiu para arrancar os cabos. Sentiu Balas penetrarem suas costas enquanto puxou os fios de cobre emborrachados com toda sua força, começou a sentir os cabos se rompendo, ouviu o barulho da estática parando de correr pelo corpo do inimigo. Assim que os cabos se partiram a besta de metal foi ao chão e já não passava mais de um peso de porta.
Seus soldados recuperaram a moral, “a batalha está prestes a virar, contive a maior ameaça”. Contudo, ao virar-se para o caranguejo viu o prisioneiro descendo da caçamba. Procurou pelas chaves dos grilhões, mas não estava com elas, deviam ter caído com os impactos que recebeu. O prisioneiro estava livre. Um dos seus capangas havia os flanqueado e o soltou enquanto Castro estava distraído. O sangue fervia, sabia que não podia matá-lo, no entanto o orgulho falou mais alto. Correu na direção do inimigo, sentia os dentes afiados sedentos por sangue humano, abriu a boca para rasgar a garganta daquele verme inútil que tinha saído da cela em uma mordida. Antes que fechasse a boca na jugular foi parada, sentia os dedos do inimigo em sua boca, travando a mandíbula impedindo que a fechasse. Viu o prisioneiro o segurando como um homem que luta com um crocodilo. Castro não tinha força suficiente para fechar a mordida, mesmo seus dentes sendo muito afiados com o frenesi, capazes até mesmo de cortar aço e esmagar pilares de concreto, de alguma forma aquele homem o havia parado. A maldita resistência que haviam falado, não imaginava que seria algo tão absurdo, tinha quase o matado sufocado a algumas horas, entretanto algo havia mudado.
Enquanto uma das mãos agarrava a mandíbula a outra segurava a parte superior da boca, o prisioneiro começou a segurar com mais força, colocou o polegar sobre o olho do sargento que começou a entrar o esmagando para que ele pudesse segurar pela cavidade ocular. A dor foi horrível, a visão foi ficando turva devido ao sangue até que o olho foi completamente esmagado, assim, perdendo a visão. Soltou um grito de dor, lagrimas escorreram pelo olho que sobrou enquanto sangue escorria do perfurado. O prisioneiro o encarando no fundo dos olhos de maneira fria expressando sua crueldade.
Ficou em fúria. Começou a agredir o desgraçado que o cegou para se desvencilhar das mãos. Desferiu uma serie de socos cada vez mais fortes contra a cara do canalha, mas começou a sentir os dedos, ossos da mão e pulso se partindo enquanto o acertava cada vez mais forte. Apesar disso, tudo que os golpes fizeram foi encher o rosto do prisioneiro com seu sangue negro, ele não sofreu nenhum ferimento e nem mesmo soltou seu rosto. O prisioneiro não tentou se esquivar ou defender-se, pois não era necessário. Castro começou a ficar inseguro. Já não sentia mais as mãos e o homem não perdia o foco, até mesmo se divertia com tudo aquilo.
-Está assustado sargento Castro? Deveria! No lugar pra onde vou te mandar, os prisioneiros nunca são esquecidos pelos guardas, eles passam dia e noite se alimentado das almas de seus cativos. Você nunca vai ficar sozinho, afinal, toda noite vai ter um demônio diferente te currando. Quando chegar ao Abismo diga que Ivan filho de Van te enviou.
O homem começou a gargalhar enquanto começou apertar mais ainda com as mãos empurrando mandíbula de crânio para matar Castro. Sentia-se desesperado, tanto medo, não queria morrer. Começou a socar Ivan sem parar, mas só quebrou suas mãos mais ainda, não havia como escapar. “Por quê? Como aquilo é possível? Devia telo matado quando teve a chance, mas agora era tarde demais”. Naquele momento sargento Castro soube que não tinha qualquer chance de vencer, o prisioneiro estava brincando com ele o tempo todo. Sentiu a face ser esmagada, ouviu os ossos estralando enquanto se quebravam e a carne da mandíbula rasgando enquanto Ivan a arrancava. Tanta dor, tanto medo e desespero. Ele deveria ser o monstro por ser um corrompido, mas aquela coisa parecia estar se divertindo, se alimentando de seu desespero. A última coisa que ouviu antes de morrer foi aquela risada. Tinha achado um inimigo mais forte que ele.
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